APELAÇÃO ARTIGO 19 DA Lei 7.492/86, imcompetencia da justiça federal

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE SANTARÉM/PA.

"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantar os poderes nas mãos dos maus, o homem chega desanimar-se da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto."

RUI BARBOSA

Processo Criminal nº

Autora: Justiça pública

Acusado:

_____________________________, já devidamente qualificado na lide criminal em epigrafe, que lhe move a Justiça Pública, como incurso nas punitivas do art. 19, caput, da Lei nº 7.492/86, por conduto de seu advogado “in fine”, respeitosamente, vem, ante a Excelsa presença de V. Exa., interpor recurso de APELAÇÃO, fulcrada no artigo 593-I, do CPP.

Recebido o ora interposto, requer lhe seja aberta vista dos autos para oferecimento das suas razoes, proseguindo-se nos demais termos da lei.

Termos em que pede deferimento.

Santarém – Para, em 12 de AGOSTO DE 2011.

advogado

oab

EXMO. SR. DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO – TRF1 – BRASILIA/DF.

APELAÇÃO CRIMINAL

Razões do Acusado

Processo Criminal nº

Autora: Justiça pública

Acusado:

Doutor Relator,

COLENDA CAMARA:

“Quando a prova é manifesta, a pena é sempre uma conseqüência e ganha com isso a causa da justiça. Se ao contrário, e mal ordenada, a sentença, em lugar da verdade pode decretar erro, em lugar do culpado condenar o inocente. Pode fazer nascer em todos os espíritos, a desconfiança e neles destruir o respeito a lei em seu princípio, que é a base sagrada da ordem pública”. (Mitter Mayer)

Versa a presente ação penal, sobre a suposta pratica delituosa, praticada em tese pelo apelante, ferindo o que dispõe o artigo 19 da lei 7492/86, tendo sido o apelante condenado ao teor da seguinte fundamentação da r. sentença guerreada, abaixo transcrita:

AÇÃO PENAL DE COMPETÊNCIA DO JUIZ SINGULAR

A U TO R : MINISTERIO PUBLICO

REU :

REU :

ADVOGADO :

ADVOGADO :

O Exmo. Sr. Juiz exarou :

(...) Ante o exposto, julgo PROCEDENTE a pretensão punitiva deduzida na denúncia para condenar (...) nas penas previstas pela prática do crime de tipificado no art. 19, caput, da Lei 7.492/86, nos limites que se seguem. Passo às circunstâncias judiciais. No que se refere à culpabilidade, tenho que a conduta do acusado é marcada por circunstâncias que a tornam especialmente censurável, sobretudo porque, com nítido propósito delituoso, alterou quadro social da empresa (...)., se valendo, de forma sub-reptícia, de irmãos com graves problemas oculares, e sem restrições bancárias, para fins de obtenção do financiamento, além, é claro de oferecer garantia inidônea para tal fim. Possui o acusado maus antecedentes, segundo se colhe da FAC de fl. 212/213, com registros policiais por crimes previstos no art. 334. Os depoimentos prestados, sobretudo da testemunha (...) desabonam sua conduta social, não havendo, no entanto, elementos que possam levar a crer ter a ré personalidade voltada para o crime. Os motivos são de caráter egoístico. Nada digno de nota quanto as consequências do crime. Considerando tais razões, fixo a pena-base em 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses. Ausentes circunstâncias atenuantes e agravantes, bem como causas de aumentos de diminuição de pena, torno-a definitiva em 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão. O regime inicial de cumprimento, caso se dê a execução da pena, será o semi-aberto. Condeno a ré, ainda, pelas mesmas razões antes declinadas e tendo em vista sua situação econômica, ao pagamento da multa correspondente a 180 (cento e oitenta) dias-multa, fixando o valor unitário do dia-multa em 1/10 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, a ser corrigido na fase de execução. Deixo de substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, face à vedação contida no inciso I, do art. 44 do Código Penal Brasileiro. Transitada em julgado, lance-se o nome do réu(...) no rol dos culpados, fazendo-se as anotações, comunicações e registros de estilo. Custas pelo réu. P. R. I.

Em síntese, são esses os motivos da presente apelação.

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AD ARGUMENTANDUM TANCTUM

Em que pese à respeitável decisão prolatada nos autos, data máxima vênia, merece ser reformada, pois da forma como fora proferida, representa grave violação ao direito elementar do apenado, eis que desprovida de elementos probatórios idôneos, de fundamentação adequada, afrontando literalmente a aplacação própria justiça, senão vejamos, ut fit:

O artigo 19, da Lei nº 7.492/86, também conhecida como Lei dos Crimes do Colarinho Branco, cuida do crime de fraude para obtenção de financiamento junto à instituição financeira, nos seguintes termos:

"Art. 19. Obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira:

Pena – Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Parágrafo único. A pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é cometido em detrimento de instituição financeira oficial ou por ela credenciada para o repasse de financiamento."

Trata o tipo penal de crime especial em relação ao crime de estelionato (CP, art. 171), que deve prevalecer em razão do princípio da especialidade.

Ao disciplinar as operações de crédito das instituições financeiras que integram o Sistema Financeiro Nacional, especificamente no item 1.6.1.2, da Circular nº 1.273/87, o Banco Central distinguiu as modalidades das operações de crédito em: financiamento, empréstimo e títulos descontados.

De acordo com o ato normativo mencionado: "Os financiamentos são as operações realizadas com destinação específica, vinculadas à comprovação da aplicação dos recursos. São exemplos os financiamentos de parques industriais, máquinas e equipamentos, bens de consumo durável, rurais e imobiliários".

Os empréstimos, por sua vez: "são as operações realizadas sem destinação específica ou vínculo à comprovação da aplicação dos recursos. São exemplos os empréstimos para capital de giro, os empréstimos pessoais e os adiantamentos a depositantes". Títulos Descontados "são as operações de desconto de títulos".

Verifica que o Banco Central, ao dispor sobre os exemplos de financiamentos, corretamente excluiu do seu conceito o mútuo realizado para a aquisição de qualquer bem ou serviço.

Com efeito, os bens de consumo duráveis são aqueles destinados ao desempenho da atividade econômica, como os maquinários que integram uma fábrica.

Já os bens rurais são aqueles necessários para o desenvolvimento da atividade agrícola, como tratores e insumos em geral.

Em relação aos bens imobiliários, devem ser compreendidos como aqueles necessários para o desenvolvimento de uma atividade econômica, por exemplo a aquisição de terrenos para a posterior instalação de indústria, o que revela seu caráter empreendedor.

Por outro lado, também são espécie de bens sujeitos à concessão de financiamento aqueles obtidos junto à Caixa Econômica Federal, por meio do Sistema Financeiro da Habitação, em mútuos concedidos para fins de atendimento ao direito fundamental à moradia (artigo 6º da Constituição Federal), cuja aquisição é fomentada pelo Estado e que se sujeita a uma análise de crédito que segue regras rigorosas para a disponibilidade financeira.

Nas hipóteses acima, os danos gerados pela fraude atingem a credibilidade do Sistema Financeiro Nacional em relação ao universo dos financiamentos concedidos de forma legítima, no mínimo desestimulando outros cidadãos a aderirem ao produto.

Nesse sentido é a lição de Fabio Ulhoa Coelho, que define e diferencia o financiamento "como sendo aquele mútuo bancário em que o mutuário assume a obrigação de conferir ao dinheiro emprestado uma determinada finalidade, como, por exemplo, investir no desenvolvimento de uma atividade econômica ou adquirir a casa própria".

Por outro lado, os bens duráveis destinados ao mero consumo, tais como a aquisição de veículos, motos, microcomputadores etc., ainda que se denominem "financiamentos", na verdade são espécies de contratos de mútuos/empréstimos estritamente privados sem a presença do caráter empreendedor ou da atividade estatal de fomento, concedidos muita das vezes em terminais eletrônicos ou via internet, sem a observância de rigorosas cautelas.

Na verdade, a aquisição do bem é mera espécie de "commoditie" utilizada pelas instituições financeiras na intenção real de oferecer crédito a juros no mercado, sendo que o prejuízo decorrente da fraude atinge apenas o patrimônio privado delas, típico bem jurídico penal individual que merece ser tutelado pelos tipos penais do gênero "Crimes Contra o Patrimônio", incompatível, portanto, com a tutela penal do Sistema Financeiro Nacional exercida pelo artigo 19.

Nesse sentido é a lição de ANTÔNIO CARLOS RODRIGUES DA SILVA na análise do artigo 19, da lei nº 7.492/86, abaixo transcrita:

"Realmente, não pretendeu o legislador incluir no objeto material todos os empréstimos feitos pelas instituições financeiras, mas especificamente aqueles com destinação específica por serem operações de crédito vinculadas às diretrizes do Estado. Financiamento de natureza privada, feitos sem recursos do Estado ou recursos por ele administrados, mesmo obtidos mediante fraude do mutuário, não se subsumirão ao tipo em questão, podendo caracterizar ilícito civil ou penal definido em outro tipo."

Conclui, assim, que o tipo penal do artigo 19, da Lei nº 7.492/86 só estará configurado com a obtenção fraudulenta junto à instituição financeira de financiamento, compreendido este como o contrato de mútuo com destinação específica e vinculação dos recursos, desde que realizado com finalidade empreendedora ou de fomento.

Conclui, ainda, que a obtenção fraudulenta de outras operações de crédito, diversas do financiamento, configura o crime de estelionato, da competência da Justiça Estadual.

A melhor Jurisprudência também caminha no mesmo sentido, conforme ilustram os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça: CC 37.187/RS, Rel. Ministro Paulo Medina, 3ª Seção, julgado em 08/11/2006, DJ 07/05/2007 p. 275 e CC 18959/SP, Rel. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, 3ª Seção, julgado em 09/04/1997, DJ 25/08/1997 p. 39294.

Confira, ainda, as seguintes ementas dos julgados dos Tribunais Regionais Ferais: ACR Nº 2004.04.01.012589-3/PR, TRF 4ª Região Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, decisão de 14/11/2005 [12]; e ACR Nº 2007.51.01.802486-9/RJ, TRF 2ª Região – 1ª Turma -Rel. Des. Federal Abel Gomes, decisão de 23/07/2008.

Ainda temos:

STF/STJ - Julgados de Abril - 2007

02 - Conflito negativo de competência. Fraude para obtenção de empréstimo bancário. Art. 19 da Lei 7492/86. Inaplicabilidade. Competência da Justiça Estadual.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 37.187/RS

REL. MIN. PAULO MEDINA

RELATÓRIO - O EXMO. SR. MINISTRO PAULO MEDINA (Relator): Trata-se de conflito negativo de competência suscitado pelo Juízo de Direito da 2ª Vara de Cachoeirinha - RS, em face do Juízo Federal da 2ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado do Rio Grande do Sul. Consta dos autos que foi instaurado pela Polícia Federal inquérito policial para apurar suposto crime de obtenção, mediante fraude, de financiamento em instituição financeira, previsto no artigo 19 da Lei 7.492/86, a Lei de Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional, com autoria de ADEMAR SCHLICHTING. Oferecida denúncia pelo Ministério Público Federal, o Juízo Federal declinou de sua competência, alegando que não trata a hipótese de obtenção de financiamento, conduta prevista no delito em que foi enquadrado o autor e que exige uma finalidade específica para a aplicação dos recursos obtidos, mas sim que os fatos narrados enquadram-se como a obtenção de empréstimo, tipo de mútuo para o qual não é exigida finalidade específica. Sustentou, ainda, que a vítima é Sociedade de Economia Mista, tipo de entidade que não atrai o interesse da Justiça Federal. Transcrevo abaixo parte da decisão onde o Juízo Federal declinou de sua competência: "A denúncia descreve e qualifica os fatos praticados pelo indiciado como Crime contra o Sistema Financeiro Nacional, enquadrando-os no artigo 19, da Lei n° 7.492/86. Entretanto, é outra a classificação a ser dada aos fatos narrados, sendo relevante neste momento considerá-la tão-somente porque diz com a própria competência para processo e julgamento do feito, pois, de outra forma, aplicar-se-ia tranqüilamente a disciplina do artigo 383, do Código de Processo Penal. Com efeito, o tipo descrito no artigo 19, da Lei n° 7.492/86, consubstancia-se em "obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira". Na inicial, o Ministério Público Federal indica que "visando a beneficiar-se de financiamento sem por ele restar responsabilizado, o denunciado procedeu à abertura da conta-corrente n° 12.401-X, nela implantando um limite de crédito (cheque especial - cheque-ouro) no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), sob a titularidade de Adélio Jacinto, que é pessoa inexistente. Desta forma, criou a oportunidade de, através da transferência de numerário correspondente ao crédito desde a conta fantasma até a sua própria conta, gozar de recursos (financiamento – crédito rotativo) que não lhe haviam sido conferidos". Embora haja entendimento de que o crédito rotativo ou abertura de crédito subjacente ao cheque especial equivale à figura do financiamento, esta não parece ser a melhor exegese. Se, por um lado, há posições como a do eminente Procurador da República Rodolfo Tigre Maia (Dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional . Malheiros, 1996, p. 124), a considerar que "cuida-se da percepção de numerário, eis que financiamento nada mais é do que contrato de mútuo, oneroso ou gratuito , em que o mutuante é induzido em erro através da conduta fraudulenta do mutuário" (sem grifo no original), há doutrinadores, como Orlando Gomes e Maria Helena Diniz, que distinguem as figuras do empréstimo e do financiamento. Para o primeiro, financiamento é o tipo de contrato em que "adianta o banco ao cliente recurso necessário a certo empreendimento ", enquanto o empréstimo obtido mediante abertura de crédito em conta-corrente "é o contrato por via do qual se obriga um banco a colocar à disposição do cliente determinada soma para ser utilizada, mediante saque único ou repetido" e o mútuo "é contrato pelo qual uma das partes empresta a outra coisa fungível, tendo a outra a obrigação de restituir igual quantidade de bens do mesmo gênero e quantidade" (Contratos . Forense, 1996, pp. 327/328 e 334, sem grifos no original). Não havendo definições legais das espécies de que se trata, a integração da norma dá-se com as noções trazidas pelos civilistas, as quais são também as adotadas pelos comercialistas. Esclarecedora é a orientação adotada pelo Banco Central do Brasil, que distingue os empréstimos - enquanto "operações realizadas SEM destinação específica de recursos e não sujeitas à comprovação das aplicações", entre as quais coloca os empréstimos em conta-corrente e os contratos de mútuo - dos financiamentos - enquanto "operações realizadas COM destinação específica de recursos e sujeitas à comprovação da aplicação, geralmente relacionadas com investimentos em capital fixo e suprimento de capital de movimento", de que são exemplos "os financiamentos para aquisição de máquinas e equipamentos, edificações e bens de consumo duráveis". Embora as operações de crédito tenham-se tornado complexas, de forma que as noções tradicionais trazidas pelos contratos típicos não têm dado conta de todas elas, ainda assim se mantêm preservadas as distinções que se podem fazer entre os empréstimos genericamente considerados e os financiamentos, figuras que não se confundem e cujas peculiaridades resumem-se, na prática, àquelas apontadas pelo setor técnico do BACEN. (omissis) Neste ponto, interessa observar-se que, a fim de que subsista a competência da Justiça Federal para julgamento do estelionato, é mister que a instituição em detrimento da qual foi praticado o crime seja um dos entes arrolados no inciso IV, do artigo 109, da Constituição Federal. Ora, se a instituição financeira lesada foi o Banco do Brasil S/A, sociedade de economia mista que não se encontra ali arrolada, não há razões para manter-se o feito nesta Justiça Federal." (fls. 71/76) O Ministério Público Federal recorreu de tal decisão, por meio de Recurso em Sentido Estrito para o Tribunal Regional Federal da 4ª Região. O recurso foi provido, e a competência da Justiça Federal estabelecida, por meio de acórdão assim ementado: "CRIME - FRAUDE CONTRA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - FINANCIAMENTO – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. Pratica fraude quem, induzindo instituição financeira em erro, consegue abrir uma conta especial em nome de pessoa fictícia para dali extrair valores em benefício próprio, incorrendo, assim, nas sanções do art. 19 da Lei nº 7492/86 competência da Justiça Federal (art. 109, VI, CF e art. 26, Lei nº 7492/86). Já é tempo de acabar com o vezo de sempre procurar interpretações que limitam e, na prática, afastam a competência da Justiça Federal, que é constitucional." (fl. 106) Após o julgamento supra, recebeu o Juízo Federal a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal, com regular processamento e julgamento da espécie. Oferecidas alegações finais pelo Ministério Público Federal, este suscitou preliminarmente a competência da Justiça Estadual para julgar e processar a ação, ou pela improcedência da denúncia, e conseqüente absolvição do réu. Vejo como oportuno transcrever o seguinte trecho das alegações finais: "Contrariamente à tese expendida pela Procuradoria Regional da República da 4.ª Região, em parecer favorável ao provimento do recurso interposto pelo Ministério Público Federal, na sentença atacada não se deu, como agora não se está a dar, prevalência ao sentido literal da expressão em detrimento de seu sentido teleológico. Tanto que basta concatenar a norma insculpida no art. 19 da Lei n.º 7492/86 com aquela que emana do art. 20 do mesmo diploma legal para que mais se sedimente a convicção de que os financiamentos obtidos junto a instituições financeiras, ao revés do que ocorre com os contratos de empréstimos bancário, são objeto de tutela jurídica própria. Como bem advertiu a juíza que proferiu juízo de admissibilidade negativo acerca da acusação formulada em face do réu, aos financiamentos o Sistema Financeiro Nacional destina verbas que têm em si uma dificuldade maior de captação e que, pela sua escassez, costumam ser prioritariamente aplicadas em programas governamentais dirigidos com vistas a fomentar o desenvolvimento de determinada atividade econômica produtiva ou a equacionar a questão habitacional. De ambas as normas, dessume-se o escopo de proteger o interesse público prevalente na destinação de recursos financeiros originários do erário governamental para a implantação da política econômica pública. Dessa sorte, não se tratando o fato descrito na exordial acusatória de operação bancária da espécie financiamento, verifica-se ausente a circunstância elementar do tipo sem a qual não se pode cogitar de crime contra o sistema financeiro. Insta observar que, nada obstante a conduta imputada ao réu não haja se subsumido à moldura jurídica do tipo penal até então aventado, nem de longe se pode afirmar que o réu tenha se comportado em conformidade com o que prescreve o ordenamento jurídico em vigor, vez que remanescem, in casu, elementos suficientes a caracterizar a figura do estelionato, crime de natureza residual no qual a conduta humana delituosa deve ser enquadrada quando expungida a incidência normativa da disciplina especial. Como a vítima da ação criminosa é entidade que não se encontra entre aquelas arroladas no art. 109, Inciso IV, da Constituição Federal Brasileira, verifica-se, à evidência, não ser competente a Justiça Federal para processar e julgar o fato - e não sua qualificação jurídica - narrado na denúncia (obtenção de vantagem indevida resultante da abertura e movimentação de "conta-fantasma", contemplada com crédito rotativo), razão por que o Ministério Público Federal pugna pela remessa dos autos ao Juízo Estadual de Cachoeirinha/RS, em cujos limites jurisdicionais consumou-se a infração penal de que se está a tratar. Em prevalecendo entendimento diverso, o Ministério Público Federal se vê compelido a propugnar pela absolvição do acusado, isso porque a relação jurídica de direito material, tal como descrita na denúncia, não se verificou. Deveras, não há dizer tenha o réu, com a sua ação, praticado infração penal em detrimento do sistema financeiro nacional." (fls. 226/227) Acatando as razões do Ministério Público Federal, o Juízo proferiu nova decisão em que declinou a competência para o julgamento da ação para a Justiça Estadual (fls. 231/236), reiterando os termos da prévia decisão de incompetência de fls. 71/76. Enviados os autos ao Juízo Estadual, este declinou de sua competência, e suscitou o presente conflito, acatando as razões proferidas pelo Ministério Público Estadual, de que já existe coisa julgada relativa à competência da Justiça Federal, em razão do julgamento proferido pelo TRF da 4ª Região de fls. 102/104. O Ministério Público Federal, em seu parecer de fls. 263/268, opina pelo conhecimento do conflito para que seja declarada a competência do Juízo Estadual, em razão do réu não ter praticado a conduta tipificada no artigo 19 da Lei 7.492/86 e nem qualquer outro crime em detrimento de bens, serviços ou interesses da União Federal ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas. É o relatório.

VOTO - O EXMO. SR. MINISTRO PAULO MEDINA (Relator): Compulsando os autos verifico que os fatos descritos na denúncia não encontram correspondência na moldura legal do artigo 19 da Lei 7.492/86, que transcrevo abaixo: "Art. 19. Obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira: Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. A pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é cometido em detrimento de instituição financeira oficial ou por ela credenciada para o repasse de financiamento." Não encaixa-se como "financiamento " o uso do valor concedido a título de crédito rotativo de conta corrente criada mediante fraude. Em nenhum momento existiu a concessão de numerário com finalidade definida, como exige a definição de financiamento do Banco Central do Brasil. A circunstância da ocorrência de fraude na abertura de conta corrente não tem o condão de transformar a natureza da transação realizada, convertendo-a em legítimo "financiamento", como se disso se tratasse desde o início. Pode-se dizer que os valores obtidos mediante fraude representam vantagem financeira, mas não financiamento. Mesmo que não exista dúvida de que foi obtida vantagem ilícita, a conduta descrita na denúncia não se enquadra no tipo do art. 19 da Lei 7.492/86, ainda mais quando leva-se em consideração o disposto no art. 20 da mesma lei, que ora colaciono: "Art. 20. Aplicar, em finalidade diversa da prevista em lei ou contrato, recursos provenientes de financiamento concedido por instituição financeira oficial ou por instituição credenciada para repassá-lo: Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa." Uma coisa é admitir, porque inegável, a natureza financeira da operação de abertura de conta corrente. Outra coisa é afirmar que a mesma consiste em financiamento, para os efeitos do que dispõe a norma penal. Logo, se fraude ocorreu foi para viabilizar a obtenção de vantagem a outro título que não o de "financiamento". Apresenta-se equivocado também o entendimento contido no acórdão proferido pelo Tribunal Federal da 4ª Região, segundo o qual "Se assim é, então não vejo como deixar de reconhecer que a instituição financeira que libera créditos em favor de conta especial até determinado limite a descoberto está, na verdade e para todos os efeitos, concedendo "financiamento" ao tomador. Pouco importa qual seja o nome técnico ou burocrático da operação no meio financeiro (mútuo, empréstimo, abertura de crédito, cheque especial, financiamento), a destinação do numerário (crédito pessoal, capitalização da empresa, suprimento de capital) ou as condições do negócio (saque total, saques parcelados, saques variados), pois, insisto, conceder financiamento nada mais é do que dar dinheiro a crédito." (fl. 103) Pelo exposto, não há que se falar em crime contra o Sistema Financeiro Nacional ou em delito praticado em detrimento de bens, serviços ou interesses da União Federal ou de suas autarquias ou empresas públicas, que atrairiam a competência federal. Confira-se: "PROCESSUAL PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. INQUÉRITO POLICIAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. INOCORRÊNCIA. - A competência da Justiça Federal para o processo e julgamento dos crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira circunscreve-se aos casos previstos na Lei nº 7492/86, não podendo ser ampliada para abranger crimes que, embora afetem a economia ou o sistema financeiro, não estão nela previstos. - Conflito Conhecido. Competência da Justiça Estadual." (CC 36.200/PR, Rel. Min. VICENTE LEAL, TERCEIRA SEÇÃO, DJ de 28.10.2002) "PROCESSUAL PENAL. COMPETENCIA. CRIME CONTRA A ORDEM ECONOMICA E O SISTEMA FINANCEIRO (ART. 109, VI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). A COMPETENCIA DA JUSTIÇA FEDERAL, PREVISTA NO ART. 109, VI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, PRESSUPÕE EXPRESSA DETERMINAÇÃO LEGAL ("NOS CASOS DETERMINADOS EM LEI"). E A LEI 7.492/86, ART. 26, RESTRINGE ESTA COMPETENCIA AOS CRIMES NELA PREVISTOS ("NOS CRIMES PREVISTOS NESTA LEI"). HIPOTESE EM QUE, REJEITADA A DENUNCIA PELO JUIZ FEDERAL EM RELAÇÃO AO CRIME DO ART. 19 DA LEI 7.492/86, COMPETE AO JUIZ ESTADUAL PROSSEGUIR NO PROCESSO EM RELAÇÃO A EVENTUAIS CRIMES DE SUA COMPETENCIA. CONFLITO DE COMPETENCIA CONHECIDO PARA DECLARAR COMPETENTE A JUSTIÇA ESTADUAL." (CC 7.154/SP, Rel. Min. ASSIS TOLEDO, TERCEIRA SEÇÃO, DJ DE 09.10.1995) Portanto, compete à Justiça Estadual processar e julgar a ação penal, em razão da conduta descrita na denúncia não atrair a competência da Justiça Federal, seja em razão do ato realizado ou de sua vítima. Posto isso, CONHEÇO do conflito e DECLARO COMPETENTE o Juízo de Direito da 2ª Vara de Cachoeirinha - RS. É como voto.

EMENTA - PENAL E PROCESSO PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. FRAUDE PARA A OBTENÇÃO DE EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. ART. 19, LEI 7.492/86. INAPLICABILIDADE. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL. A obtenção de empréstimo, mediante abertura fraudulenta de conta corrente, não é o mesmo que "obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira" (art. 19, Lei 7.492/86). Não há que se admitir que a obtenção de empréstimo, operação financeira que não exige destinação específica, seja tida como equivalente a operação de financiamento, para a qual se exige fim certo, para os efeitos do que dispõe a norma penal. Se os fatos não encontram previsão na Lei 7.492/86, não há que se falar em crime contra o Sistema Financeiro Nacional. Afastada a competência da Justiça Federal se não versa a hipótese sobre interesse federal ratione materiae , ou se não há delito praticado em detrimento de bens, serviços ou interesses da União Federal ou de suas autarquias ou empresas públicas. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 2ª Vara de Cachoeirinha - RS.

ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do conflito e declarar competente o Suscitante, Juízo de Direito da 2ª Vara de Cachoeirinha - RS, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Maria Thereza de Assis Moura, Nilson Naves, Felix Fischer, Paulo Gallotti e Laurita Vaz. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido. Brasília (DF), 08 de novembro de 2006 (Data do Julgamento).

Ainda:

"PENAL. COMPETÊNCIA. PERPETUATIO JURISDICIONIS. RÉUS DENUNCIADOS COMO INCURSOS NO ART. 19 DA LEI Nº 7.492/86. ALCANCE DO TERMO ‘FINANCIAMENTO’. DESCLASSIFICAÇÃO PARA ESTELIONATO. AUSÊNCIA DO ELEMENTO ‘FRAUDE’. ABSOLVIÇÃO.

Segundo a doutrina comercialista, ‘financiamento’ é mútuo com finalidade vinculada, não estando abrangido em seu campo conceitual o contrato de ‘mútuo simples’, assim entendido aquele desprovido de qualquer finalidade empreendedora. Dessarte, a obtenção, mediante fraude, de ‘empréstimo’ em instituição financeira, sem que o mutuário se obrigue a dar ao dinheiro finalidade específica (desenvolvimento de atividade econômica, aquisição de casa própria etc.), caracteriza, em tese, o crime de estelionato, e não aquele previsto no art. 19 da Lei que define os Crimes contra o SFN.

A desclassificação (emendatio libelli) operada quanto aos delitos que atrairam, inicialmente, a competência da Justiça Federal não terá o condão de modificá-la, tendo em vista o que dispõe o art. 81 do CPP, que assegura a perpetuatio jurisdicionis.

Inexistindo provas substanciais no sentido de que os acusados tenham agido fraudulentamente na concessão/obtenção de empréstimo junto à instituição bancária, impõe-se a manutenção do decreto absolutório." (grifos inseridos)

1. "PENAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. DISTINÇÃO FINANCIAMENTO E EMPRÉSTIMO. DESCLASSIFICAÇÃO. ESTELIONATO. BANCO DO BRASIL. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.I - Falsificação de documentos para abertura de contas bancárias junto à sociedade de economia mista e obtenção de disponibilidade financeira na modalidade "crédito direto ao consumidor".II - Financiamento não é sinônimo de empréstimo; empréstimo é gênero do qual financiamento é espécie; este cercado de formalismo e dirigido a subsidiar determinadas atividades empreendedoras possuindo destinação vinculada enquanto no empréstimo a destinação é livre e a garantia é acessória. Resultado dessa distinção; empréstimos em geral e financiamentos de natureza privada, feitos sem recursos do Estado ou recursos por ele administrados, mesmo obtidos mediante fraude do mutuário, não se subsumirão ao tipo do art. 19 da lei n.º 7492/86, mas sim ao art. 171 do CP, pois não afligem o sistema financeiro na sua unidade.III - No contrato de crédito direto ao consumidor há crédito rotativo feito diretamente em conta corrente ao qual o correntista tem acesso até mesmo através de contratação por meio eletrônico. A simples indicação do bem ou serviço que se pretende adquirir ou contratar, não retrata destinação que possa configurar financiamento propriamente. Contrato assemelhado a empréstimo destinado à compra de bens e serviços sem qualquer caráter empreendedor, intenção de facilitar aquisição de bens de consumo IV - Acolhida preliminar para desclassificar a conduta para o crime de estelionato e reconhecer a incompetência da Justiça Federal para apreciar a matéria. Anulado o feito ab initio e determinada a remessa dos autos à Justiça estadual." (grifos inseridos)

STJ – 6ª Turma – HC 31530/SC, Rel. Ministro Paulo Medina, julgado em 15/09/2005, DJ 03/10/2005 p. 334.

STJ – 3ª Seção - CC 18959/SP, Rel. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, julgado em 09/04/1997, DJ 25/08/1997 p. 39294.

TRF4 – 8ª Turma - RSE 2003.04.01.01334-7/PR – Rel. Des. Luiz Fernando Wowk Penteado, 17/09/03.

STJ – 3ª Seção - CC 65074/MG, Rel. Min. Carlos Fernando Mathias (Juiz Federal Convocado), julgado em 24/10/2007, DJ 14/11/2007 p. 421.

CASUÍSTICA

Passa a se analisar o tratamento conferido pela Jurisprudência aos diversos tipos de contratos bancários que não possuem a natureza jurídica de financiamento.

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre a fraude em contrato de "leasing" bancário, no sentido de que configura crime de estelionato, e não o crime previsto no artigo 19, da Lei nº 7.492/86, pois o "leasing" ou arrendamento mercantil substitui o financiamento e com ele não se confunde [14].

A falsificação de duplicatas para garantir a concessão de empréstimo também configura estelionato de competência da Justiça Estadual, pois não se trata de financiamento.

A concessão de empréstimo sem finalidade vinculada, mediante restrições (novação de dívida e forma de depósito), obtida por meio fraudulento, não configura o crime do artigo 19, mas sim estelionato da competência da Justiça Estadual.

Por fim, a abertura fraudulenta de conta corrente com a concessão de empréstimo pessoal na modalidade "cheque especial" configura estelionato de competência da Justiça Estadual, pois a obtenção fraudulenta do crédito desvinculado de finalidade não se trata de financiamento.

Em todas as espécies de mútuos acima mencionados não há a destinação vinculada dos recursos e nem a finalidade empreendedora ou de fomento, o que afasta a configuração do crime do artigo 19, da Lei nº 7.492/86.

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Como se vê, douto magistrado, a COMPETENCIA PARA JUGAR O PRESENTE FEITO E DA JUSTIÇA COMUM, E SENDO ASSIM, A SENTENÇA PROLATADA, NÃO PRODUZ EFEITO ALGUM, DEVENDO SER ANULADA EM SUA TOTALIDADE, EM FACE DA INCOMPETENCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA APRECIAR O PRESENTE FEITO.

EPÍLOGO:

Ante o exposto, é irrefutável que, r.decisum monocrático carece de fundamentação fática e jurídica. Estando, pois, desprovido desses requisitos, a conclusão inarredável que se chega é de que deve ser reformada.

O veredictum cabe a vós, rogamos que possa haver uma coadunação de entendimentos, para que a justiça possa prevalecer e assim, as injustiças sociais possam ser minimizadas, lembrando que, o “jus libertatis” só queda ao “jus puniendis” quando ficar devidamente comprovado a culpabilidade do cidadão.

No caso em comento, temos a necessidade de refazer a decisão aqui guerreada, pois temos uma decisão injusta, desprovida de fundamentação adequada, e cometida de grande injustiça, o que nos leva a esta Augusta Corte, com o fito de garantirmos a mais lidima e cristalina justiça, ainda que tardia.

IV - DO PEDIDO:

Ante o exposto, requer-se:,

a) Seja a presente recebida e julgada procedente, in totun, ao teor da fundamentação retro, sendo recebida em seu efeito suspensivo e devolutivo.

b) Seja, por absoluta INCOMPETENCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA APRECIAR O FEITO, absolvido in totun o apelante da imputação que lhe fora feita, reformando-se totalmente a decisão recorrida.

“A justiça é uma necessidade de todos e de cada instante e assim como deve merecer respeito, deve inspirar confiança”. (Mirabeau)

Termos em que pede deferimento.

local e data

assinatura do advogado