009- João Wilton Alves- ANTECEDENTES HISTÓRICOS (Continuação)

Número 009-ANTECEDENTES HISTÓRICOS (Continuação)

Preliminarmente,

A autoridade apontada de coatora argüiu a ilegitimidade de parte no pólo passivo da demanda, fundamentando que compete à Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão a atividade de orientação normativa do órgão, sendo que tão somente cumpriu a determinação daquela Secretaria, determinando o cancelamento.

Entretanto, a argüição não se sustenta, na medida em que autoridade para fins de mandado de segurança é aquela que pode determinar ou desfazer o ato.

Nos casos dos autos, o próprio impetrado já determinou a suspensão do ato inquinado de nulidade, patenteando-se que tem o poder de desfazer o ato administrativo.

Soma-se a isso que se trata de orientação normativa, a qual poderia ter sido rechaçada pelo impetrado, mas preferiu, com base nela, determinar a execução do ato inquinado de ilegalidade, tratando-se , pois, de opção da autoridade apontada de coatora.

Repilo, pois, a preliminar.

11.2- Meritum Causae

Objetiva o impetrante a nulidade do ato de cancelamento do afastamento preliminar, bem como o retorno definitivo do impetrante à inatividade, garantindo-se a aposentadoria, nos termos da Lei Complementar nº 51/85.

O ato administrativo objurgado baseou-se em parecer jurídico interno e foi exarado em procedimento de situações coletivas análogas ao dos requerentes.

Como é sabido, em razão da autotutela, a administração pode anular, por vício, ou revogar, por conveniência, os atos emanados em sua atividade estatal, mas o ato de desfazimento é regulado por regras a serem respeitadas:

A súmula nº 473, enuncia:

“A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e, ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

O controle administrativo é consagrado na Súmula, mas a mesma aponta limitações que deve ocorrer caso a caso.

Em se tratando de decisão que restringe direitos, o meio adequado é o processo administrativo, via própria para a perquirição das peculiaridades de cada caso.

No caso objeto dos autos, a anulação do ato de afastamento preliminar para fins de aposentadoria constitui retorno coativo do servidor à função e pode acarretar o indeferimento da aposentadoria, tornando imprescindível o processo administrativo.

Nessa linha, deve-se conferir ao servidor, o conhecimento prévio, antes do reingresso coativo, assegurando-lhe as oportunidades de se manifestar no procedimento.

O art. 5º. LV, da Constituição Federal dispõe:

“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes”.

Como é sabido, a ampla defesa abrange a notificação, a vista

do procedimento, a possibilidade de constituir advogado e produzir provas.

Não foram observadas tais regras pela administração.

Cuidou-se tão somente, de expediente coletivo, no qual se agregaram pareceres jurídicos e se determinou o encaminhamento de pastas de servidores para a anulação, sem atentar para a situação individual de cada um, mormente quanto à repercussão econômica na remuneração do servidor.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu:

“ATO ADMINISTRATIVO - REPERCUSSÕES-PRESUN-ÇÃO DE LEGITIMIDADE-SITUAÇÃO-CONSTITUÍDA-INTERESSES CONTRAPOSTOS-ANULAÇÃO-CONTRA-DITÓRIO. Tratando-se de anulação de ato administrativo cuja formalização haja repercutido no campo de interesses individuais, a anulação não prescinde da observância do contraditório, ou seja a instauração do processo administrativo que enseje a audição daqueles que terão modificada situação já alcançada. Presunção de legitimidade do ato administrativo praticado, que não pode ser afastada unilateralmente, porque é comum à administração e ao particular”(RE nº 159.543-9. Ministro Marco Aurélio.

Informativo nº 08).

Os autos noticiam que o servidor foi afastado por ato da pró-

pria administração e já se encontrava por longo período na inatividade, por ato que se presume legítimo e, por conseqüência, desenvolvendo interesses diversos àqueles atinentes à administração, de modo que o cancelamento abrupto do afastamento do servidor gera situação de insegurança jurídica, não desejado pelo ordenamento pátrio.

A matéria que ocasionou a decisão é controversa, conforme pulula dos autos, e o dispositivo constitucional suso mencionado garante o direito ao recurso, sendo que, por mais esse motivo, exigia cautela do administrador, instaurando-se o devido procedimento administrativo, individual, com as garantias constitucionais de defesa.

Dessa forma, conclui-se que houve violação ao devido processo legal.

Ao lado disso, vê-se que a exordial invoca a recepção da Lei Complementar em exame pela Constituição Federal.

Constata-se dos autos que o impetrante exercia a função de delegado de polícia sendo que requereu o afastamento preliminar para fins de aposentadoria, após trinta anos de serviço, sendo que vinte anos exclusivamente no serviço policial (fls. 26/28), conforme o inc. I, do art. 1º da Lei Complementar 51 de 20 de dezembro de 1985.

O pedido foi examinado e deferido pela administração desde 26 de janeiro de 2002 ( fls. 29).

Sucede que o art. 40, III, 1º da Constituição Federal dispõe que lei complementar poderá estabelecer exceções aos casos de aposentadoria comum, em razão do exercício de atividades consideradas penosas, insalubres ou perigosas, a teor do referido dispositivo.

Em razão da Emenda Constitucional nº 20/98, a aposentadoria especial passou a ser prevista no § 4º, do Art. 40, que estabelece:

“É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados os casos de atividades exercidas exclusivamente sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar.

Observa Hely Lopes que “Esta lei complementar é de natureza nacional, tendo, assim, caráter impositivo para todas as esferas administrativas, federal, estadual, distrital e municipal”. (in Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros, pág. 434).

A par disso, como é sabido, a aposentadoria especial foi introduzida pela Constituição Federal de 1988, que não rompe com o ordenamento jurídico, porquanto a Constituição, conforme acentuou Celso Bastos, é um modo de ser de um povo. Portanto, trata-se de nova adaptação jurídica-social.

Na precisa observação de Hector Fix Zamudio:

“ A interpretação dos dispositivos constitucionais requer por parte do intérprete ou aplicador, particular sensibilidade que permite captar a essência, penetrar na profundidade e compreender a orientação das disposições fundamentais, tendo em conta as condições sociais, econômicas e políticas existentes no momento em que se pretende chegar ao sentido dos preceitos supremos.” (Teoria da Constituição, Resenha Universitária, São Paulo, pág. 54.)

In casu, trata-se de delegado de polícia que é função exercida

em condições adversas ao ser humano, considerada penosa, pois impõe sofrimento no exercício da função, e com risco à integridade física e à saúde, mormente nos dias atuais, nos quais as condições de desenvolvimento e desigualdades sociais vicejam os conflitos e crimes que deságuam na seara policial onde trabalhava o impetrante.

Desde 1960 que o Brasil, vem adotando os princípios internacionais de proteção ao trabalhador que desenvolve atividade em condições adversas, culminando por subscrever a Convenção nº 155 que dispõe sobre a saúde dos trabalhadores, se comprometendo todos os países signatários a adotar prescrições de proteção àqueles que atuam diretamente em situação que afete a saúde, ou ponha em risco a vida, inclusive no serviço público ( art. 3º, “a” ).

A Lei Complementar 51/85 estendeu a proteção aos policiais, porquanto a aposentadoria especial àqueles que trabalham em condições especiais nada mais é que uma indenização pelas agressões sofridas pelo organismo do trabalhador.

A novel Constituição Federal não aboliu o desenvolvimento que já tinha se operado. Ao revés, previu expressamente o benefício estabelecendo que imprescinde de lei complementar.

A regulamentação reservada a lei complementar não significou legislação futura, mas resguardo para inúmeras situações de aposentadorias, porque várias são as funções adversas ao ser humano, não significando repúdio àquelas situações já previstas e consagradas.

Assim, houve perfeita integração da Lei Complementar nº 51/85 à Constituição novel da República.

Por todos os ângulos que se examine a questão, vê-se que efetivamente se trata de lei complementar, que alberga matéria adotada pela Constituição Federal atual e está em consonância com os aspectos sociais econômicos e políticos do país.

Demais disso as condições estabelecidas para o gozo do direito foram adimplidas pelos requerentes e lei alguma que possa ser promulgada posteriormente poderá prejudicar o direito dos impetrantes.

Logo, a matéria também é solucionada no campo do conflito intertemporal de normas, no qual irá prevalecer a Lei Complementar Federal nº 51/85.

As demais legislações mencionadas na exordial não se aplicam à espécie dos autos.

Por todas essas razões, conclui-se que o ato de cancelamento da aposentadoria dos impetrantes não observou o princípio da ampla defesa, a Lei Complementar nº 51/85 está em consonância com o Texto Federal e o impetrantes.

Logo a matéria também é solucionada no campo do conflito intertemporal de normas, no qual irá prevalecer a Lei Complementar Federal nº 51/85.

As demais legislações mencionadas na exordial não se aplicam à espécie dos autos.

Por todas essas razões, conclui-se quer o ato de cancelamento da aposentadoria dos impetrantes não observou o princípio da ampla defesa, a Lei Complementar nº 51/85 está em consonância com o Texto Federal e o impetrante implementou as condições para o gozo do benefício, patenteando-se o direito adquirido à aposentadoria especial.

joaowiltonalves
Enviado por joaowiltonalves em 03/09/2006
Reeditado em 06/09/2006
Código do texto: T231740