EXECUÇÃO DEVEDOR SOLVENTE - PRAZO. Gabinete desembargador Jânio Machado

Apelação cível n. 2009.069335-2, da Capital

Relator: Jânio Machado

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDOR SOLVENTE. NOTA DE CRÉDITO RURAL. PRESCRIÇÃO RECONHECIDA. INOCORRÊNCIA. AJUIZAMENTO DA DEMANDA ANTES DA FLUÊNCIA DO PRAZO DE 3 (TRÊS) ANOS, QUE É CONTADO DA DATA DO VENCIMENTO FINAL DO TÍTULO DE CRÉDITO. ARTIGO 60 DO DECRETO-LEI N. 167, DE 14.2.1967, CUMULADO COM O ARTIGO 70 DO DECRETO N. 57.663, DE 24.1.1966. CLÁUSULA PREVENDO O VENCIMENTO ANTECIPADO DA DÍVIDA PARA O CASO DE INADIMPLEMENTO DE QUALQUER OBRIGAÇÃO. CLÁUSULA RESOLUTÓRIA EXPRESSA QUE É INCAPAZ DE ALTERAR O MARCO INICIAL DA CONTAGEM DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTA CASA. RECURSO PROVIDO.

O prazo de prescrição para o ajuizamento da ação de execução de nota de crédito rural é de 3 (três) anos e flui a partir da data do vencimento previsto no título, nenhuma interferência sofrendo em razão do pacto estabelecendo a cláusula resolutória expressa.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 2009.069335-2, da comarca da Capital (Unidade de Direito Bancário), em que é apelante Banco do Brasil S/A, e apelado João de Souza Vargas:

A Quinta Câmara de Direito Comercial decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso. Custas legais.

O julgamento, realizado no dia 26 de janeiro de 2012, foi presidido pelo relator e dele participaram a desembargadora Soraya Nunes Lins e o juiz Volnei Celso Tomazini.

Florianópolis, 30 de janeiro de 2012.

Jânio Machado

RELATOR

RELATÓRIO

Banco do Estado de Santa Catarina S/A ajuizou "processo de execução" contra João de Souza Vargas e Antenor Vargas sob o fundamento de que é credor da importância atualizada de R$39.587,23 (trinta e nove mil, quinhentos e oitenta e sete reais e vinte e três centavos), representada pela Nota de Crédito Rural n. 003, emitida em 30.11.1995, no valor de R$23.194,28 (vinte e três mil, cento e noventa e quatro reais e vinte e oito centavos), com vencimento final para 31.10.2002.

O executado João de Souza Vargas opôs exceção de pré-executividade (fls. 48/60) com alegações de: a) nulidade do título pela presença de fraude na data da emissão (a nota rural foi assinada em 1995); b) insuficiência do demonstrativo da evolução do débito apresentado; c) ausência dos contratos anteriores (o título foi emitido para renegociação de um outro, em operação de securitização), e d) incerteza e iliquidez da obrigação.

A exceção foi impugnada (fls. 64/72) e, na seqüência, rejeitada (fl. 84). Os embargos de declaração opostos pelo excipiente foram rejeitados (fls. 85/86), constando o desprovimento do agravo de instrumento (fls. 95/105 e 108).

A advogada Nézia Roberge Valadares, em nome do executado João de Souza Vargas, disse da ausência de citação e de representação do executado Antenor Vargas, o que justificaria o reconhecimento da prescrição em relação a ele (fls. 135/136).

A seguir, o digno magistrado Claúdio Eduardo Regis de Figueiredo e Silva proferiu sentença (fls. 139/141), o que fez nos seguintes termos:

"Ante o exposto, reconheço a prescrição da pretensão quanto à cobrança da dívida oriunda das notas de crédito rural e, a teor do art. 269, IV, do CPC, declaro extinta a presente demanda com resolução mérito.

Não argüindo em momento oportuno a prescrição, condeno o executado ao pagamento das custas processuais e deixo de fixar os honorários, nos termos do art. 22 do CPC." (o grifo está no original).

Irresignado, o Banco do Brasil S/A interpôs recurso de apelação cível (fls. 145/166) sustentando a necessidade de substituição processual (em virtude da incorporação) e a inexistência de prescrição (o prazo é contado do vencimento final do título).

Com a resposta do apelado (fls. 170/179), os autos vieram a esta Corte, aqui sendo deferido o pedido de substituição processual do apelante pelo Banco do Brasil S/A (fl. 193).

VOTO

A ação de execução está suportada na Nota de Crédito Rural n. 003, emitida em 30.11.1995, sendo devedor principal João de Souza Vargas, no valor de R$23.194.28 (vinte e três mil, cento e noventa e quatro reais e vinte e oito centavos), que deveria ser pago em 6 (seis) prestações anuais, vencendo-se a primeira em 31.10.1997 e a última em 31.10.2002. O título de crédito também foi assinado Antenor Vargas, este na condição de avalista (fl. 10), e seria destinado ao pagamento da dívida relativa ao título n. 002, contraída anteriormente com a instituição financeira (fls. 73/75).

A quantia emprestada foi liberada em uma única parcela, na data de 30.11.1995, e não há registro de qualquer pagamento no demonstrativo de evolução da dívida exibido pelo credor (fls. 11/16). Tampouco os devedores alegaram qualquer forma de pagamento.

O prazo de prescrição da ação de execução suportada em título de crédito rural é de 3 (três) anos, a contar da data do seu vencimento, consoante o disposto no artigo 70 do Decreto n. 57.663, de 24.1.1966 - “Todas as ações contra o aceitante relativas a letras prescrevem em 3 (três) anos a contar do seu vencimento” -, que é aplicável em razão do que prevê o artigo 60 do Decreto-lei n. 167, de 14.2.1967:

"Art. 60. Aplicam-se à cédula de crédito rural, à nota promissória rural e à duplicata rural, no que forem cabíveis, as normas de direito cambial, inclusive quanto a aval, dispensado porém o protesto para assegurar o direito de regresso contra endossantes e seus avalistas."

O artigo 11 do Decreto-lei acima referido prevê o “vencimento antecipado da cédula de crédito rural, independentemente de aviso ou interpelação judicial ou extrajudicial”, em havendo “inadimplência de qualquer obrigação convencional ou legal do emitente do título”. Trata-se, a toda evidência, de possibilidade assegurada em favor do credor, nos moldes preconizados no artigo 119 do Código Civil de 1916 (a legislação em vigor ao tempo da celebração do mútuo).

No caso concreto, o devedor não efetuou o pagamento da primeira parcela vencida em 31.10.1997, o mesmo acontecendo com aquelas outras que sucederam. O credor, por consequência, no demonstrativo que elaborou na data de 14.12.2000, apurou os valores correspondentes às parcelas inadimplidas e fez os lançamentos respectivos (fls. 11/16). Em relação às 2 (duas) primeiras parcelas, vencidas em 31.10.1997 e 30.10.1998, anotou que elas teriam sido transferidas para a “ficha auxiliar”, que são encontradas às fls. 13/14. Em data de 19.8.1999 é que fez o lançamento das demais prestações vencidas por antecipação, lançando o valor de R$18.705,26 ( dezoito mil, setecentos e cinco reais e vinte e seis centavos), conforme anotou à fl. 12.

O ajuizamento da ação de execução deu-se na data de 22.12.2000, não se podendo falar em prescrição do direito de crédito decorrente do título exibido com a petição inicial, ainda que se pudesse aventar a possibilidade de uso do vencimento antecipado para efeito de marco inicial. Isto é, ainda que se quisesse contar o prazo prescricional do vencimento antecipado, assim seria feito a partir de 19.8.1999, o que em absoluto autorizaria a extinção da execução.

Em verdade, o prazo de prescrição é contado da data do vencimento final estabelecido no título de crédito rural, o que já foi dito pelo Superior Tribunal de Justiça:

"PROCESSO CIVIL - EXECUÇÃO - PRESCRIÇÃO - CÉDULA DE CRÉDITO RURAL - INADIMPLEMENTO – VENCIMENTO ANTECIPADO DA OBRIGAÇÃO CONTRAÍDA - PRESCRIÇÃO TRIENAL PARA PROPOSITURA DA AÇÃO EXECUTIVA - TERMO INICIAL - DATA DO VENCIMENTO QUE CONSTA NA CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA - PRETENDIDA REFORMA - AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

- O marco inicial para a contagem da prescrição da ação cambial é a data estabelecida na cártula, pois, segundo a "orientação desta Corte (Resp n. 650.822/RN, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJU de 11/04/2005), é que mesmo com o vencimento antecipado do título, permanece inalterado o marco inicial para a prescrição, que é a data constante originalmente na cártula" (Resp nº 802.688-SP, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ de 01/08/2006). Igual raciocínio colhe-se da afirmação de que "o vencimento antecipado das obrigações contraídas, não altera o termo inicial para a contagem do prazo prescricional da ação cambial, que deve ser iniciada a partir do vencimento do título, como determina a Lei Uniforme" (Resp nº 439.427-SP, 3ª Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 02/09/2005). Na mesma linha assim decidiu recentemente a Quarta Turma: Resp nº 659.290-MT, deste Relator, DJ de 01/11/2006 e Ag. Reg. No Resp nº 802.688-RS, Relator Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ de 26/2/2007).

- Agravo regimental improvido." (agravo regimental no recurso especial n. 628.723, do Rio Grande do Sul, Quarta Turma, relator o ministro Hélio Quaglia Barbosa, j. em 20.3.2007. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 12 jan. 2012).

Igual compreensão do tema é encontrada nesta Corte:

"APELAÇÕES CÍVEIS. EMBARGOS DOS DEVEDORES. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. APELOS DOS DEMANDANTES E INCONFORMISMOS SUBSIDIÁRIOS DO BANCO.

(...)

INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. DIREITO EXPROPRIATÓRIO DO CREDOR QUE PERMANECE INTACTO DURANTE 3 (TRÊS) ANOS A CONTAR DA DATA DE EXIGIBILIDADE DO NUMERÁRIO. LAPSO QUE POSSUI REGULAMENTAÇÃO NO ART. 70 DO DECRETO N. 57.663/66, CUJA INCIDÊNCIA SE DÁ POR AUTORIZAÇÃO DO ART. 60 DO DECRETO-LEI N. 167/67. VENCIMENTO ANTECIPADO PRESENTE DIANTE DE PREVISÃO CONTRATUAL E INADIMPLEMENTO DOS CONSUMIDORES. SITUAÇÃO QUE NÃO TEM O CONDÃO DE ALTERAR A DATA DE INÍCIO DA FLUÊNCIA DA PRESCRIÇÃO, CUJO PARÂMETRO DEVE OBSERVAR TÃO SOMENTE A DATA APOSTA NO CONTRATO COMO SENDO O SEU VENCIMENTO ORDINÁRIO.

(...)." (apelação cível n. 2009.054352-1, de Taió, Quarta Câmara de Direito Comercial, relator o desembargador José Carlos Carstens Köhler, j. em 10.8.2010. Disponível em: <http://www.tjsc.jus.br>. Acesso em: 12 jan. 2012).

Ainda:

"EXECUÇÃO HIPOTECÁRIA. Demanda julgada extinta em razão da prescrição. Insurgência. Inadimplemento. Vencimento antecipado da obrigação. Inocorrência. Fluência do prazo prescricional a partir do vencimento da última parcela do contrato. Prescrição inocorrente. Sentença desconstituída". (apelação cível n. 2010.009860-0, de Navegantes, Quarta Câmara de Direito Comercial, relator o desembargador José Inácio Schaefer, j. em 17.5.2010. Disponível em: <http://www.tjsc.jus.br>. Acesso em: 12 jan. 2012).

Com essas considerações, o recurso interposto é provido para desconstituir a sentença, determinando-se o regular prosseguimento da execução.

Por último, e apenas evitando a desnecessária interposição de embargos de declaração, ainda que para fins de presquestionamento e acesso à instância recursal superior, afirma-se a ausência de violação ao artigo 41 e seguintes do Código de Processo Civil, e ao artigo 227 da Lei n. 6.404/76, os quais foram, mesmo que implicitamente, aqui examinados.

Gabinete desembargador Jânio Machado
Enviado por ANDRE LUIZ CORREA MOTA em 20/10/2012
Código do texto: T3942564
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