O crime de "reserva" ou crime "curinga" do Código Penal Militar

O art. 324 do Código Penal Militar trata do crime de inobservância de lei, regulamento ou instrução, assim disposto:

Art. 324. Deixar, no exercício de função, de observar lei, regulamento ou instrução, dando causa direta à prática de ato prejudicial à administração militar:

Pena - se o fato foi praticado por tolerância, detenção até seis meses; se por negligência, suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função, de três meses a um ano.

Trata-se de uma norma penal em branco (primariamente remetida), ou seja, é necessário haver uma complementação (lei, regulamento ou instrução) para que se possa configurar o crime em tela. A lei, regulamento ou instrução descumprida deve ser mencionada no indiciamento, na denúncia e na condenação, assim como deve ser comprovado o prejuízo à Administração Militar, mas qual seria este prejuízo: moral, econômico-financeiro? Qual deve ser a natureza do prejuízo?

As normas penais em branco podem ser homogêneas ou heterogêneas.Esta verifica-se quando o conteúdo da complementação é oriundo de fonte diversa daquela que a editou, p. ex., regulamentos e instruções expedidas pelo Poder Executivo, pela Administração Militar.

Já as homogêneas são complementações da mesma fonte.

A nosso ver, o art. 324 é de perplexa constitucionalidade, uma vez que fere o princípio da legalidade, insculpido no art. 1º do CPM (Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal).

Verifica-se que se a norma penal em branco pode ser regulamento ou instrução, o Poder Executivo ou a própria Administração Militar poderiam por vias indiretas “criar” crimes, o que não se pode admitir, eis que estes somente podem ser criados por leis.

Nota-se a dimensão e a amplitude do art. 324 do CPM, de tal forma que vislumbramos a sua inconstitucionalidade, pois funciona como um verdadeiro “crime de reserva”. Como assim? Se o responsável pela apuração não conseguir responsabilizar o militar por nenhum outro crime, a solução que resta é aplicar o art. 324 do CPM, ou seja, este crime fica na “reserva”, aguardando o desfecho, se não der em nada, o “reserva” pode entrar em jogo, a depender do adversário.

Funciona verdadeiramente como um crime “curinga”, eis que é utilizado em substituição a qualquer crime, ou até mesmo quando não há crime.

Direito Penal não é brinquedo!