LIBERDADE PROVISÓRIA E A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA.

Diz o artigo 312 do Código de Processo Penal, com a redação que lhe deu a Lei 12.403/11, que a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

Não há falar em constrangimento ilegal quando persiste pelo menos um dos fundamentos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal de acordo com as peculiaridades do caso concreto (do TJSC - Habeas Corpus n. 2011.074595-7, de Urussanga, deste Relator e desta Câmara, j. 27-10-2011).

A respeito do tema, transcreve-se excerto das lições de Julio Fabbrini Mirabete:

[...] Nos termos legais, a prisão preventiva só pode ser decretada quando houver prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria.

[...] Fundamenta em primeiro lugar a decretação da prisão preventiva a garantia da ordem pública, evitando-se com a medida que o delinquente pratique novos crimes contra a vítima ou qualquer outra pessoa, quer porque seja acentuadamente propenso à prática delituosa, quer porque, em liberdade,encontrará os mesmos estímulos relacionados com a infração cometida (Código de Processo Penal Comentado. 9ª. ed., São Paulo: Atlas, 2002, p. 799/803).

Para corroborar a assertiva, mostra-se oportuno o escólio de Fernando Capez:

a) Garantia da ordem pública: a prisão cautelar é decretada com a finalidade de impedir que o agente, solto, continue a delinqüir, ou de acautelar o meio social, garantindo a credibilidade da justiça, em crimes que provoquem grande clamor popular. (Curso de Processo Penal. 13ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 265).

Definindo o conceito de ordem pública, continua o mencionado doutrinador:

[...] o conceito de ordem pública não se limita a prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas também a acautelar o meio social e a própria credibilidade da justiça em face da gravidade do crime e de sua repercussão. A conveniência da medida deve ser regulada pela sensibilidade do juiz à reação do meio ambiente à prática delituosa. (Código de Processo Penal interpretado. 11ª. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 803). (Grifo não original).

A atual redação do art. 313 do Código de Processo Penal, após o advento da Lei n. 12.403/11, somente autoriza a segregação quando, satisfeitos os fundamentos do art. 312, se tratar de crime doloso punido com pena privativa de liberdade superior a 4 (quatro) anos ou o delito envolver violência doméstica e familiar, nesse caso para assegurar o cumprimento de medidas protetivas de urgência, sem olvidar as hipóteses nas quais os agentes forem reincidentes em crime doloso ou subsistirem dúvidas quanto à sua identidade.

A propósito, leciona Renato Brasileiro de Lima:

Percebe-se que o critério fixado pelo legislador no art. 313, inc. I, do CPP, leva em consideração a pena máxima prevista para o crime doloso, que deve ser superior a 4 (quatro) anos. Tendo em conta que, pelo menos em regra, o cabimento da prisão preventiva será determinado a partir do quantum de pena máxima cominada ao delito, há de se dispensar especial atenção às hipóteses de concurso de crimes, qualificadoras, causas de aumento e de diminuição de pena, agravantes e atenuantes. [...]

Em se tratando de causas de aumento e de diminuição de pena, deve ser atentar para o fato de que, nos termos do art. 313, inc. I, do CPP, o cabimento da prisão preventiva é aferido com base no máximo da pena cominada ao delito. Logo, em se tratando de causas de aumento de pena, leva-se em consideração o quantum que mais aumente a pena; quando se tratar de causa de diminuição de pena, utiliza-se o quantum que menos diminua.

Raciocínio distinto será aplicável nas hipóteses de agravantes e atenuantes. Estas não são levadas em consideração quando da análise do cabimento da prisão preventiva. Isso porque não há critério legal predeterminado de majoração ou diminuição da pena em virtude de sua incidência. (Manual de processo penal, v. I, Niterói, RJ: Impetus, 2011, p. 1340/1341)

No mesmo sentido, destaca a Juíza de Direito Ana Paula Monte Figueiredo Pena Barros:

Como antes, não cabe prisão preventiva em caso de contravenções penais e crimes culposos. Todavia, atualmente, para a admissibilidade da prisão preventiva, não é relevante a qualidade da pena (reclusão ou detenção), mas sim a quantidade da pena máxima abstrata cominada, somente havendo que se falar em preventiva quando tal quantum for superior a quatro anos. Para isto, consideram-se as qualificadoras, as causas de aumento e de diminuição da pena, seja da parte geral seja da parte especial, elevando-se a pena máxima da maior fração e reduzindo-a da menor, sempre em busca da pena máxima, descartando-se as agravantes e as atenuantes genéricas, as quais somente repercutem na pena em concreto. (Inovações Trazidas pela Lei n. 12.403/2011. Disponível em:

http://www.emerj.rj.gov.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/ paginas/series/4/medidas_cautelares_52.Pdf. Acesso em 14/5/2012).

O art. 321 do CPP, que trata da liberdade provisória, autoriza o magistrado a imposição de medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP, observando-se os critérios de necessidade e adequação, previstos no art. 282 do CPP, que assim dispõe:

"Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:

I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais;

II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.

§ 1o As medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente.

§ 2o As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.

§ 3o Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo.

§ 4o No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único).

§ 5o O juiz poderá revogar a medida cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

§ 6o A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319)".

Assim, em vistas a evitar reiteração criminosa, bem como resguardar a instrução criminal e a garantia da ordem pública, a liberdade provisória deverá ser concedida com a imposição de uma ou mais medidas cautelares estabelecidas pelo art. 319 do CPP, que estabelece o seguinte:

"Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:

I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;

II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;

III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;

IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;

V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;

VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;

VII – internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;

VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;

IX - monitoração eletrônica" (grifou-se).

Em análise ao dispositivo acima citado, tem-se que a imposição das medidas cautelares dos incisos I, II e III poderão ser eficazes como possibilidade de substituição à prisão preventiva.

A garantia da ordem pública, em breves palavras, estará configurada quando e se for possível concluir-se, diante dos elementos colacionados aos autos, tratar-se de indivíduo com inclinação para práticas em seu passado e registradas em ações penais ou investigações policiais, decorrente da particularidade da conduta quando da prática criminosa, reveladora do caráter perverso e de sua periculosidade, enfim, quando se puder observar e afirmar que a manutenção em liberdade colocará em risco a tranqüilidade no meio social (MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão provisória: medida de exceção no direito criminal brasileiro. Curitiba: Juruá, 2008, p. 110).

Demonstrado nos autos com base em fatos concretos que a prisão provisória é necessária para a garantia da ordem pública, não há falar em substituição pelas medidas cautelares permitidas em razão da Nova Lei de Prisões (12.403/2011) (Habeas Corpus n. 2011.074872-6, de Blumenau, deste Relator, j. 6-10-2011).

Cabe destacar, ainda, que a prisão preventiva não possui o cunho de antecipar os eventuais efeitos condenatórios da sentença, mas, sim, de afastar o agente do convívio social, uma vez que presentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal.

Além disso, "o princípio da presunção de inocência não é óbice ao recolhimento provisório, eis que a própria Constituição o coonesta em seu art. 5º, LXI, ao permitir a possibilidade de prisão em flagrante ou por ordem fundamentada e escrita da autoridade competente" (RT 701/316).