A BOA-FÉ NO DIREITO CONTRATUAL




                   Como um dos conceitos basilares em direito civil, a boa-fé apresenta duas conotações que precisam ser compreendidas e analisadas com bastante cautela, a fim de se evitar qualquer tipo de equívoco. Assim, a boa-fé em sentido subjetivo diz respeito, sobretudo, ao âmbito interno do indivíduo, ou seja, ao animus advindo da própria psique humana e ao conjunto de crenças pessoais relativamente a determinado direito. Tal concepção de boa-fé opera sobremaneira no âmbito da direito das coisas, apesar de também ser vislumbrada em outros ramos do direito civil. Já a boa-fé objetiva, por sua vez, concerne ao comportamento honesto e digno que se deve ter na esfera dos negócios jurídicos. 


                Feitas essas principais distinções entre as conotações de boa-fé, impende salientar as diferenças fundamentais entre a própria idéia de boa-fé e o princípio geral a ela correlato. Nas palavras de Franz Wieacker, “boa-fé (...) é um conceito técnico-jurídico que se insere numa multiplicidade de normas jurídicas com o fim de descrever ou de delimitar um suporte fático” (1) . Já o princípio da boa-fé objetiva erige-se em princípio geral de direito, de modo a nortear precipuamente o amplo rol de relações jurídicas intersubjetivas.


             De fato, como a boa-fé objetiva é um modelo de conduta a ser observado no bojo da celebração de negócios jurídicos, suas peculiaridades são mais intrínsecas aos chamados contratos bilaterais. Como espécie de negócio jurídico, o contrato bilateral instaura, portanto, uma série de direitos e obrigações entre as partes pactuantes, de modo que ambas devem proceder de boa-fé. Desse modo, a referida boa-fé objetiva é elemento imprescindível à eficácia dos contratos sinalagmáticos, uma vez que esses estatuem prestações e contraprestações a serem efetivadas sob os ditames do comportamento honesto, da conduta ética e leal das partes envolvidas.


                   A partir de todas as considerações já salientadas sobre a boa-fé objetiva, percebem-se claramente os fundamentos pelos quais a referida concepção jurídica difere bastante da idéia de boa-fé em sentido subjetivo. Nesse sentido, torna-se irrefutável a consagração do conceito de boa-fé objetiva pelo Novo Código Civil brasileiro, por meio do artigo 422, in verbis: “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé”. 


                 Além de se consubstanciar como modelo de conduta a ser observado pelas partes em determinado contrato, a boa-fé objetiva ainda constitui uma importante cláusula geral, que deve ser vislumbrada pelo julgador no âmbito da interpretação dos negócios jurídicos bilaterais. A partir das elucidações supramencionadas, cumpre ressaltar os disposto no art. 113 do aludido Código Civil brasileiro, in verbis ; “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. Assim, o juiz, ao interpretar determinado contrato, deve verificar se cada parte procedeu ou não de boa-fé no âmbito de um negócio jurídico. Tal exercício interpretativo constitui, portanto, uma das funções precípuas do conceito de boa-fé objetiva.



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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


WIEACKER, Franz. El principio general de la buena fe. 1ª Ed. Trad. de José Luis Carro. Madri: Civitas, 1986.