DAS IMPOSSIBILIDADES DA LAICIZAÇÃO DO DIREITO

A religião é uma construção humana e inerente ao ser humano. É o ser humano que questiona a origem, o motivo, o sentido da vida e o que virá após ela. Os outros animais limitam-se a seguir o fluxo natural de seu organismo, eles atuam sempre da mesma forma, seguindo o harmônico fluxo da natureza. Mas o homem é imprevisível, mutável, racional, e sua faculdade da razão o faz questionar.

Os antropólogos informam que manifestações religiosas sempre agiram concomitantemente com a presença do homem em todos os tempos e em qualquer lugar. O homem não se limita ao sapiens, ele se faz também religiosus.

“A essência do sentimento religioso não é afetada por nenhuma espécie de raciocínio ou ateísmo, e não tem nada a ver com crimes ou más ações. Há aqui algo mais e sempre haverá algo mais, algo que os ateus escamotearão sempre, pois sempre estarão falando de algo distinto”. (Fiódor Dostoiévski)

É perceptível certa crise da religião em tempos modernos, parece que freiras despiram seus hábitos, padres substituíram suas batinas por roupas convencionais, monges esqueceram seus escapulários em casa, crentes deixaram seus templos para irem ao shopping, pois parecem não encontram mais a consolação para seus problemas em sua religião.

Muitos daqueles que estão caminhando em busca de templos, e religiões são frutos do desespero, e não tanto de uma verdadeira fé, grande parte desses não buscam um deus, um bem, mas sim estão com medo do mal, da danação eterna. Mas mesmo com toda essa notável decadência do sistema religioso, ainda é perceptível que a humanidade se apega a religiosidade, mesmo não sendo mais através de religiões, mas esse termo que pode ser traduzido por abertura à busca do sentido da vida. E a classe dos hominídeos são incessantes nessa procura.

Segundo Rubem Alves, “Deuses e esperanças religiosas ganharam novos nomes, e novos rótulos, e seus sacerdotes e profetas, novas roupas, novos lugares e novos empregos” , mas é notável que os valores religiosos continuem a seguir os homens em sua caminhada. Quando E. Durkheim afirma a impossibilidade de existir alguma religião falsa, alegando que todas elas respondem de forma distinta a condição dada do homem à existência humana, percebemos que os princípios religiosos, presentes na humanidade, sempre existiram. Não importa as diversidades que existente entre as várias doutrinas religiosas, o importante é visar que a construção desses segmentos religiosos, são tentativas de responder as distintas questões que o homem sozinho não é capaz de solucionar.

Pode até não pertencer mais a religião lugares que sempre lhe foram concedidos altares festivos, mas princípios de religiosidade sempre se fizeram presentes em todos os homens, em todos os lugares. A religião faz parte da construção do homem, do seu tempo e de seu espaço. Mesmo com ateísmo e o ceticismo crescendo na sociedade, os valores religiosos estão enrijecidos na formação do homem atual, sendo impossível desvencilhar por completo deles.

A religião ajuda a formar a construção moral, a qual, o homem depende para estabelecer uma relação harmônica e que possibilite evoluir, pois o homem vive em comunidade e para que isso possa ser efetivo, cria valores e códigos para estruturar seu comportamento.

Na tentativa de alcançar o sucesso da sociedade, o homem necessitou formar seus princípios, valores, e através do estudo de seus costumes, construiu sua Ética, seus valores morais, suas normas e suas leis. A lei do homem foi feita para ele, por ele e não o homem que foi criado para tais leis, e sendo o homem religiosus, características de religiosidade emana em suas construções legais. Levando em conta que as formações religiosas possuem suas doutrinas e seus preceitos, e os homens que seguem essas religiões acreditam nesses preceitos e buscam cumprir.

Quando os mesmos buscam construir suas, leis, seus códigos, para poderem administrar o estado, eles estão cerzidos pelas normas de conduta moral de suas religiões, e as tem como verdadeiras, tornando impossível desvincular a influência religiosa nas construções de leis para seu povo.

Podemos perceber que no caso da Constituição da República Federativa do Brasil, logo em seu preâmbulo, os homens que promulgaram essa, se colocam hierarquicamente abaixo de um Deus, e carecem de sua proteção para poderem representar todo o povo de uma nação, e garantirem assim que os direitos individuais e sociais, a liberdade e segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e justiça como valores supremos de nossa sociedade, e que essa seja fraterna, pluralista e sem preconceitos, com fundamentos harmônicos, e com respostas pacíficas as nossas controvérsias, possam ser efetivos:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. 36

É notório então que quando foi elaborada nossa constituição, sentiu-se a necessidade de visar à importância do símbolo “Deus”, em nossa cultura. E lembrando que a população subordinada a essa constituição necessita de divindades, ou ao menos tem essa figura com grande respeito e importância, não deixando faltar assim esse grande e simbólico ser que auxilia no controle de conduta dos humanos em suas leis.

Citando logo no início da constituição do estado o “Deus” como ser que é capaz de oferecer proteção a toda uma República, torna mais fácil a aceitação da população, destas normas agora escrita por seus semelhantes, e que eles a tenham como verdadeiras, e concordantes com suas necessidades. O que torna impossível a laicização do direito.

Considerando alguns princípios da filosófica hegeliana, podemos observar que ao contrario dos pensadores iluminista, ele não possuía um racionalismo estreito. Hegel considera que os verdadeiros filósofos não estão entre aqueles que condenam a importância religiosa, mas sim aqueles que procuram compreender tudo, até as coisas que de certa forma se apresentam contrárias à própria razão.

Lucas de Arcanjo
Enviado por Lucas de Arcanjo em 21/08/2011
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