O policial pode gravar conversas em ocorrências policiais?

A gravação de conversa realizada entre as pessoas presentes (na rua, em salas, na Delegacia, no quartel, etc.) chama-se gravação ambiental.

De forma bastante rápida, sem aprofundar responderemos a duas perguntas.

1 – O policial pode gravar uma conversa em qualquer meio digital (celular, gravador, câmara, etc) em uma ocorrência policial para se defender? E para acusar?

1.1 Para se defender - Resposta: SIM!

A jurisprudência e a doutrina são pacíficas que quando for para comprovar a inocência do acusado ou quando um dos interlocutores acusar o outro, a gravação é válida.

Logo, não é ILÍCITA a gravação ambiental realizada entre o policial militar e demais pessoas envolvidas em uma ocorrência.

Outrossim, a gravação de conversa entre dois interlocutores, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defesa. (AI 503617 AgR / PR - Relator: Min. CARLOS VELLOSO - Julgamento: 01/02/2005)

E ainda, autorizada por um dos interlocutores, vítima de concussão, sem o conhecimento dos demais. Ilicitude da prova excluída por caracterizar-se o exercício de legítima defesa de quem a produziu. (RE 212081 / RO - Relator: Min. OCTAVIO GALLOTTI - Julgamento: 05/12/1997)’

1.2 Para acusar - Resposta: há diversas controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais.

- Se for para acusar o próprio réu, que confessa a autoria do crime aos policiais no momento da prisão, sem saber da gravação clandestina, a prova é ilícita, haja vista que este possui o direito ao silêncio desde o momento da prisão (nemo tenetur se detegere).

- Se for para acusar os comparsas (coautores), a Suprema Corte tem admitido a licitude, a validade da gravação, uma vez que o direito ao silêncio, à não autoincriminação não alcança a terceiros.

2 – O policial pode utilizar as gravações em processos administrativos?

- Resposta: SIM!E se a prova foi toda produzida na Justiça? Também é permitido, o que se chama de prova emprestada.

A prova emprestada é aquela produzida em um processo e trasladada para outro processo. Assim, constitui prova emprestada, p. ex., a juntada aos autos do procedimento administrativo disciplinar, de provas produzidas no processo criminal referente ao mesmo fato em apuração administrativa.

3 - Considerações Finais

Diante do exposto, recomendamos que o policial esteja sempre precavido, e em condições de efetuar uma gravação ambiental, mesmo sem avisar a outra parte, haja vista que o policial que cumpre a risca a lei, acaba por desagradar os "fora da lei".

Caso avise a outra parte que irá gravar,e esta não autorize, não há problemas, pois sequer precisa avisar.Logo, pode gravar, mesmo contra a vontade do outro interlocutor, e caso necessite,poderá usar para se defender, e conforme o entendimento(do juiz) até mesmo para acusar.(Inquérito 657/DF-STF)

A gravação pode ser feita e é permitida, sendo considerada lícita, válida pela Suprema Corte, logo é importante para o policial gravar ocorrências em que o "clima" esteja começando a exasperar, ou que já saiba que "aquela ocorrência" não será tão simples.

Em ocorrências que há relação de afeto, pode ocorrer da parte que denunciou, após a guarnição policial registrar a ocorrência e tomar todas as providências, como deve fazer; a mesma parte que denunciou e clamava por socorro voltar-se contra a guarnição, após "acalmar os ânimos." Nessas horas, entendemos que uma prova gravada é importante.

Mencionamos o nome "policial", mas o raciocínio se aplica a "qualquer um do povo."

A seguir algumas ementas a respeito do assunto discutido:

EMENTA: PROVA EMPRESTADA. Penal. Interceptação telefônica. Documentos. Autorização judicial e produção para fim de investigação criminal. Suspeita de delitos cometidos por autoridades e agentes públicos. Dados obtidos em inquérito policial. Uso em procedimento administrativo disciplinar, contra outros servidores, cujos eventuais ilícitos administrativos teriam despontado à colheita dessa prova. Admissibilidade. Resposta afirmativa a questão de ordem. Inteligência do art. 5º, inc. XII, da CF, e do art. 1º da Lei federal nº 9.296/96. Precedentes. Voto vencido. Dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, bem como documentos colhidos na mesma investigação, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos, ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita dessas provas".(Pet. 3683/MG, Min. Cézar Peluso, j. 13.08.2008)

EMENTA: CONSTITUCIONAL. PENAL. GRAVAÇÃO DE CONVERSA FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES: LICITUDE. PREQUESTIONAMENTO. Súmula 282-STF. PROVA: REEXAME EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO: IMPOSSIBILIDADE. Súmula 279-STF. I. - A gravação de conversa entre dois interlocutores, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defesa. II. - Existência, nos autos, de provas outras não obtidas mediante gravação de conversa ou quebra de sigilo bancário. III. - A questão relativa às provas ilícitas por derivação ¾ "the fruits of the poisonous tree" ¾ não foi objeto de debate e decisão, assim não prequestionada. Incidência da Súmula 282-STF. IV. - A apreciação do RE, no caso, não prescindiria do reexame do conjunto fático-probatório, o que não é possível em recurso extraordinário. Súmula 279-STF. V. - Agravo não provido. (AI 503617 AgR / PR - Relator: Min. CARLOS VELLOSO - Julgamento: 01/02/2005) (grifos nossos)

EMENTA: Captação, por meio de fita magnética, de conversa entre presentes, ou seja, a chamada gravação ambiental, autorizada por um dos interlocutores, vítima de concussão, sem o conhecimento dos demais. Ilicitude da prova excluída por caracterizar-se o exercício de legítima defesa de quem a produziu. Precedentes do Supremo Tribunal HC 74.678, DJ de 15-8- 97 e HC 75.261, sessão de 24-6-97, ambos da Primeira Turma. (RE 212081 / RO - Relator: Min. OCTAVIO GALLOTTI - Julgamento: 05/12/1997) (grifos nossos)

O Tribunal, por maioria, reconheceu a existência de repercussão geral no tema objeto de recurso extraordinário interposto contra acórdão de Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Comarca do Estado do Rio de Janeiro, reafirmou a jurisprudência da Corte acerca da admissibilidade do uso, como meio de prova, de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, e deu provimento ao apelo extremo da Defensoria Pública, para anular o processo desde o indeferimento da prova admissível e ora admitida. Vencido o Min. Marco Aurélio que desprovia o recurso, ao fundamento de que essa gravação, que seria camuflada, não se coadunaria com os ares constitucionais, considerada a prova e também a boa-fé que deveria haver nas relações humanas. Alguns precedentes citados: RE 402717/RP (DJE de 13.2.2009); AI 578858 AgR/RS (DJE de 28.8.2009); AP 447/RS (DJE de 28.5.2009); AI 503617 AgR/PR (DJU de 4.3.2005); HC 75338/RJ (DJU de 25.9.98); Inq 657/DF (DJU de 19.11.93); RE 212081/RO (DJU de 27.3.98). RE 583937 QO/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 19.11.2009. (RE-583937)

“CONSTITUCIONAL. PENAL. GRAVAÇÃO DE CONVERSA FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES: LICITUDE. PREQUESTIONAMENTO. Súmula 282-STF. PROVA: REEXAME EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO: IMPOSSIBILIDADE. Súmula 279-STF. I. - A gravação de conversa entre dois interlocutores, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defesa. II. - Existência, nos autos, de provas outras não obtidas mediante gravação de conversa ou quebra de sigilo bancário. III. - A questão relativa às provas ilícitas por derivação - "the fruits of the poisonous tree" - não foi objeto de debate e decisão, assim não prequestionada. Incidência da Súmula 282-STF. IV. - A apreciação do RE, no caso, não prescindiria do reexame do conjunto fático-probatório, o que não é possível em recurso extraordinário. Súmula 279-STF. V. - Agravo não provido.” Processo STF AI 503617 AgR / PR - PARANÁ. DJ 04/03/2005. Relator Ministro Carlos Velloso.

REPERCUSSÃO GERAL POR QUEST. ORD. EM RE 583.937-RJ

RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO

EMENTA: AÇÃO PENAL. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Recurso extraordinário provido. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro.

I - PROVA OBTIDA POR MEIOS ILICITOS: INVOCAÇÃO DO ARTIGO 5., LVI DA CONSTITUIÇÃO: IMPROCEDENCIA: PRECEDENTES INAPLICAVEIS. 1. A ESPÉCIE - GRAVAÇÃO DE CONVERSA PESSOAL ENTRE INDICIADOS PRESOS E AUTORIDADES POLICIAIS, QUE OS PRIMEIROS DESCONHECERIAM - NÃO SE PODERIA OPOR O PRINCÍPIO DO SIGILO DAS COMUNICAÇÕES TELEFONICAS - BASE DOS PRECEDENTES RECORDADOS - MAS, EM TESE, O DIREITO AO SILENCIO (CF, ARTIGO 5., LXIII), COROLARIO DO PRINCÍPIO "NEMO TENETUR SE DETEGERE", O QUAL ENTRETANTO, NÃO APROVEITA A TERCEIROS, OBJETO DA DELAÇÃO DE CO-REUS; ACRESCE QUE, NO CASO, A LUZ DA PROVA, A SENTENÇA CONCLUIU QUE OS INDICIADOS ESTAVAM CIENTES DA GRAVAÇÃO E AFASTOU A HIPÓTESE DE COAÇÃO PSICOLOGICA. II - PRISÃO PARA APELAR DE RÉU CONDENADO POR TRAFICO DE ENTORPECENTES: LEI 6.368/76, ARTIGO 35, E LEI 8.072/90, ARTIGO 2., PAR.2., INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO: EXIGÊNCIA DE NECESSIDADE CAUTELAR SATISFEITA NA ESPÉCIE. A PRISÃO PARA APELAR SÓ SE LEGITIMA QUANDO SE EVIDENCIA A SUA NECESSIDADE CAUTELAR, NÃO CABENDO INFERI-LA EXCLUSIVAMENTE DA GRAVIDADE EM ABSTRATO DO DELITO IMPUTADO; E POSSIVEL, CONTUDO, EXTRAIR DO CONTEXTO DO FATO CONCRETO - QUE REVELA A EXISTÊNCIA DE COMPLEXA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA DE DIMENSÕES INTERNACIONAIS - BASE EMPIRICA PARA A AFIRMAÇÃO DO RISCO DE FUGA DOS CONDENADOS, FUNDAMENTO IDONEO PARA A CAUTELA DA PRISÃO PROVISORIA IMPOSTA. (STF HC 69818 SP , Relator: SEPÚLVEDA PERTENCE, Data de Julgamento: 02/11/1992, Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 27-11-1992 PP-22302 EMENT VOL-01686-02 PP-00201::)