Nossa inútil justiça cega

Prólogo:

"De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto." - (Senado Federal, RJ. Obras Completas, Rui Barbosa. v. 41, t. 3, 1914, p. 86).

Ainda não estou e espero nunca ficar com vergonha de ser honesto, mas me encontro profundamente descrente na eficácia de nossas leis e justiça. Nesta peroração quero responder apenas a duas dúvidas frequentes da maioria das pessoas que pouco ou nada sabem sobre os procedimentos processuais na Ciência Jurídica e Social (Direito).

Se você, leitor amigo, quiser poderá imprimir e fornecer uma cópia para quem mais desejar saber algo sobre a nossa malfadada justiça cega, inútil, doida e escandalosamente incompetente. Senão vejamos os dois questionamentos devidamente respondidos.

1. QUANTO TEMPO DEMORA UM PROCESSO PARA SER SOLUCIONADO?

É impossível prever. Qualquer coisa que alguém falar sobre isso é só previsão, tão ou menos confiável que previsões de videntes, pois isto não depende do advogado, não é ele quem julga a causa, não é ele que faz “andar” o processo no cartório, e acima de tudo não foi ele quem fez a lei que permite recursos procrastinatórios infinitos, logo, infelizmente, por mais boa vontade que tenhamos nunca poderemos responder a esta pergunta a não ser com afirmações genéricas e circunstanciais.

Pois, por exemplo, enquanto um processo simples costuma demorar dois anos no Rio de Janeiro ou Porto Alegre, o mesmo processo (mesma causa de pedir) em média poderá ser resolvido em seis anos em São Paulo. O fato do processo do seu vizinho ter demorado menos de dois anos não quer dizer que o seu não vá demorar quatro anos ou mais anos para ser solucionado.

Na Justiça cada caso é um caso. Veja que um simples exame de urina (Caso Bruno - ex-goleiro do Flamengo) da desaparecida Eliza Silva Samudio demorou oito longos meses para se conhecer o resultado!

Esta é a nossa justiça brasileira. Aqui no Brasil aceitamos com muita naturalidade que um processo vai demorar muito tempo, muito mais do que o leitor à boa-fé imagina.

Costumo falar a quem posso que advogado consciencioso NÃO PODERÁ JAMAIS dizer ao seu cliente que vai resolver a querela em tempo recorde, ou que a causa é fácil e já está "no papo". Isto é bazófia e pouco ou NÃO TER nenhum respeito com a briosa e sacrificada carreira que abraçou.

Devemos repelir profissionais que falam dessa forma aos seus clientes porque um advogado assemelha-se a um mendigo que requesta (implora e suplica) num lupanar forense onde não existe celeridade processual por motivos alheios, quase sempre, aos operadores do direito, mormente de quem sobrevive de parcos honorários.

VEJA ESTE ESCANDALOSO EXEMPLO:

No dia 20 de agosto fez dez longos anos que Pimenta Neves está impune!

O jornalista Antônio Marcos Pimenta Neves tem sorte de ser brasileiro. Se fosse cidadão dos Estados Unidos, da Inglaterra, do Canadá, da Itália, da França, da Espanha, de Portugal, da Argentina, da Colômbia, do Japão, da Costa Rica, da Rússia ou da China, e tivesse cometido em um desses países o crime que cometeu aqui, a probabilidade de estar fora da cadeia seria praticamente nula.

Em agosto de 2000, o jornalista, então diretor do jornal O Estado de S. Paulo, matou com dois tiros a ex-namorada e também jornalista Sandra Gomide, de 31 anos.

O crime completou dez anos em 20 de agosto (ontem) do ano em curso (2010) e Pimenta Neves - réu confesso, julgado e condenado em primeira e segunda instância - continua livre como um pássaro.

Pior que isso (impunidade ostensiva): as chances de que ele nunca vá para a cadeia - ou de que, ao final de tudo, venha a passar não mais do que um ano e onze meses confortavelmente lá - são escandalosamente reais. Por isso tudo e muito mais podemos gritar:

Viva o nosso Brasil não beligerante, mas extremamente tendencioso a anarquia generalizada para os anarquistas e a diarreia legiferante estatal para os incompetentes legisladores!

Sobre a impunidade já dizia o grande criminalista Heleno Cláudio Fragoso (Que Deus o tenha): "Muito mais eficiente que a pena é a certeza da punição. De nada adianta discursos ideológicos sobre o crime, quando o delinquente sabe que jamais será punido.".

AQUI ESTÁ A SEGUNDA QUESTÃO:

2. O juiz (juíza) tem prazo para julgar um processo, ou o serventuário para movimentar, apensar, ou a nota para ser publicada, ou parte para ser intimada, citada?

No processo só quem tem de obedecer a prazos são os advogados, pois o Poder Judiciário só tem prazo em tese e na lei morta (ineficaz). Em verdade não há prazo para nada.

Assim os meritíssimos juízes (juízas) poderão ser convidados para dar aulas em faculdades ou cursinhos preparatórios à magistratura (A lei lhes dá amparo); os serventuários, os peritos, os contadores, etc., poderão entrar em greve por melhores salários e outras reivindicações porque não têm prazo estipulado para os atos processuais e, assim, os processos e suas partes e advogados que se danem. Sim. Escrevo porque estou um pouco emocionado e exaltado neste exato momento.

UMA OBSERVAÇÃO NECESSÁRIA: Os juízes (juízas) não são e nunca foram proibidos de dar aulas. A Constituição de 1988, artigo 95 - que trata das vedações da briosa categoria -, manteve uma exceção, aquela que lhes permite lecionar.

O problema da decantada e necessária celeridade processual, sempre em xeque, é que, no dia-a-dia, alguns magistrados (Conheço alguns poucos pragmáticos que não fazem isso) praticamente trocaram os processos já conclusos para sentenças, volumosos, trabalhosos e enfadonhos pelo ensinar e por um bom reforço de caixa.

Logo não adianta brigar com o seu advogado porque o juiz (juíza) está há muito tempo ou mais de cinco meses com o processo no gabinete (engavetado) sem julgar, isto é, concluso para sentença sem decidir, pois o seu advogado não pode fazer nada.

O advogado não pode apressar o cartório ou o oficial de justiça ou qualquer outro procedimento dentro do judiciário, pois eles, que representam a justiça cega, simplesmente não têm prazo preestabelecido para cumprir suas obrigações honrosamente constituídas.

Isto é um absurdo? Eu também acho. Ah! A título de curiosidade o maior prazo para um advogado é de 15 dias. Quando um advogado perde o prazo para intentar um procedimento NO MÍNIMO o processo é arquivado, incontinênti, sem o julgamento do mérito (causa).

Quando isso acontece o (s) cliente (s) e até mesmo a justiça e demais colegas advogados que labutam na mesma área desse incompreendido e injustiçado profissional olham-no de esconso.

O infeliz advogado será considerado incompetente, relaxado e extremamente irresponsável. Se for feita uma representação contra esse profissional, na OAB, ele estará seriamente encrencado!

SENÃO VEJAMOS: Os arts. 653 a 692 do código civil vigente prevêem a figura do Mandato como integrante do Título V da lei civil, a qual trata dos contratos em geral. Rui Stocco (2004, página 479) utiliza-se de citação de Caio Mário da Silva Pereira, para melhor definir o tema:

"Recebendo a procuração, o advogado tem o dever contratual de acompanhar o processo em todas as suas fases, observando os prazos e cumprindo as imposições do patrocínio, quais sejam: comparecer às audiências, apresentar as provas cabíveis, agir na defesa do cliente, e no cumprimento das legitimas instruções recebidas".

Vale ressaltar que, via de regra, a obrigação do advogado é uma obrigação de meio, através da qual ele se dispõe a atender os interesses do mandante, utilizando os meios possíveis, mas não se obriga pelo resultado da demanda. Logo, não se pode imputar ao patrono nenhuma responsabilidade pelo insucesso da causa, se restar provado que ele agiu corretamente no patrocínio da mesma.

Há, contudo, situações em que o procurador obriga-se pelo resultado, como ocorre quando lhe encomendam um parecer, ou quando se obriga pela confecção de um contrato, estatuto ou ato constitutivo.

Aqui, quando não atinge o resultado pactuado com o mandante, por erro indesculpável, caracteriza o inadimplemento contratual e nasce a obrigação de reparar se decorrer, desta conduta, prejuízo efetivo para o cliente.

CONCLUSÃO

Muitos não sabem, mas também, nos raros momentos de folga e com tempo bom sou, além de motorista, eventual motoqueiro. Por isso vou dar um simples exemplo de nossa inútil legislação; justiça ineficaz, inoperante e cega com a seguinte pergunta: O que é mais grave para o trânsito: a condução de motocicleta com o farol apagado ou com a lâmpada queimada? Eu não vejo diferença nenhuma nessa bobeira do condutor do veículo!

Não. Não ria ante essa boba pergunta. Observe que para o insipiente legislador, "data venia", o esquecimento é pior do que a desídia, pois no primeiro caso (farol apagado) classificou o artigo 244, IV, do CBT, como infração gravíssima (em que, além da multa, caberá suspensão do direito de dirigir ou pilotar) e, no segundo caso (lâmpada queimada ou com defeito), estabeleceu, no artigo 230, XXII, do CBT, apenas a multa de natureza média. Parou de rir? Atingi meu intento! Fiz-me compreender.

OBSERVAÇÃO PERTINENTE:

Os legisladores debatem a possibilidade de mudanças nas penalidades previstas no artigo 244, IV, do CBT, no sentido de minimizar a infração de dirigir (pilotar) com FARÓIS APAGADOS DURANTE O DIA, isto é, transformar a infração em média, que corresponde a uma multa de 80 Ufir (R$ 85,12). O Senado apreciará a matéria já aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Redação da Câmara.

Mesmo estando inquieto com o porvir de nosso país, com a corrupção generalizada, com os destinos dos meus concidadãos execrados pelos desmandos que vejo galopantes; pela criminalidade banalizada; pelos abusos praticados contra os desafortunados e, mesmo assim ainda crentes na nossa legislação inútil e justiça cega, quero arrematar este texto com mais um período do saudoso advogado e tribuno por vocação, Rui Barbosa de Oliveira, político e jurisconsulto:

"Eu não troco a justiça pela soberba. Eu não deixo o direito pela força. Eu não esqueço a fraternidade pela tolerância. Eu não substituo a fé pela superstição, a realidade pelo ídolo." - (Rui Barbosa de Oliveira – O Partido Republicanos Conservador, 61).