Violência contra crianças e adolescentes

O presente trabalho resultou do interesse sobre a violência contra a criança e o adolescente e decorre da necessidade de conhecer, de forma mais aprofundada, o fenômeno para, a partir de então, criar estratégias de análise a fim de auxiliar pessoas que atuam diretamente com crianças e adolescentes, para que estes possam identificar casos e evitar desfechos fatais ou traumáticos para as vítimas. Tendo como fio condutor da discussão o conceito de violência, defende-se que este é um fenômeno representado por relações, ações, negligências e omissões realizadas por indivíduos, grupos, classes e nações que ocasionam danos físicos, emocionais, morais e/ou espirituais a outrem. (SOUSA apud FARIA et al, 2008).

Dados empíricos revelam a geografia destas violências. Pesquisas recentes de entidades ligadas diretamente ao governo brasileiro e outras esmiúçam estas violências. Os dados comprovam que a maior parte das agressões ocorre no espaço doméstico e são cometidas por aqueles que deveriam zelar pelos aspectos morais e físicos jovens.

Esse fenômeno ocorre em uma relação assimétrica de poder e caracteriza-se pela existência de um sujeito agressor em condições superiores, que comete um dano físico, psicológico e/ou sexual contrariamente à vontade da vítima. (AZEVEDO; GUERRA, apud FARIA et al 2008).

Para atingir o objetivo proposto, o artigo apresenta discussão teórica, legislação pertinente e dados atualizados acerca da temática, o que nos mostra que políticas públicas são necessárias para a elucidação destas violências, criando condições para que as famílias consolidem o exercício da cidadania no Brasil.

O fenômeno da violência não é um fato recente, tendo sido um dos maiores problemas de cunho social na última década do século XX. No Brasil, a violência contra a criança e o adolescente é um sério problema de saúde pública por ser umas das principais causas de morbimortabilidade (HEISE apud FARIA et al, 2008).

Com base em Guerra e Azevedo (apud FARIA et al, 2008), consideram-se aqui quatro tipos de violência praticados contra crianças e adolescentes: negligência e abandono, abuso físico, sexual e psicológico. Nesta perspectiva, violência física corresponde ao emprego de força física no processo disciplinador de uma criança, significando toda a ação que causa dor, abrangendo desde um simples tapa até um espancamento fatal. Geralmente os principais agressores são os próprios pais ou responsáveis que utilizam essa estratégia como forma de domínio sobre os filhos. Por sua vez, a violência sexual caracteriza-se por todo ato ou jogo sexual entre um ou mais adulto e uma criança ou adolescente, tendo por finalidade estimular sexualmente esta criança/adolescente ou utilizá-lo para obter satisfação sexual. É importante considerar que no caso de violência sexual, a criança e adolescente geralmente são vítimas sendo essa uma das violências mais graves pela forma como afeta o estado físico e emocional da vítima. Seguindo a premissa apresentada, afirma-se que violência psicológica é toda interferência negativa do adulto sobre as crianças e adolescentes, formando nas mesmas um comportamento destrutivo. Existem mães que sob o pretexto da disciplina ou da boa educação sentem prazer em submeter os filhos a vexames, atuando no interrompimento da alegria de uma criança através de gritos, queixas, comparações, palavrões, chantagem, entre outras atitudes, o que pode prejudicar a autoconfiança e auto-estima desta criança e adolescente. Finalizando, negligência pode ser considerada também como descuido, ausência de auxílio financeiro, colocando a criança e o adolescente em situação precária: desnutrição, baixo peso, doenças, falta de higiene.

Pensando nessa infância violada, ou prestes a ser violada, que precisamos rever certos conceitos e estratégias de ação, pois a violência pode causar danos irreparáveis nos desenvolvimentos físico e psíquico de crianças e adolescentes.

É o silêncio que faz com que se torne difícil a intervenção. Portanto, o profissional que trabalha com crianças e adolescentes, principalmente em instituição escolar precisa estar atento aos sinais, pois as vítimas pedem socorro não só através de suas vozes, mas também de ações e de comportamentos que indicam que alguma coisa não está bem, e que a criança precisa de ajuda.

Alguns indicadores orgânicos na criança e adolescente, nos mostram quando devemos desconfiar que o menor de idade esta sendo vítima de alguma violência. Nos casos de violência física a criança/adolescente apresenta as seguintes características: desconfia dos contatos com adultos; está sempre alerta esperando que algo ruim aconteça; tem mudanças severas e freqüentes de humor; demonstra receio dos pais (quando é estudante procura chegar cedo à escola e dela sair bem mais tarde); é apreensivo quando outras crianças começam a chorar; demonstra comportamentos extremos: agressivo, destrutivo, excessivamente tímido ou passivo, submisso; apresenta dificuldades de aprendizagem não atribuíveis a problemas físicos; revela que está sofrendo violência física. Já nos casos de violência sexual o menor de idade apresenta interesses não usuais sobre questões sexuais, isto inclui expressar afeto para crianças e adultos de modo inapropriado para a idade, desenvolve brincadeiras sexuais persistentes com amigos, brinquedos ou animais, começa a masturbar-se compulsivamente; medo de uma certa pessoa ou sentimento de desagrado ao ser deixada sozinha em algum lugar ou com alguém; uma série de dores e problemas físicos sem explicação médica; gravidez precoce; poucas relações com colegas e companheiros; não quer mudar de roupa na frente de pessoas; fuga de casa, prática de delitos; tentativa de suicídio, depressões crônicas; mudanças extremas, súbitas e inexplicadas no comportamento infantil (anorexias, bulimias); pesadelos, padrões de sono perturbados; regressão a comportamentos infantis tais como choro excessivo, enurese, chupar os dedos; hemorragia vaginal ou retal, cólicas intestinais, dor ao urinar, secreção vaginal; comportamento agressivo, raiva fuga, mau desempenho escolar e prostituição infanto-juvenil. (CAVALCANTI, 2000).

Deste modo, é preciso ter um olhar atento e comprometido com a causa da infância e adolescência para que as crianças possam obter auxílio e serem encaminhadas para profissionais éticos e capazes de fazer um diagnóstico mais preciso.

Com base em legislação legal temos como fundamento a Constituição Federal Brasileira (CFB) preconizando em seu art. 227, § 4º, que a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. Complementando a Lei Magna, o Estatuto da Criança e o Adolescente (ECA), a respeito da violência contra o menor de idade, admite no art. 5º que “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.

A Constituição Federal Brasileira e o Estatuto da Criança e do Adolescente admitem que o papel de proteção cabe à sociedade. Ante isso, por meio de diferentes formas organizativas e institucionais, como no exemplo do Conselho Tutelar, a comunidade tem sido chamada a participar na formulação e no controle das políticas voltadas às crianças e aos adolescentes.

Explanados os aspectos teóricos e legais, os próximos tópicos estarão dedicados ao levantamento de dados sobre violências cometidas contra crianças e adolescentes na América Latina e no Brasil, versando um enfoque maior à região Sul, Estado do Paraná.

De acordo com o Centro Latino Americano de Estudos de Violência e Saúde (CLAVES), a violência contra crianças e adolescentes constituía, em 2005, a primeira causa de morte na faixa etária de 5 a 19 anos e a segunda causa de morte entre as crianças de 1 a 4 anos. No mesmo ano (2005), um estudo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR) revelou que em Curitiba, 92% dos agressores são homens, cerca de 50% das vítimas são meninas de 6 a 10 anos e 33% das ocorrências correspondem a casos de estupro. Estes dados nos remetem à discussão de gênero, pois demonstram que a maior parte das violências é cometida por homens, adultos, sendo que o gênero feminino predominantemente ocupa o lugar de vítima.

No Brasil, o Serviço Disque Denúncia Nacional de Abuso e Exploração Sexual Contra Crianças e Adolescente, criado em 1997, coordenado pela Associação Brasileira Multidisciplinar de Proteção à Criança e ao Adolescente (ABRAPIA), tem como objetivo a coleta de dados para orientar a criação de políticas públicas de assistência voltadas para a diminuição destas violências cometidas contras as crianças e adolescentes brasileiros. Pesquisas são efetuadas constantemente e, em sua última versão, nas denúncias registradas entre 2003 e 2009, verificou-se um total de 182.859 vítimas das quais 62% são do sexo feminino e 38% são do sexo masculino.

Apesar de marcos históricos e avanços nas discussões sobre as facetas da violência, observa-se que pouco pôde ser feito até o momento. O fato alerta para a necessidade de um atendimento contextualizado, no qual a ação profissional individualizada deve ceder espaço à implantação de uma rede que acolhe, trata, age e pensa de forma integrada.

É importante enfatizar, como fazem Azevedo e Guerra (apud FARIA et al, 2008, p. 25) que “toda a ação que causa dor física numa criança ou adolescente, desde um simples tapa até o espancamento fatal, representam um só continuum de violência". Sendo assim, torna-se necessário defender o direito constitucional de que crianças e adolescentes têm de estar salvas de toda forma de violência, crueldade e opressão para que tenham uma vida digna, enquanto pessoas em situação peculiar de desenvolvimento e enquanto seres humanos.

Jessica Luana Zanchin - acadêmica do curso de Direito.