Revogação da prisão de Mizael Bispo

Nesta quinta-feira (05/07) o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) protagonizou importante papel no caso do assassinato – tecnicamente falando, homicídio – da advogada Mércia Nakashima, ao revogar o decreto de prisão preventiva contra o principal acusado, também advogado, Mizael Bispo de Souza. A decisão tem caráter liminar e foi proferida pela desembargadora Angélica de Almeida, da 12ª Câmara Criminal, competente para análise do feito.

O habeas corpus foi impetrado pelo advogado de Mizael Bispo, visando principalmente a revogação da prisão preventiva, porque esta não teria sido fundamentada adequadamente. Em seu pedido, a defesa ressalta que o magistrado, ao evocar a gravidade do crime, o clamor público e a repercussão do caso na mídia, deixou de considerar os pressupostos legais autorizadores da custódia preventiva.

Com efeito, o argumento mais destacado para determinar a prisão é o da garantia da ordem pública, sustentado pela gravidade do crime e pela repercussão do delito em face da divulgação dada pela mídia.

A questão é bastante técnica, mas pode – e deve, pois o direito e a lei existem em função das pessoas e do cidadão e não o contrário – ser explicada.

A prisão preventiva é uma das modalidades de prisão processual, pois ocorre dentro e enquanto dura o processo. A prisão processual não é ainda condenação, mas uma cautela, uma prevenção que a autoridade judiciária deve tomar, a pedido da acusação, quando alguns motivos se fizerem presentes. Quais motivos? Aqueles previstos na lei processual, especificamente no art. 312 e que são chamados de requisitos legais da prisão preventiva.

Numa divisão privilegiando a didática, tais requisitos podem ser divididos em dois grupos: os referentes ao crime e os referentes à prisão em si.

Quanto ao crime, o magistrado deve verificar primeiro se existe acusação, o que é feito pela leitura da denuncia (documento formal de acusação), no qual devem constar elementos iniciais de prova, chamados de indícios. Como o próprio nome permite inferir, indícios são indicativos, circunstâncias iniciais que indicam tanto a existência do crime, quanto a possível figura de seu autor ou autores. Assim, têm-se os indícios de materialidade – ou seja, de que o crime existiu – e os indícios de autoria, vale dizer, de quem pode ter praticado o crime. Neste momento, nada é definitivo – isto precisa ser ressaltado, pois muitos pensam que a polícia já fez todo o trabalho, o que não é verdade. A polícia dá início aos trabalhos por meio de uma investigação prévia, que é o inquérito policial. Com base neste, o Ministério Público, representado pelo promotor de justiça, oferece a denúncia, efetivando a acusação. A partir daí se inicia o processo.

É no decorrer do processo que se irá provar a culpa do acusado, pois neste ocorre o necessário debate entre acusação e defesa do qual, ao final, resultará condenação ou absolvição. Em toda democracia, privilegia-se o debate, o diálogo entre partes interessadas na solução de um conflito. No âmbito da justiça não poderia ser diferente. Por isto existe o processo: o lugar ideal do diálogo para se chegar a uma conclusão sobre o crime. Este trabalho não é da polícia, nem somente do promotor. O resultado positivo, não apenas para a solução do crime em si, mas para toda a sociedade que valoriza o Estado democrático, é alcançado pelo desenrolar do processo. Isto é de fundamental compreensão.

Por este motivo, a prisão preventiva, ressalte-se de novo, de natureza processual, deve ser vista com cuidado. Porque ela não é antecipação da pena, ela não é uma prévia da condenação, ela não funciona como sanção penal. Ao contrário, ela é uma ação do Estado contra o cidadão. Como envolve o cidadão, ou seja, a pessoa humana, a prisão preventiva tem de seguir regras estritas, pois, do contrário, seria fruto do arbítrio, contra o qual muitos lutaram ao longo da história civilizatória da política, no sentido de evitar abusos estatais contra as pessoas.

Eis o ponto central da questão: é a vida do cidadão comum que está em jogo. Quando são quebradas as regras de garantia do cidadão, os motivos para isto devem ser claros. Obviamente, quando a mídia enfoca um determinado caso, as pessoas acompanham se houve arbítrio ou não. O problema maior ocorre quando alguém é acusado e permanece preso durante todo processo sem poder lutar por seus direitos.

Outro aspecto importante é que, no momento da análise sobre a concessão da prisão preventiva, não se realiza um juízo de culpabilidade. Que quer dizer isto? Significa que o magistrado não adianta seu julgamento sobre ser o acusado autor ou não do crime, o juiz apenas examina os indicativos, os indícios que apontam para o acusado e que autorizam a denúncia, ou seja, que permitem a acusação e o processo ocorrer, pois, se nem estes indícios existirem, não pode haver processo.

Foi exatamente isto que fez a desembargadora ao conceder a liberdade a Mizael Bispo. Ela verificou que existem indícios de autoria e materialidade, concordou com a gravidade do delito, mas apontou que não existem os requisitos específicos para a prisão preventiva. Por quê? Porque a ordem pública não seria atingida, uma vez que o acusado tem uma ocupação definida, é advogado; possui endereço certo e pode ser localizado, além de ter atendido todos os chamados da polícia e da justiça; e, principalmente este fator, é primário, vale dizer, não apresenta risco para a sociedade porque não é um criminoso contumaz, não vive a habitualidade do crime.

A questão do clamor público é delicada, pois todos querem uma justiça célere, mas esta não pode pagar o preço de romper com a tradição democrática. A credibilidade da justiça sempre está em jogo, em qualquer processo. Na esfera penal, a crença na justiça só pode ser afetada quando, ao final do processo, sem mais nenhuma possibilidade de recurso, sem mais nada a ser feito, o acusado fica livre ao ser condenado. Impunidade existe não no meio ou no decurso do processo, mas tão somente quando este se encerra e o acusado condenado não sofre as penas impostas na sentença condenatória. Aí a justiça é desacreditada.

A desembargadora deu uma aula, não de direito penal, mas de democracia. Vale a pena refletir sobre a decisão com cautela e isenção de prévios ânimos. Vale a pena perguntar: é este o momento de Mizael ficar preso?

Por repercutir na mídia, o caso vai provocar revolta naqueles que gostariam de vê-lo dentro das grades agora, mas talvez debruçar-se sobre a questão pode autorizar outras conclusões que valorizem a democracia processual. Bom seria que as garantias do cidadão se estendessem a todos que sofrem injustiças. Talvez este caso sirva para isto.