COMO NASCE O DIREITO

CARNELUTTI, Francesco. Como nasce o direito. São Paulo: Russel, 2008.

Segundo o autor, pode-se dizer que o direito nasce de três institutos econômicos: a guerra, a propriedade e o contrato. Entenda-se como atos econômicos, aqueles que são o caminho para o homem satisfazer suas necessidades. A questão é que o homem nunca está satisfeito, quanto mais tem, mais quer ter, pode-se dizer, que daí surgem as guerras. Devemos compreender que o conceito de guerra depende do conceito da propriedade, e como já foi dito, esta também é um fenômeno econômico. Temos como lema da economia: “O homem, para o homem, é o lobo”, ou seja, em vez de deixarmos que cada um tenha o que conseguiu alcançar, nos vemos tentados a arrebatar. A guerra seria então essa invasão de domínio da propriedade alheia, ela antes de se travar entre povos, se trava entre indivíduos. O que pode colocar fim a guerra é o contrato, que tem como princípio a paz, porém o contrato não pode garanti-la, afinal, o que se entende por paz seria na verdade uma trégua, acreditando-se que quando um dos lados se sentir em posição superior ao outro, voltaria a se acender a disputa. Concluímos então que a economia não é suficiente para estabelecer a ordem entre os indivíduos, ou para satisfazer a suas necessidades, bem como as da sociedade. E não poderia, afinal, a economia é o reino do eu, enquanto o reinado do tu é a moral. A moral seria também o reinado do amor, e sendo assim, da liberdade, pois quando se formam através de amor os conflitos de interesses entre os homens, não se precisa mais de força para constrangê-los. “Se aquele que tem dá espontaneamente àquele que não tem, amando-o como a si próprio, e quem recebe se contenta com o que lhe é dado, também ele responde com amor, assim a guerra desaparecerá”. Porém, se quem tem, não dá a quem não tem, antes que se inicie a guerra entre eles é preferível que alguém tire de quem tem e dê a quem não tem. Esse alguém seria a cabeça da sociedade, e o que a cabeça compreende é que tem de eliminar a guerra. Então a cabeça é necessária para que os homens façam por imposição o que não sabem fazer por amor. A imposição por sua vez é o efeito de uma ordem, e a cabeça é aquela que manda, o direito então, se vincula ao mandado. O mandado é apenas uma indicação de uma conduta que tem de ser seguida, porém, essa indicação não seria suficiente se não fosse reforçada por uma ameaça, à qual se nomeia sanção, logo após passa a ser uma ordem. Sendo assim, o direito nasce de uma contradição: serve-se da guerra para acabar com a guerra, ou seja, para evitar que um homem ataque o outro, o direito se antecipa e ataca primeiro. Portanto, o primeiro mandado do direito seria: não façais a guerra uns aos outros, pois do contrário sereis castigados. Assim, a guerra se traduz em um ato ilícito, isto é, torna-se um delito. As duas formas primordiais de delito são o homicídio e o furto, e as duas primeiras prescrições jurídicas são: não matar e não roubar, e as sanções: se matares ou roubares, te acontecerá isso ou aquilo. O castigo do furto implica o reconhecimento da propriedade, porém quando alguém que se apodera de algo que não lhe pertence é castigado, a propriedade deixa de ser um fenômeno puramente econômico e passa a ser jurídico, podendo até se converter em um direito. Propriedade e furto são dois opostos, e como tais, estão vinculados. “Não se pode proibir o furto sem reconhecer a propriedade, e não se pode reconhecer a propriedade sem proibir o furto”. A propriedade é o primeiro dos direitos subjetivos. Mas, a medida que o ordenamento jurídico progride, surgem outros direitos subjetivos, a exemplo, o direito de crédito. O direito de propriedade seria então, o direito sobre a própria coisa, enquanto o direito de crédito seria o direito sobre a coisa alheia. Do mesmo modo como a propriedade passa de fenômeno puramente econômico, para ser também jurídico, o contrato também depende do direito, para que seja de fato um instrumento de paz ou para garantir, no mínimo, que o seja. Quando se diz que a propriedade passa a ser um direito, significa que uma pessoa tem o poder de mandar em suas coisas, ou melhor, uma pessoa tem o poder de permitir ou proibir que outro se utilize de determinada coisa que a pertence. Temos então duas partes, a que dá, e a que recebe. O contrato seria então um acordo entre as partes para garantir um vínculo de direito, e historicamente a forma mais primitiva de fenômeno jurídico. Tanto a transformação da guerra em ato ilícito, quanto a conversão da propriedade e do contrato em institutos de direito dependem de um mandado, e o mandado depende de um chefe que o pronuncie. O mandado se sobressai quando dois homens, em vez de estarem em acordo, estão a ponto de fazer a guerra, então é necessário que sintam que lhes é esperada uma certa conduta, e que lhes ameaça determinada sanção. Sendo assim, o mandado deve estar formado antes que surja o perigo da guerra, e deve estar formulado de maneira hipotética ou geral. Geral, quando diz respeito a todos os cidadãos e hipotética porque se lhes prescreve uma conduta e ameaça-os com uma sanção, para o caso de se manifestar o perigo de uma guerra. A esses mandados gerais e hipotéticos se dá o nome de legislação. É necessário observar que quanto mais a sociedade se desenvolve, e juntamente com ela o direito, mas se multiplicam o número de leis, a questão, é que ao se exagerar na sua produção, elas não preenchem mais a sua função. Concluímos juntamente que “o ordenamento jurídico, cujo maior mérito deveria ser a simplicidade, transformou-se, para nossa desgraça, em um complicado labirinto, no qual, até os que deveriam ser os guias, perdem-se”. Em contrapartida o problema do direito não se esgota com a elaboração de mandados e leis, pois podem não ser obedecidos, trata-se de fazer com que sejam executados, depois de formulados. Então, destaca-se o juízo, ou julgamento, instituto fundamental do direito, que sugere a figura do juiz. Notamos então que sem o juízo, a lei não poderia emergir, nem servir aos fins do direito. Sem o juízo a lei seria um mandado sem cumprir, e quase sempre inativo, viveríamos no caos. O direito então, serve para ordenar a sociedade e livrá-la do caos, e a sociedade juridicamente ordenada é chamada de Estado. A idéia de direito e Estado estão estreitamente relacionadas, não há Estado sem direito, e nem direito sem Estado, o direito não deriva do Estado, mas sim, o Estado do direito. O Estado, como o equilíbrio da sociedade, é um produto, e até o produto do direito. Direito por sua vez, não tem o mesmo conceito de justiça, direito é o meio, justiça é o fim. Os homens tem a necessidade de viver em paz, e a justiça é a condição da paz. Como já foi dito, paz não é o mesmo que trégua, a trégua é efêmera, mas a paz é duradoura. Pode-se concluir então, que o direito é justo quando é utilizado de fato para pôr ordem na sociedade.

Deborah Henrique
Enviado por Deborah Henrique em 04/05/2011
Reeditado em 19/05/2011
Código do texto: T2948864
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