Cartilha de Direitos Humanos -Ricardo Balestreri

A maior parte da humanidade se arrasta na miséria, na fome, na ignorância. No Brasil, somente uns quinze por cento da população exercem razoavelmente seus direitos à boa alimentação, boa moradia, bom emprego, bom salário, bom acesso à escola de qualidade, bom lazer. Para a maior parte desses quinze por cento, mesmo assim, o preço é muito alto: jornadas exaustivas de trabalho, contas intermináveis a pagar, pouco tempo com os filhos, pressões de toda ordem, “necessidades” impostas desde fora, que vão alienando as pessoas de suas próprias vidas.

Aos pobres e miseráveis resta, onipresente, a mesma ideologia consumista a ser assimilada, professada e sonhada, mas na incompreensão e na dor da exclusão do consumo, sem, sequer, o básico para uma vida digna.

É em contraposição a esse roteiro dramático que a causa dos direitos humanos precisa oferecer a alternativa de um script novo, de uma história humanizada e humanizante, de um papel digno e confortável para todos.

Qual a base contemporânea dos Direitos Humanos e qual sua importância?

No mundo contemporâneo, o “grande mapa” norteador da cidadania para todos é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela ONU em 1948.

Salientando que a justiça social não nos é oferecida como um legado mas, ao contrário, é uma possibilidade que só pode ser conquistada através das lutas e construções democráticas de engajamento cívico, a Declaração.

Quais, então, as vitórias humanas que evocam o mais justo orgulho, as que melhor expressam a qualidade de nossa evolução desde os primórdios?

Nem arquitetônicas, nem médicas, nem matemáticas, nem químicas, nem espaciais, nem eletrônicas, nem informáticas, nem cibernéticas, são, antes de tudo, vitórias morais.

Alguns teólogos cristãos progressistas dizem que a Bíblia continua a ser escrita, mesmo que não nos apercebamos da função sagrada de muitos textos que produzimos na linguagem da modernidade. Se acreditarmos nisso, mui respeitosamente, poderemos

considerar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, ofertada por mãos do presente, como uma obra divinamente inspirada.”

Por que, no Brasil, a defesa dos Direitos Humanos é rejeitada, por muitos, como “defesa de bandidos”?

Basicamente, por duas razões: Em primeiro lugar, por ignorância. Diante de assustador crescimento da violência e da insegurança pública, muitos segmentos sociais passam a acreditar em simplificações como, por exemplo, a eliminação do crime através da eliminação dos criminosos. A “lógica da eliminação” aponta para falsas soluções que, tentadas através dos tempos, praticamente nada realizaram em termos de efetiva Segurança Pública.

A longo prazo, somente políticas públicas sociais e educacionais, de inclusão, poderão reduzir a criminalidade. O que resolve é a inteligência na prevenção e na repressão, na presença ostensiva dos operadores policiais e na correta produção da prova. O que resolve é uma intervenção fundada na razão, na informação, na técnica, na ciência, na comunicação, na estratégia.

Obviamente, grande parte da sociedade, não por má fé mas por ignorância, desconhece isso, acreditando que a violência no combate à violência é que vai assegurar a paz social. Nesse contexto, não por má fé mas por ignorância, a militância por direitos humanos passa a ser vista como “um estorvo”, um “impedimento ao trabalho da polícia”, um “estímulo à impunidade”, uma “defesa de bandidos.

A segunda razão está afeta ao período da ditadura militar e à herança que dele carregamos. Assim, se atacarmos a polícia como instituição, estaremos atacando a próprio povo que dela necessita.

Por que os grupos de Direitos Humanos destinam tanta atenção aos presídios e à situação dos criminosos que neles se encontram?

Porque o Brasil tem um dos piores e mais cruéis sistemas prisionais do planeta. A superpopulação, a promiscuidade de níveis de periculosidade, a falta de condições de higiene, a má alimentação, o péssimo atendimento de serviços de saúde, a falta de atividade produtiva, o domínio interno do crime organizado e/ou das gangues, a presença constante de drogas e armas, a violência interna e/ou a tortura como prática institucional, são algumas das mazelas que se banalizaram na maioria dos presídios brasileiros (com as ressalvas, de sempre, às honrosas exceções).

É preciso que derrubemos o mito da penalização privativa da liberdade como um caminho de resgate da paz social e da segurança pública.

As prisões deveriam estar reservadas apenas aos que representam elevado grau de periculosidade e aos que comandam o crime organizado (também incluídos na primeira

categoria). Aos demais, as penas alternativas sérias e monitoradas seriam as únicas a fazer algum sentido, especialmente as reparatórias, onde os sujeitos a elas submetidos submetem-se a recuperar os danos que causaram ou, na impossibilidade de fazê-lo, a produzir algum bem social compensatório.

Em nosso país, é hipócrita falar-se em “recuperação” e em “educação” ou “reeducação” à partir das prisões. Como regra, as prisões são deformadoras do caráter, centros de tecnologia de delinqüência, redutos de socialização da sociopatia, fábricas de criminosos, “universidades do crime”- no dizer dos próprios prisioneiros.

Se não sabemos tratar humanamente os que nos trataram desumanamente; se, em nome da dor que sentimos e de nosso desejo de vingança, admitimos o submetimento de quem quer que seja à fome, ao frio, à promiscuidade, às doenças, à tortura, à morte, em que nos diferenciamos dos que condenamos?

Se nossos princípios morais são negociáveis, conforme nossas justificativas pessoais ou grupais e nossas motivações emocionais, qual a diferença entre os que privamos da liberdade e nós, aqui fora? Estaremos todos presos pelo ódio e condenados às sombras da violência que nos habita.

Ralph Emerson dizia que “o que somos fala tão alto que não se escuta o que dizemos”. Se reclamarmos justiça e não a praticarmos, se exercermos crueldade- mesmo que contra os que nos ofenderam- não passaremos de uma fraude.

Qual o papel do Estado no campo dos Direitos Humanos?

O Estado tem, pelo menos, dois importantes papéis no campo dos direitos humanos: indutor e garantidor.

Como indutor deve sentir-se obrigado a implementar políticas públicas educativas e culturais destinadas a socializar entre a nação a consciência moral de direitos e deveres. Como garantidor, não pode eximir-se de elaborar leis que repercutam a declaração universal dos direitos humanos, de fornecer sistema de justiça imparcial e rápido à toda a população e de implementar políticas públicas que garantam qualidade de vida social, cultural, educacional, econômica, sanitária, civil e política à todos, sem privilégios ou discriminações.

Assim, hoje, ao falarmos em direitos humanos não nos referimos apenas às obrigações do Estado para com os cidadãos, mas também às obrigações dos cidadãos entre si, assim como das instituições, mesmo privadas, para com eles.

Resenha do texto Cartilha de Direitos Humanos de Ricardo Balestreri

site: ideiasdeumpolicia.blogspot.com.br

Ricardo Balestreri
Enviado por FSantana em 14/01/2013
Reeditado em 18/01/2013
Código do texto: T4084542
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