FICHA LIMPA EM SEUS LIMITES

Com base no adágio popular que diz: "tudo de mais é veneno", posso dizer que a "moralização” que setores do judiciário brasileiro tem exigido no campo político eleitoral passa a ser prejudical ao consolidado Estado Democrático de Direito do nosso País e de certo deverá encontrar um certo limite dentro dos próprios princípios que norteiam a nossa festejada Carta Magna. Mesmo considerando salutar todas as medidas e a nova legislação, bem como a sua interpretação no que se refere a coibir e punir os gestores corruptos e malversadores do erário público, confesso que fico preocupado com o rumo que se toma em nome desta onda de varredura, talvez até ao extremo de se comparar a um processo de autoritarismo judicial. Ora, não menos importante do que o princípio da moralidade é o princípio da dignidade humana e a este se acostam, o do amplo direito de defesa, do devido processo legal, do contraditório, presunção de inocência entre outros que agente escuta reiteradas vezes na academia e que nos parecem dar segurança e garantia ao Estado Democrático de Direito.
Pois bem, lendo um artigo de um Juiz de Direito do Maranhão em que defendia de que o as contas do Prefeito Julgadas pela Tribunal de Contas (ou dos municípios), não deveriam passar pelo crivo do legislativo, como determina a CF e que o gestor estaria de imediato inelegível, me estimulei a escrever
este pequeno texto sobre o assunto. Confesso que escrevo  em causa própria. Fui gestor do meu município e tive as contas reprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado. No ano de 2007 as contas foram reprovadas com uma imputação de débito de R360.000,00. No recurso de reconsideração as contas foram aprovadas integralmente e o débito imputado reduzido a zero. Pois, bem... Não é, portanto, o TCE infalível.
Querer defender de que o TCE e não a Câmara de vereadores tem o condão de julgar o Prefeito simplesmente pelo entendimento de que este é órgão mais capaz de tal julgamento, é no mínimo ignorar a nossa Constituição Federal.
É entendimento majoritário em nossa Corte maior de Jusitiça, que a distinção entre as contas de governo e as contas de gestão se dá em função da pessoa e não em razão da essência do regime das contas em si. Nesse sentido, podem ser colacionadas as ilustres palavras do Ministro Marcelo Ribeiro (e outras) destacadas no artigo de Fabiana Augusta Araújo Pereira(http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10697):
“De fato, o art. 71 da Constituição Federal distingue as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiro, bens e valores públicos, definindo que, na primeira hipótese, caberá ao Tribunal de Contas da União apenas a apreciação, ou seja, o juízo consultivo, e na segunda circunstância, lhe competirá o julgamento. Pela leitura do dispositivo constitucional invocado, observa-se que a mencionada distinção levou em conta a qualidade da pessoa que presta as contas. Em outras palavras, as contas prestadas pelo Presidente da República serão sempre julgadas pelo Congresso Nacional, com parecer prévio do TCU, e aquelas apresentadas por pessoa diversa, que exerça a função de administrador, ou que seja responsável por dinheiro bens e valores públicos, serão julgadas pelo TCU.”
(TSE. Recurso Especial Eleitoral nº 29535, Acórdão de 22/09/2008, Relator (a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 22/9/2008).
No mesmo sentido, o Ministro Marco Aurélio promove igual distinção entre as contas do Chefe do Poder Executivo e dos demais responsáveis por recursos públicos, consoante é possível vislumbrar no RE 132.747:
“Nota-se, mediante leitura dos incisos I e II do artigo 71 em comento, a existência de tratamento diferenciado, consideradas as contas do Chefe do Poder Executivo da União e dos administradores em geral. Dá-se, sob tal ângulo, nítida dualidade de competência, ante a atuação do Tribunal de Contas. Este aprecia as contas prestadas pelo Presidente da República e, em relação a elas, limita-se a exarar parecer, não chegando, portanto, a emitir julgamento”.
(STF. RE 132747, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 17/06/1992, DJ 07-12-1995 PP-42610 EMENT VOL-01812-02 PP-00272).
Além disso, argui-se que o artigo 71 da Constituição Federal apenas seria aplicado à organização dos Tribunais de Contas Estaduais e Municipais no que coubesse, consoante determinação do artigo 75 da Carta. Assim, o constituinte teria expressado sua vontade de que o prefeito ordenador de despesa seria julgado pela Câmara através do artigo 31, o qual determina que a fiscalização do Município seria exercida pelo Poder Legislativo, auxiliado pelo Tribunal de Contas, o qual emitiria parecer prévio.
Destarte, por expressa determinação constitucional, seria impossível aplicar o artigo 71 à realidade dos Municípios, devendo ser aplicado o artigo 31. Nesse sentido, podem ser trazidas as palavras do Ministro Marcelo Ribeiro, proferidas Recurso Especial Eleitoral nº 29.535:
“Verifica-se que o artigo 75 da Constituição Federal permite aplicação no que couber, da norma estabelecida no art. 71 à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas Estaduais e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas do Município.
No entanto, há regra constitucional expressa, definindo a atribuição dos Tribunais e Contas Municipais e Estaduais. O art. 31 da CF/88 dispõe que a fiscalização do Município será exercida, mediante controle externo, pelo Poder Legislativo Municipal, com auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou dos Municípios, que exercerão apenas função consultiva, apresentando parecer prévio.”
(TSE. Recurso Especial Eleitoral nº 29535, Acórdão de 22/09/2008, Relator (a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 22/9/2008).

Damísio Mangueira
Enviado por Damísio Mangueira em 31/03/2012
Reeditado em 13/04/2012
Código do texto: T3586176
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