A ACAREAÇÃO!

FATO VERÍDICO TRANSCORRIDO COMIGO HÁ ANOS:

A ACAREAÇÃO!

Por volta de 1969, um oficial do serviço secreto do batalhão de Manhuaçu começou a assediar Baracho, autor do presente “livro de contos diversos” perguntando-lhe o que significava 1085, isso por vários dias e seguidas vezes, sempre lhe respondendo que nem imaginava o que significava tal número, de vez em quando, respondia que sabia o que era 1195 que era seu número do exército, porém, o oficial dizia que queria saber o que era "1085".

Como já sofrera perseguição parecida em Diamantina, ocasião em que não quisera dar o nome de um companheiro ao queimar a camisa de um seu ex-colega de escola pediu a um seu irmão, igualmente oficial, para averiguar o que estava ocorrendo e, no final da semana seguinte, ele contou a Baracho que o tenente estava apurando o furto de um fuzil de número 1085 que fora surrupiado em Carmésia e vendido em Joanésia, por um cabo ou soldado, para um dentista e apreendido por um sargento do batalhão de Ipatinga, informando a data da venda feita ao dentista e o valor que era de quarenta cruzeiros e um pequeno botijão de gás.

Baracho sempre foi cuidadoso na guarda de papéis e documentos chegando ao extremo de, às vezes, guardar até contas pagas de luz e água por anos sucessivos. Olhando os seus papéis descobriu que, na época da venda ilegal do fuzil, estava na cidade de Coronel Murta (Itaporé), região que fica a uns três dias de ônibus de Joanésia ou Carmésia, quando da transação da arma referida. Acreditava, na época, que "quem não deve não teme", ficando mais tranqüilo.

Poucos dias depois, recebeu ordem de se apresentar-se ao capitão Aristenes no Serviço de Inteligência e Material Bélico (SIMB) da PM, na capital do estado, para lá seguiu apresentando-se ao aludido oficial no início de um expediente da tarde.

Foi colocado numa cadeira com ordem de ficar calado por horas à fio enquanto o expediente transcorria, em dado momento, pela janela, viu um seu amigo, subtenente Senra, num andar mais acima, pediu ao capitão para ir cumprimentá-lo, no que foi atendido com a ordem de retornar quinze minutos depois.

Chegou à seção do seu amigo e, tão logo iniciaram conversação, Baracho ouviu uma voz conhecida vindo da porta que ultrapassara:

"Dá licença seu "Sub" vim pegar o meu certificado de reservista", virando-se, Baracho reconheceu na pessoa que chegava o seu amigo Antonino Ferraz de Almeida, com o qual trabalhara, tempos atrás, em Carmésia.

Feito os cumprimentos e após abraçá-lo, Baracho contou a ele e ao subtenente o fato de estar sendo acusado de vender fuzil para um dentista, tendo Antonino dito:

“Eu vendi foi uma espingarda com cano de fuzil!”.

Ao que, Baracho lhe disse: "isto não importa! a arma que me envolve tem até número e é completamente eficaz".

Passado uns momentos, Antonino pediu licença para sair após dizer a Baracho que estava aposentado por "estar lunático" conforme fora informado pelos médicos, disse, também, que vendia lotes para o Jardim Bela Vista com escritório na Av. Afonso Pena.

Em seguida, Baracho retornou ao SIMB com o capitão Aristenes encerrando o expediente e mandando Baracho entrar em seu carro ladeado por dois musculosos sargentos. O capitão deu várias voltas pelo centro da capital retornando ao SIMB quando lá não havia mais ninguém, entrou com Baracho e os dois sargentos e foi logo perguntando:

Ficou conhecendo a capital? Ao que Baracho o esclareceu que a conhecia por demais de outras vezes e até já ter ali morado por anos. Meio sem graça com a gafe, o capitão foi direto ao assunto dizendo:

Pode confessar a venda do fuzil por que já esta tudo apurado e sua expulsão já esta praticamente consumada e na mesa do chefe do estado maior(o temível, na época, coronel Paiva Alvino), só está faltando as suas declarações com confissão.

Baracho apresentou documentos provando que não estava no local nem na cidade no dia da venda da arma, mas, tudo foi debalde, por que, por um erro da administração, constava a presença de Baracho em Carmésia na data da transação.

Desesperado e... Inocente! Baracho teve a "iluminação" de pedir para ver face a face o dentista que o acusara de tê-lo vendido a arma, ocasião em que o capitão acabou por aceitar alegando que a sua esposa queria conhecer Ipatinga e seria uma boa oportunidade para levá-la junto na missão da "acareação", palavra esta até então desconhecida de Baracho.

Na manhã seguinte, foram, o capitão, a esposa e Baracho de automóvel para Joanésia, via Ipatinga, parando por uns momentos em Ipatinga, o capitão retornou com dois cabos de compleição física e aparências idênticas ao do nosso amigo.

Chegando à entrada de Joanésia, o capitão desceu do veículo determinando que a esposa e os policiais, principalmente Baracho, o aguardassem dentro do carro enquanto ia a delegacia, após uma esquina próxima, onde levaria o dentista e, só então, mandaria um soldado chamá-los. Durante o intervalo de espera, a esposa do capitão ficou olhando Baracho por uns minutos ao ponto de deixá-lo nervoso, em seguida disse:

Vocês três vão até ao bar aqui ao lado do carro e lavem os seus cabelos que estão todos amarelados pela poeira da viagem, sem entendê-la muito bem, obedeceram e retornaram a seguir, mesmo sabendo que estavam desobedecendo ao marido dela.

Já de volta ao veículo, ela informou que conhecia o inquérito presidido pelo marido e, a única diferença dos três com o vendedor da arma, era o cabelo por que o vendedor da arma tinha os cabelos vermelhos.

Momentos depois, foram chamados por um soldado, chegaram a uma sala da delegacia e foram colocados lado a lado em frente a um desconhecido, pelo menos para Baracho.

Após uns minutos, num silêncio sepulcral de frente para o dentista "Neuber", nome que ficara sabendo naquele momento, Baracho começou a sentir tremores e empalidecer-se, isto em razão do dentista só ficar olhando-o seguidamente, aos outros olhavam apenas de relance. Segundos depois o dentista perguntou: "algum deles pintou o cabelo?”.

O capitão informou-lhe: um deles já confessou a venda do fuzil para você, contudo, respondendo a sua pergunta "policiais militares não pintam jamais os cabelos".

Então não é nenhum deles! Asseverou o dentista.

A acareação terminou e Baracho ficou aliviado por não ter sido reconhecido, perguntando ao dentista qual a razão dele tê-lo observado por muito mais tempo, ele respondeu: "na época eu bebia demais e me pareceu já tê-lo visto antes".

Na viatura de retorno a Ipatinga, o capitão alegou que ia terminar o inquérito apontando Baracho como autor da venda por que o dentista não o reconhecera por receio de represálias.

Mais uma vez a esposa dele salvou Baracho, Deus a proteja e a tenha onde merece, dizendo ao marido:

"Não tem um açougueiro em Ipatinga que declarou conhecer bem o Baracho, além de ser sabedor de detalhes da transação da arma sem acusá-lo, limitando-se a declarar não saber o nome do vendedor? Por que não ficamos lá um dia e ele seja intimado para ver se confirma ou modifica o seu depoimento anterior."

O capitão aceitou, todavia, deixou Baracho preso no quartel até o dia seguinte, quando recebeu ordens de ir até a delegacia, perto daquela unidade, apresentar-se e cumprimentar a todos como se não conhecesse ninguém e, assim foi feito, muito embora, tão logo chegou identificou o açougueiro pela roupa suja de sangue animal, achando que já o tinha visto antes. Minutos depois, o capitão perguntou: e daí? Se dirigindo ao açougueiro, com ele respondendo:

"Este que chega é o meu amigo Baracho, natural de Diamantina, com o qual joguei muita sinuca quando morava em Carmésia, o que vendeu o fuzil para o dentista é do Serro."

Com essa informação, Baracho sentiu um alívio, pois, ficara sabendo quem era o autor do crime, quando iniciou dizendo que já sabia, o capitão mandou-o calar levando-o para outra sala com duas testemunhas e o inquiriu sobre a autoria, ocasião que Baracho lhe relatou o contato que tivera, na véspera, com o soldado aposentado Antonino, junto ao subtenente que visitara com a permissão do capitão, inclusive lhe relatado o seu endereço de trabalho e a sua observação de que "vendera uma espingarda com cano de fuzil", somando-se a tudo isso, o fato de que Antonino ser do Serro e tinha o apelido de "Pena".

De retorno aos demais, o capitão, dirigiu-se ao açougueiro e lhe perguntou: o soldado que vendeu o fuzil tinha um apelido? O açougueiro respondeu que sim, todavia, não se recordava do mesmo.

O oficial disse que ia iniciar o apelido para ver se ele o completava e falou: "Pe..." com o açougueiro terminando "na", isto mesmo, é o soldado "Pena" do Serro o vendedor do fuzil e não o Baracho.

Alívio total!

Baracho retornou a Manhuaçu com um ofício o isentando de todo o envolvimento na transação da arma, fato que teria conseqüências terríveis para ele, principalmente naquela época de "Governo Militar". O seu envolvimento foi, tão somente, por que algum policial da chamada "policia secreta" fora a Carmésia, ficara sabendo o nome Antonino e o embaralhou com o do nosso amigo que tem Antônio no nome.

Depois, ficou sabendo que o fuzil era de um fazendeiro e que o soldado Antonino confessara a autoria, ao cometer, naqueles dias, um assassinato na capital, limitando-se a informar que deixara Baracho passar as aperturas porque, sendo inocente, seria mais fácil se livrar da acusação, não sabendo ele, ou não acreditando, que, numa capital com milhares de habitantes, o encontro entre Baracho e Antonino, nas circunstâncias que transcorreu só pode ter sido influenciado por um "anjo".

(aa.) S.A.BARACHO.

conanbaracho@uol.com.br

Sebastião Antônio Baracho Baracho
Enviado por Sebastião Antônio Baracho Baracho em 24/01/2007
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