Tiririca consegue ler e escrever

Viva! Salve! Tiririca consegue ler e escrever! Durante o teste de alfabetização realizado pela Justiça Eleitoral de São Paulo, Tiririca, o deputado federal eleito pelo PR-SP com maior número de votos deste ano, cerca de mais de 1,3 milhão – o qual atende pelo nome de batismo de Francisco Everardo Oliveira Silva, também em conformidade o respectivo registro civil – conseguiu ler e escrever em teste de alfabetização feito nesta quinta-feira.

Segundo o TRE (Tribunal Regional Eleitoral) de São Paulo, o deputado eleito fez um ditado tirado da página 52 do livro "Justiça Eleitoral, uma retrospectiva", editado pelo próprio tribunal. Ele teve que escrever: "a promulgação do Código Eleitoral, em fevereiro de 1932, trazendo como grandes novidades a criação da Justiça Eleitoral". Também foi obrigado a ler o título e subtítulo de duas reportagens, uma sobre o Procon e outra sobre o filme de Ayrton Senna. Ainda teve de fazer uma interpretação do que leu e escreveu.

De acordo ainda com o TRE, não é possível afirmar que Tiririca passou no teste. Contudo, nada foi constatado que autorizasse o indeferimento do registro de sua candidatura, o qual foi considerado legítimo. Logo, Tiririca será diplomado deputado federal.

Tiririca fora acusado pelo Ministério Público de entregar à Justiça Eleitoral declarações falsas sobre sua alfabetização e seus bens. A denúncia levou à abertura de uma ação penal pela prática de falsidade ideológica, pois a perícia levantou a suspeita de que tal declaração não tinha sido redigida pelo humorista. Com a realização do teste, cai por terra tal acusação, pois, mesmo que ele não tenha sido o autor do documento, o conteúdo dele, quanto a ser alfabetizado, é verdadeiro. Esta situação retira a tipicidade do delito, ou seja, as circunstâncias não permitem a concretização do crime.

Tudo isso é uma grande hipocrisia! E demonstra a fragilidade que compõe nossa democracia e nossa vida política. Pelo menos algumas reflexões podem surgir com esse episódio kafkiano, ou melhor, tiriricaiano.

Eis algumas perguntas:

a) que tipo de educação ou alfabetização – lembrando-se que educação é um grave problema no Brasil – habilita uma pessoa para a vida? O que uma pessoa precisa saber ler para viver?

b) qual ou como deve ser a preparação de um político? Deve ele ter formação superior? Qual deveria ser ela? E não cabe a lembrança de que nosso presidente atual, apesar do cargo ser executivo, não tem nenhuma formação e se orgulha disso?

c) falando nisto, a preparação de um político ao cargo legislativo deve ser a mesma a de um cargo executivo?

d) o deputado federal, que representa o povo no sistema democrático, precisa ter cultura muito aprofundada? É a erudição a característica da representação?

e) aliás, que significa representação? E representação política do povo? E representação política do Estado-membro (realizada pelos senadores)?

f) que legitima politicamente uma pessoa como representante do povo? Há algum requisito além da votação?

g) moralmente há algum requisito, além da honestidade – que deve ser um princípio absoluto, porque não é possível ser representado por ladrões?

h) por que um humorista ou um palhaço não podem ser eleitos? Não é melhor ter um profissional de qualquer esfera na representação política do que um cafajeste desonesto, que irá roubar o futuro de seus representados difusamente?

O episódio ainda mostra a força da mídia e da construção de marcas no mundo pós-moderno. Tiririca é uma celebridade da TV e foi fabricado por ela, sua credibilidade advém dela. Outros candidatos também foram fabricados pelo marketing. Porém, com Tiririca, nós podemos ter a certeza de uma coisa: pior do que está não fica!

(texto originalmente publicado no site Última Instância)