. Execução das obrigações de fazer e não fazer

1.2 Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer

Antes das alterações legislativas operadas, em caso de inadimplemento de uma obrigação de fazer ou não fazer, ao credor restava apenas propor ação ordinária de preceito cominatório, nos termos do artigo 287 do CPC, objetivando a condenação do devedor ao cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer inadimplida, mediante a imposição de multa a ser imposta em sentença, ou seja, depois de longo processo de conhecimento, a qual seria executada mediante instauração de novo processo, na forma dos arts. 632 a 645 do CPC.

O mesmo procedimento deveria ser observado caso o credor detivesse título executivo extrajudicial.

A consequência era que a obrigação de fazer ou não fazer tornava-se, quase sempre imprestável ao credor, restando como única alternativa a conversão da obrigação em indenização por perdas e danos.

Como essa solução, muitas vezes, era injusta, insatisfatória e não interessava ao credor, ou seja, o devedor acabava sendo beneficiado em detrimento do credor, desenvolveram-se mecanismos de coerção indireta, objetivando compelir o devedor a cumprir a obrigação in natura, bem assim providências autorizando o órgão judicial executar, satisfazendo a vontade do credor, independentemente da vontade do devedor.

Objetivando imprimir efetividade e satisfatividade a essas modalidades de tutela, criou-se uma nova sistemática processual, a que denominados de tutela específica das obrigações de fazer ou não fazer.

O cumprimento forçado, isto é, em juízo, das obrigações de fazer e não fazer foram substancialmente alteradas pela Lei 8952/97 que implantou o art. 461 ao CPC e pela Lei 1044/02, que alterou a redação do referido artigo, implantando-lhe, ainda, diversos parágrafos.

Assim preconiza o art.461 do CPC:

"Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

§ 1º. A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

§ 2º. A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (artigo 287). § 3º. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

§ 4º. O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.

§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.

§ 6º O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva."

Regras importantes foram estabelecidas no dispositivo em questão.

A primeira delas refere-se à eliminação do arbítrio judicial nas conversões das obrigações em perdas e danos, impondo ao juiz, de forma imperativa, o dever de conceder a tutela específica da obrigação ou determinar providências concretas que assegurem o resultado prático equivalente ao adimplemento da obrigação (caput).

Embora o caput do dispositivo transcrito coloque tutela específica e obetenção do resultado prático equivalente como duas categorias distintas, ambas enquadram-se na noção doutrinária de tutela específica4 e isso porque a prestação terá o mesmo efeito concreto que seria alcançado pela prestação originária5.

4 WAMBIER, Luiz Rodrigues e TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 385.

5 AMIGO, Bianca Neves. A natureza jurídica do resultado prático equivalente. Revista de Processo, v. 152, p. 368, out. 2007.

6 THEODORO JR, Humberto. Processo de Execução e Cumprimento de Sentença. São Paulo: LEUD, 2009. p. 553.

Do contrário, a tutela será substitutiva quando houver a conversão em perdas e danos, já que nessa hipótese, a conversão não gerará os mesmos efeitos práticos esperados do adimplemento espontâneo, correspondendo justamente ao descumprimento da prestação que não foi e não será cumprida6.

1.3 Tutela substitutiva das obrigações de fazer e não fazer

Como dito, o juiz não poderá converter em perdas e danos ao seu livre arbítrio. tutela substitutiva, consistente na conversão da obrigação pelo equivalente econômico somente será aplicada nas hipóteses previstas no §1º do art. 461 do CPC:

a) se for pleiteada pelo credor;

b) diante da impossibilidade do cumprimento da tutela específica, seja pelo cumprimento in natura ou pela obtenção do resultado equivalente.

Note-se que o legislador concedeu ao credor a faculdade de optar, conforme sua conveniência, entre a tutela específica e a tutela substitutiva, restando ao devedor requerer a conversão apenas no caso de impossibilidade fática ou jurídica no cumprimento da obrigação.

E aqui, controverte-se a questão no que diz respeito ao poder absoluto de o credor optar pela tutela substitutiva diante da possibilidade de ter a tutela específica, diante do princípio da menor onerosidade para o devedor (CPC, art. 620).

Alguns defendem que a escolha do credor é relativa, incumbindo ao juiz impor a tutela especifica, quando possível e sempre que for menos gravosa ao devedor.7

7 ALVIM, J.E. Carreira. Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer e entregar coisa. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 78-79.

8 TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer. São Paulo: RT, 2003. P. 331-332.

De outro vértice, àqueles que defendem que o credor detém poder absoluto quanto a escolha da tutela, defendem que, uma vez configurado o inadimplemento, é direito do credor optar pela execução da tutela específica ou substitutiva, sendo livre para optar pela tutela indenizatória após a violação do direito patrimonial8.

1.4 Medidas acessórias ou de apoio

Dentre as providências cabíveis para efetivação da tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, que o juiz poderá adotar medidas acessórias ou de apoio, tais como: imposição de multa por tempo de descumprimento, busca e apreensão, remoção de bens e pessoas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, requisição de força policial, conforme consignado exemplificativamente nos §4º e 5º do art. 461 do CPC.

Tais providências serão determinadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento da parte e tem por escopo compelir o devedor a cumprir a obrigação ou facilitar o cumprimento pelos órgãos executivos mediante sub-rogação.

1.4.1 Multa diária

A astreinte, que é a multa cominada para o caso de descumprimento do comando judicial é criação do direito francês e tem por escopo forçar o devedor a adimplir a obrigação, portanto, trata-se de medida coercitiva.

Em razão da sua natureza coercitiva e não reparatória, a multa é devida independentemente da indenização por perdas e danos (CPC, art. 461, §4º).

A multa poderá ser fixada tanto na decisão interlocutória de antecipação de tutela, desde que o fundamento da demanda seja relevante, haja justificado receio de ineficácia do provimento final, sendo certo que tal determinação liminar poderá ser revogada ou modificada mediante decisão fundamentada (CPC, art. 461, 3º).

Não há critério objetivo para fixação da multa pelo magistrado, que deverá estar atento ao princípio da razoabilidade, levando em conta a referência contida no §4º do art. 461 do CPC: a multa dever ser suficiente e compatível com a obrigação.

Deve o juiz fixá-la com base em critérios subjetivos, considerando, inclusive a capacidade econômica do devedor9.

9 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 212.

O valor e a periodicidade da multa poderão ser alterados pelo juiz conforme se torne excessiva ou insuficiente e sempre em decisão fundamentada.

A execução da multa será processada pelo rito do art. 475-J do CPC. Tratando-se de multa fixada em decisão de antecipação de tutela a execução dela será provisória.

2. Execução das obrigações de entrega de coisa

2.1 Noções de obrigação de entrega de coisa

São modalidades de obrigações positivas, cuja prestação consiste na entrega ao credor de um bem corpóreo, seja para transferir-lhe a propriedade, seja para conceder-lhe a posse, seja para restituí-la.10

10 GOMES, Orlando. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 37.

Em qualquer das modalidades, diante do inadimplemento, será cabível a tutela judicial da execução para entrega de coisa prevista no art. 461-A do CPC.

2.2 Tutela específica e substitutiva da execução para entrega de coisa

O procedimento da tutela específica das obrigações de dar coisa certa ou incerta está prevista artigo 461-A do Código de Processo Civil, inserido pela Lei Federal nº 10.444 de 07 de maio de 2002, in verbis:

"Art. 461-A. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação.

§ 1º Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e quantidade, o credor a individualizará na petição inicial, se lhe couber a escolha; cabendo ao devedor escolher, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz.

§ 2º Não cumprida a obrigação no prazo estabelecido, expedir-se-á em favor do credor mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse, conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel.

§ 3º Aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto nos §§ 1º a 6º do art. 461”.

Assim como o procedimento da tutela específica das obrigações de fazer ou não fazer, o art. 461-A do CPC trouxe efetividade à tutela jurisdicional das obrigações de dar, garantindo, sempre que possível e desejável, a execução específica, reservando a conversão da prestação em perdas e danos somente às hipóteses de requerimento pelo credor ou diante da impossibilidade da tutela específica correspondente.

Além de autorizar expressamente a aplicação de todos os instrumentos processuais previstos no art. 461 do CPC relativo às obrigações de fazer e não fazer (art. 461-A, § 3º, do CPC), o artigo 461-A permite ao juiz, em sede de medida liminar ou na sentença final, ordenar que o demandado entregue a coisa certa ou incerta, no prazo por ele fixado (art. 461-A, "caput").

Em caso de descumprimento da ordem, será imediatamente expedido mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse, conforme se trate de coisa móvel ou imóvel, satisfazendo, desde logo, a pretensão do credor.

Ao contrário do que ocorre nas execução de obrigação de fazer e não fazer, na obrigação de entrega de coisa não há como aplicar medidas que assegurem o resultado prático equivalente ao adimplemento. Portanto, não localizada a coisa a ser entregue, converter-se-á em perdas e danos.

3. Tutelas mandamental e executiva

Os provimentos abordados neste capítulo dão ensejo não apenas a atos executivos, mas também a provimento com força mandamental.

Embora prevaleça a classificação trinária das sentenças (declaratória, constitutiva e condenatória), doutrinadores brasileiros identificaram duas outras cargas eficaciais que a sentença pode conter: mandamental e executiva.

A sentença mandamental é aquela que determina uma ordem ao devedor, cominando uma medida coercitiva para o caso de inadimplemento como, por exemplo, mandado de segurança, manutenção de posse, interdito proibitório.

Trata-se de execução indireta que atua no animus do devedor, coagindo-o a cumprir voluntariamente a obrigação.

As sentenças executivas, por sua vez, contém, não uma ordem, mas uma autorização ao órgão judicial para executar, como, por exemplo: despejo, reintegração de posse, demarcação, divisão11.

11 WAMBIER, Luiz Rodrigues e TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 384.

E tutela executiva lato sensu não coage o devedor a adimplir voluntariamente a obrigação, mas atua satisfazendo o direito do credor, independentemente da vontade do devedor, denominada de execução direta ou por sub-rogação.

Por meio da tutela executiva lato sensu o juiz está autorizado a determinar medidas executivas que, por si, só satisfazem a obrigação, sendo auto-executável. Nada obsta que o provimento judicial contenha mais de uma carga eficacial. É o que ocorre com as tutelas, objeto deste capítulo.

No caso da tutela mandamental podemos citar àquelas previstas nos §§ 4º e 6º do art. 461e § 3º do art. 461-A, ambos do CPC.

A possibilidade de fixar multa para o caso de inadimplemento da ordem configura uma ameaça ao demandado. É um meio coercitivo para que o devedor, se vendo na iminência de sofrer desconto patrimonial se não cumprir a ordem judicial, cumpra acaba se convencendo a adimplir voluntariamente a obrigação.

Como exemplo de executiva lato sensu temos o § 5º do art. 461 do CPC e § 3º do artigo 461-A. O § 5º do art. 461 do CPC prevê medidas executivas que o juiz poderá determinar para a tutela do direito.

Em se tratando de tutela específica das obrigações de dar, o § 2º do art. 461-A, do CPC, prevê expressamente duas medidas executivas que o juiz poderá determinar para possibilitar a tutela específica dessas obrigações (busca e apreensão ou imissão de posse), além das medidas elencadas no § 5º do artigo 461. Diante das obrigações de fazer, só é admissível a técnica processual de tutela executiva "lato sensu" se a obrigação for fungível, já que sendo infungível, somente pode ser adimplida pelo próprio devedor. Assim, para tais obrigações, resta ao credor a técnica mandamental ou as perdas e danos