DA RESPONSABILIDADE CIVIL E DA RESPONSABILIDADE PENAL

"O valor próprio do direito é, pois, a Justiça – aqui não entendida como simples relação extrínseca ou formal, aritmética ou geométrica, dos atos humanos, mas sim como a unidade concreta desses atos, de modo a constituírem um bem intersubjetivo ou, melhor, o bem comum”- Miguel Reali – Jurista.

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Resumo:

INTRODUÇÃO:

O presente artigo traz em seu bojo, uma analise sucinta da responsabilidade civil e penal, com enfoque ao entendimento doutrinário vigente em nosso ordenamento jurídico. Conceituar a Responsabilidade Civil e Penal representa a distinção originaria, que ira definir, por responsabilidade a que se submetera o agente que violar dispositivos legais.

Ao que conflita com a doutrina e a jurisprudência, o entendimento do dano civil e material, são de ordem material, e pessoal, portanto, mesmo em conflito, estão amparadas por escólio constitucional, ex vi, do artigo 5°, V e X, da Carta Política, in litteris:

"Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

(...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação."

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1. Da Responsabilidade Civil e da Responsabilidade Penal

A responsabilidade jurídica pode ser civil ou penal. Parte da doutrina ainda cita a responsabilidade disciplinar (atribuída exclusivamente ao funcionário público) e a contábil, que não deixam de ser, a nosso ver, espécies da responsabilidade civil.

A responsabilidade penal decorre sempre do cometimento do "fato punível". Sem a prática de um delito, é dizer, de um fato típico, antijurídico e culpável, não há de se falar em responsabilidade penal. E este fato típico tem que estar necessariamente cunhado em uma lei penal nulla poena sine lege .

A responsabilidade civil também pode decorrer da prática delituosa, bastando que o crime tenha ocasionado um dano, patrimonial ou não. Trata-se da responsabilidade civil objetiva, aquela que resulta do dano causado. (e.v), dano moral e material. Ocorre que, enquanto a responsabilidade penal é rigorosamente pessoal, portanto, intransferível, a responsabilidade civil é ampla, atingindo as pessoas que, segundo a lei civil, devam responder pelo fato (art. 943 do novo Código Civil).

Diz a Constituição Federal: "nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor patrimonial transferido" (art. 5º., XLV)

"A obrigação à restituição é característica e típica sanção civil, porque consiste no restabelecimento do Estado de fato que existia antes da prática do delito. A restituição pode dizer respeito às coisas móveis de que o culpado se apoderou ilicitamente, como também às coisas imóveis, através, por exemplo, da remoção das linhas de demarcação após um delito de usurpação. A restituição não diz respeito apenas à coisa, mas se estende também aos seus frutos". (Giuseppe Bettiol, ob. cit., p. 233).

Adverte-se que a responsabilidade objetiva é rechaçada pelo Direito Penal moderno, pois todo crime deve, necessariamente, decorrer de culpa (lato sensu): nullum crimen sine culpa . Em Direito Civil, como se sabe, admite-se a responsabilidade sem culpa ou objetiva, explicada pela teoria do risco. Para Orlando Gomes, "o dever de indenizar o dano produzido sem culpa é antes uma garantia do que uma responsabilidade". (ob. cit., p. 410)

Teoria do Risco assemelha-se à objetiva do Estado. Há nexo de causalidade, mas não há culpa. Responsabilidade objetiva do Estado - responsabilidade em que alguém por ação, omissão, negligência, imprudência, cause danos, pressupõe a culpa e o nexo de causalidade a alguém. Quando proposta ação contra o causador do delito, deve-se verificar se houve a culpa do agente causador. Em ação cumulatória com danos morais, não pode denunciar à lide (acidentes de carro), não há a reconvenção. O estando indaga-se em si mesmo a responsabilidade de indenizar. Contrato de seguro de Resp. Privada: Danos morais à perda do ente querido, as lágrimas que a família chorou pela perda do ente. Tudo passa a ser passível de mensurar valores

No Codex processual penal pátrio, a matéria da responsabilidade civil decorrente de crime vem estampada nos arts. 63 a 68, que tratam da chamada ação civil, com a seguinte transcrição, in litteris:

Art. 63 - Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.

Parágrafo único. Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido.

Art. 64 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for caso, contra o responsável civil.

Parágrafo único - Intentada a ação penal, o juiz da ação civil poderá suspender o curso desta, até o julgamento definitivo daquela.

Art. 65 - Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em Estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Art. 66 - Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato.

Art. 67 - Não impedirão igualmente a propositura da ação civil:

I - o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação;

II - a decisão que julgar extinta a punibilidade;

III - a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime.

Art. 68 - Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre (Art. 32, §§ 1º e 2º), a execução da sentença condenatória (Art. 63) ou a ação civil (Art. 64) será promovida, a seu requerimento, pelo Parquet.

Como dito alhures, a ação civil "que procede do crime, é o direito de demandar a reparação ou satisfação plena do mal causado pelo delito". (José Antonio Pimenta Bueno, ob. cit., p. 73).

No direito positivo brasileiro, a ação civil para ressarcimento do dano causado pela infração penal (crime ou contravenção) pode ser interposta antes, durante ou depois da ação penal respectiva; o ofendido (ou os demais legitimados) pode aguardar o desfecho do processo criminal, executando, então, a sentença penal condenatória, ou, se preferir, pode, desde logo, intentar a ação indenizatória no Juízo cível, independentemente do andamento ou mesmo do início da ação criminal.

Exige-se, apenas, que a infração penal tenha ocasionado algum dano à vítima, o que não ocorre necessariamente em todos os delitos, como, o uso de droga, que não acarreta dano algum a ninguém salvo ao próprio usuário.

Exatamente por isso inadmissível é a criminalização do uso de entorpecente. Como diz Maria Lúcia Karam, "a aquisição ou posse de drogas para uso pessoal, da mesma forma que a autolesão ou a tentativa de suicídio, situa-se na esfera de privacidade de cada um, não podendo o Direito nela intervir (...), pois o Direito não pode punir o autoprejuízo, não pode intervir em condutas que não saiam da esfera individual, que não tenham potencialidade para afetar terceiros". (in De Crimes, Penas e Fantasias, Rio de Janeiro: LUAM, 1991, p. 128)

Estas possibilidades resultam claras, na exegese dos arts. 63 e 64 do Código de Processo Penal, já transcritos acima.

Vê-se, portanto, que não se faz necessária uma sentença penal condenatória transitada em julgado para se pretender, no cível, a reparação do dano. O ofendido ou seu representante legal ou seus herdeiros podem, independentemente da ação penal, antecipar-se e pretender, desde logo, o ressarcimento. É evidente que neste último caso não terá o autor um título executivo judicial, representado pela sentença penal condenatória.

Esta possibilidade de se impetrar a ação civil, antes mesmo da ação penal, advém do fato de que ambas as instâncias são independentes, nada obstante, como veremos mais adiante, algumas decisões criminais influenciarem decisivamente o julgamento no cível.

O certo, porém, é que a ação penal e a ação civil são autônomas, ainda que a sentença penal seja determinante no cível em relação a determinados aspectos. A autonomia, portanto, não é absoluta, como queria Toullier.

Prevaleceu na doutrina a teoria de Merlin, adotada, inclusive, pelo nosso velho Código Civil, código Bevilaqua, que dispunha no seu artigo 1.525 que:

"A responsabilidade civil é independente da criminal; não se poderá, porém, questionar mais sobre a existência do fato, ou quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no crime".

Hoje, o novel Códex, tem idêntica disposição no seu art. 935.

Esta disposição do Códex se justifica plenamente, a fim de que se evitem decisões absolutamente discrepantes, em evidente prejuízo para a ordem jurídica. Não seria admissível atestar-se em um processo que alguém praticou um delito e, sob o mesmo sistema jurídico, afirmar-se o contrário em outro processo ou, como bem diz Washington de Barros Monteiro, "decidir-se na justiça penal que determinado fato ocorreu e depois, na justiça civil, decidir diferentemente que o mesmo não se verificou".

"repugna conceber que o Estado, em sua unidade, na repressão de um fato reputado como ofensivo da ordem social, decida soberanamente, por um de seus órgãos jurisdicionais, que esse fato constitui crime, que seu autor é passível de pena e o condene a sofrer o castigo legal; e que esse mesmo Estado, prosseguindo na repressão do fato antijurídico, venha a declarar, por outro ramo do Poder Judiciário, que ele não é delituoso, que é perfeitamente lícito, que não acarreta responsabilidade alguma para seu autor, que não está assim adstrito ao dever de compor os danos a que deu causa”. (Curso de Direito Civil, Vol. V, Direito das Obrigações, 2ª. Parte, 27ª. ed., São Paulo: Saraiva, 1994, p. 403).

Bem antes, João Monteiro já indagava: "Que papel representaria o Poder Público, se o mesmo crime pudesse existir e não existir, ou se X fosse e não fosse o autor de determinado crime?". (Apud Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo Penal, Vol. II, 20ª. ed., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 28).

Por sua vez, complementando esta relativa independência entre as duas instâncias, o Códex Processual Penal acevera:

"Art. 65. Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em Estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito".

Este artigo guarda estreita relação com o disposto no art. 160, I e II do código Bevilaqua, in litteris:

"Art. 160. Não constituem atos ilícitos:

I – Os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido.

II – A deterioração ou destruição da coisa alheia, a fim de remover perigo iminente (arts. 1.519 e 1.520)".

Tais disposições estão repetidas no novel estatuto civil, em seu art. 188.

Vê-se, portanto, que o sistema adotado pelo Brasil reconhece a independência entre o Juízo cível e o penal, ressalvando, no entanto, que quanto à autoria e à existência do delito prevalece o decidido no crime (art. 935 do novo Código Civil), bem como no que se refere às causas excludentes de ilicitude (art. 23 do Código Penal); exatamente por isso, o parágrafo único do art. 64 "faculta" ao Juiz da ação civil suspender o curso do respectivo processo, até que se decida definitivamente a ação penal.

Por esse prisma, entende-se que a existência deste poder, se traduz em verdadeiro dever, ou seja, o Juízo monocrático cível, ao invés de poder, deve suspender o curso do processo. Como ensina Maximiliano, "ater-se aos vocábulos é processo casuístico, retrógrado. Por isso mesmo se não opõe, sem maior exame, pode e deve, não pode e não deve. Se, ao invés do processo filológico de exegese, alguém recorre ao sistemático e ao teleológico, atinge, às vezes, resultado diferente: desaparece a antinomia verbal, pode assume as proporções e o efeito de deve". (cfr. Hermenêutica e Aplicação do Direito, 7ª. ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1961, p. 336).

Assim também pensa Tourinho Filho, ao afirmar com propriedade: "A faculdade que o parágrafo único do art. 64 do CPP concede ao Juiz da ação civil de suspender a instância desta, até que seja definitivamente julgada a ação penal proposta contemporaneamente com aquela, torna-se uma obrigação, pois que o Juiz, velando pelo decoro da Justiça, terá de evitar o conflito de decisões díspares, baseadas em um mesmo fato e na mesma ação antijurídica. E, para evitar essas conseqüências desastrosas, pelo atrito de julgados irreconciliáveis, a faculdade se há de converter em obrigação". (cfr. ob. cit., p. 36).

Temos, então, que se em sede de ação penal for decidido por sentença transitada em julgado que o réu não cometeu o delito, esta questão não pode ser mais suscitada na ceara cível, ou seja, o Juiz da ação civil não poderá decidir contrariamente. O mesmo se diga se a sentença penal absolutória fundamentar-se na inexistência categórica do fato ou admitir a licitude da ação pelo reconhecimento de qualquer uma das causas que excluem o crime, previstas no art. 23 do Código Penal.

"Realmente, o conflito entre sentenças que apreciam o mesmo fato, uma negando e a outra afirmando a sua existência, uma recusando a autoria do delito e a outra aceitando-a, criaria uma situação de contundente extravagância. Inclinou-se a doutrina, por isso, para a conclusão de Merlin, negando-lhe os fundamentos. A decisão proferida no Juízo criminal tranca o Juízo civil toda vez que declarar inexistente o fato imputado ou disser que o acusado não o praticou. Quando, porém, como bem esclareceu Mendes Pimentel ‘a absolvição criminal teve motivo peculiar ao direito ou ao processo penal, como a inimputabilidade do delinqüente ou a prescrição da ação penal, a sentença criminal não obsta ao pronunciamento civil sobre a reparação do dano’". (Orlando Gomes, ob. cit., p. 352)

Observa-se, contudo, que a inexistência material do fato deve ser reconhecida categoricamente, sob pena de não vincular a decisão cível. Da dicção do art. 66 do Código de Processo Penal:

"Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato".

Assim, para fazer coisa julgada na área cível, a sentença penal absolutória deverá fundar-se no art. 386, I do Código de Processo Penal (O juiz absolverá o réu desde que reconheça estar provada a inexistência do fato); se o fizer com fulcro no inciso II (por não haver prova da existência do fato), admite-se a ação ex delicto , podendo o Juiz cível reconhecer a materialidade do crime a partir das provas colhidas neste Juízo.

Neste último caso, ressalto que a decisão criminal não foi definitiva quando do decreto absolutório; faltaram provas decisivas em relação à materialidade do delito e, exatamente por isso, restou à via cível para provar a sua existência. Não foi negada a materialidade, mas apenas se declarou a inexistência de provas quanto a ela.

Na dicção do Código de Processual Penal Pátrio, ainda estabelece, que a decisão penal extintiva da punibilidade não prejudica a ação civil (art. 67, II). É evidente esta outra exceção, visto que as causas ensejadoras da extinção da punibilidade no campo penal são de natureza diversa do civil. Mesmo quando se trata da prescrição (causa comum às duas ações), os prazos são outros em matéria penal. Outro exemplo: a morte do ofensor impede a propositura ou obstaculiza a continuação de uma ação penal; este mesmo fato, porém, não impossibilita nem conspurca a pretensão de ressarcimento, que poderá ser proposta contra os respectivos sucessores.

"É de ponderar, entretanto, que, se a causa extintiva da punibilidade for a prevista no art. 107, VII ou VIII, do CP, a ação civil perderá seu objetivo". (Fernando da Costa Tourinho Filho, ob. cit., p. 47)

Também não impede a propositura da ação civil à sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime (art. 67, III c/c art. 386, III). Assim, verbi gratia , um cheque emitido sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, porém pós-datado ou dado como garantia de dívida, pode vir a não constituir um delito (como entendem majoritariamente a doutrina e a jurisprudência pátrias, inclusive o STF), porém certamente constituirá um ilícito civil; ou seja, a decisão judicial/penal que entender pela atipicidade desta conduta não terá o condão de impedir a ação civil, pois o fato poderá vir a ser reconhecido como um ilícito civil e, portanto, indenizável se causou dano. A conduta não se encaixa em um tipo penal, mas se ajusta a um ilícito civil.

O mesmo se diga quando a sentença absolutória fundar-se no art. 386, IV e VI, é dizer, na insuficiência de prova quanto à autoria e para a condenação, respectivamente. Em ambos os casos não houve peremptória negação do fato ou da autoria criminosa, pelo que continua o Juiz cível livre para decidir e condenar. Por fim, o art. 67, I do mesmo código ainda estabelece que a decisão judicial que determinar o arquivamento do inquérito policial ou de qualquer outra peça informativa, não constituirá em impedimento para a propositura da ação civil. Este inciso também soa lógico, pois tal decisum sequer foi proferido em uma ação de conhecimento, sequer houve processo criminal.

Ainda no Código de Processo Penal, encontramos dispositivos relacionados com a mesma matéria, como por exemplo, os arts. 118 a 124, que tratam da restituição de coisa apreendida e arts. 125 a 144 (das medidas assecuratórias); a respeito destes últimos dispositivos, assim comentou Tourinho Filho:

"O CPP prevê, nos arts. 118 a 120, a possibilidade da restituição ao lesado de coisas apreendidas no juízo criminal e até mesmo na fase investigatória que precede a propositura da ação penal. (...)

"Além disso, admitem-se na sede penal várias medidas cautelares no campo da satisfação do dano. Seqüestro, arresto e hipoteca legal são providências precautórias que podem ser tomadas perante o Juiz penal.(...)

"Em caso de condenação, os autos desse procedimento incidental (seqüestro, arresto e hipoteca levados a cabo na Justiça penal) serão encaminhados ao cível, para os fins do art. 63 do CPP". (Ob. cit., p. 11)

Já no Código Penal fundo diversos efeitos secundários à sentença penal condenatória, alguns de natureza penal e outros de natureza civil, entre os quais o de tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime (art. 91, I). Assim, a sentença condenatória, além de aplicar a sanção de natureza penal, funciona como decisão declaratória de "que houve a prática de um ato ilícito e, conseqüentemente, de um ato que violou direito de outrem. É por esse motivo que a condenação torna ‘certa a obrigação de indenizar o dano resultante do crime’". (MARQUES, José Frederico, Tratado de Direito Penal, Vol. III, Campinas: Millennium, 1999, p. 373).

Ainda no Código Penal, merecem remissão três outros dispositivos, quais sejam: o art. 16, que trata do arrependimento posterior, segundo o qual a reparação do dano ou a restituição voluntária da coisa, até o recebimento da peça acusatória reduz obrigatoriamente a pena a ser aplicada pelo Juiz, desde que o crime tenha sido praticado sem violência ou grave ameaça à pessoa; e o art. 65, III, b, que estabelece uma circunstância atenuante para o acusado que, antes do julgamento, repare o dano.

Há, ainda, o disposto nos arts. 43, I, c/c 45, § 1º, a pena restritiva de direito consubstanciada na prestação pecuniária, que, por sua vez, consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes, ou a entidade pública ou privada com destinação social do valor compreendido entre 1 a 360 salários mínimos que serão deduzidos do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários. Luiz Flávio Gomes ressalta que esta "prestação pecuniária possui cunho indenizatório, seja de danos materiais, seja de danos morais". (Penas e Medidas Alternativas à Prisão, São Paulo: RT, 1999, p. 131).

A Lei nº. 9.099/95, que criou os Juizados Especiais Criminais, construiu à categoria de fator extintivo da punibilidade a composição civil dos danos entre o autor do fato e a vítima nos crimes de ação penal de iniciativa privada e nos de ação pública condicionada à representação.

Assim, se o autor do fato, em uma audiência preliminar e antes mesmo de iniciar-se o processo, aceitar reparar o dano causado ao ofendido, será homologado o respectivo acordo que terá eficácia de título a ser executado no Juízo cível competente (art. 74).

Mesmo nos casos de ação penal pública incondicionada, a lei não dispensa a realização dessa audiência preliminar, devendo sempre ser tentada a composição civil dos danos. Neste último caso, apesar de não haver a extinção da punibilidade, o autor do fato no momento oportuno terá direito às diminuições de pena referidas na Parte Geral do Código Penal (arts. 16 e 61, III, b).

Ainda nesta lei, Lei nº. 9.099/95 há outro dispositivo que privilegia a reparação do dano: o art. 89, que disciplina o instituto da suspensão condicional do processo, estabelecendo como uma das condições legais para o benefício a reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo (art. 89, § 1º., I). No seu § 3º. se estabelece a obrigatoriedade da revogação da suspensão caso, no curso do respectivo prazo, o beneficiário não efetue, sem motivo justificado, a reparação do dano.

Comentando esta lei, verdadeira revolução no sistema processual-penal brasileiro, Ada, Magalhães, Scarance e Luiz Flávio ressaltam que a "preocupação com a vítima é postura que se reflete em toda a lei, que se ocupa da transação civil e da reparação dos danos na suspensão condicional do processo".( Ada Pellegrini Grinover e outros, Juizados Epeciais Criminais, 3ª. ed., São Paulo: RT, 1999, p. 35).

Cezar Roberto Bitencourt, no mesmo entendimento, assevera:

"A Lei 9.099, de 1995, finalmente, dá uma importância extraordinária à reparação do dano ‘ex delicto’, que surge como uma obrigação natural decorrente da realização da infração penal, tornando-a prioritária em relação à composição da pena. Enfim, uma lei que se preocupa com o primo pobre da complexa relação processual criminal, voltando ‘seus olhos míopes, ainda que tardiamente, para a desventurada vítima’” (Novas Penas Alternativas, São Paulo: Saraiva, 1999, p. 115).

Evidentemente que tanto a composição civil dos danos (art. 74), quanto a reparação do dano na suspensão condicional do processo (art. 89, III, b) não impedem posterior ação civil ex delicto. Neste caso, o Juiz ao fixar o valor da indenização deverá abater o que teria sido pago nos Juizados Especiais Criminais.

Na Lei nº. 9.503/97, que institui o Código de Trânsito Brasileiro, há a penalidade de multa reparatória que consiste no pagamento, mediante depósito judicial em favor da vítima, ou seus sucessores, de quantia calculada com base no disposto no § 1º. do art. 49 do Código Penal, sempre que houver prejuízo material resultante do crime. Na indenização civil do dano, o valor da multa reparatória será descontado (art. 297 e seu § 3º.).

Depois de observarem que ao longo do tempo, a legislação penal procurou estimular a reparação do dano à vítima, Paulo José da Costa Jr. e Maria Elizabeth Queijo aduzem que a multa reparatória "objetiva a indenização da vítima ou de seus sucessores e não a prevenção do delito e tem natureza civil, embora aplicada pelo Juízo criminal, tanto que se permite o seu desconto no valor da indenização civil do dano (§ 3º. do art. 297)". (Comentários aos crimes do novo Código de Trânsito, São Paulo: Saraiva, 1998, p. 36)

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FILHO, Fernando da Costa Tourinho, Processo Penal, Vol. II, 20ª. ed., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 3.

GOMES, Orlando, Obrigações, 1ª. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1961, p. 377.

MARQUES, José Frederico, Elementos de Direito Processual Penal, Campinas: Bookseller, 1998, p. 289.

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KARAM, Maria Lúcia, in De Crimes, Penas e Fantasias, Rio de Janeiro: LUAM, 1991, p. 128.

ANDRE LUIZ CORREA MOTA
Enviado por ANDRE LUIZ CORREA MOTA em 15/01/2011
Código do texto: T2731534
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