A controvertida obrigação

Sendo mesmo indiscutível a importância da também chamada de obrigação real, é mesmo uma obrigação peculiar, pois muito se aproxima do direito real como do direito obrigacional.

É aquela em que o devedor, por ser titular de direito sobre a coisa, fica sujeito a uma prestação e, não derivou da manifestação expressa ou tácita de sua vontade.

Ë a condição de ser titular do direito real que o inscreve também na qualidade de devedor tanto assim que se libera de tal obligatio se renunciar a esse direito.

Alguns exemplos previstos no Código Civil podem ajudar para se compreender a sua natureza, o art. 569 CC, art. 588 CC e, aqui percebemos que a derelição da coisa opera a exoneração do devedor-proprietário (art.1.315 CC, art. 1.280CC).

Verifica-se que o devedor está atado a um vínculo cogente não por força de sua vontade, mas em razão de sua qualidade jurídica em face de um bem, quer seja possuidor, quer seja proprietário.

É possível a transmissão da obrigação híbrida ao sucessor a título particular, ou seja, por testamento contrariando assim a regra geral onde somente o herdeiro a título universal assume tanto ativo como passivo do de cujus.

No entanto, tais obrigações constituem exceção, pois o legatário a assume ainda que não saiba de sua existência, e sim em razão da coisa. Será o sucessor compelido a participar das despesas necessárias à demarcação, a concorrer para reparação dos tapumes divisórios, a responder por dívida garantida pelo imóvel hipotecado, a ratear as despesas de condomínio e a dar caução do dano eminente a seu confrontante, pela ameaça que o seu prédio possa representar ao dele.

De fato, é observado que a obrigação acompanha a coisa, vinculando seu dono, seja ele quem for. Ela é ambulat cum domino, independente de qualquer convenção entre as partes, posto que acompanho o domínio.

Há três elementos característicos básicos:

1. É ilação que o titular do direito real, seja quem for, em virtude de sua condição de proprietário ou possuidor;

2. O devedor se livra da obrigação pelo abandono do direito real (derelição);

3. A obrigação se transmite aos sucessores a título singular do devedor.

Quanto à natureza jurídica constata-se que a obligatio se encontra numa fronteira entre os direitos reais e pessoais. Não perde, no entanto as características do direito de crédito, e consiste num liame, que em certo momento, prende duas ou mais pessoas, tendo por objeto o dar, o fazer ou não fazer alguma coisa. Justificando assim o entendimento doutrinário que enxerga uma contraditio in terminis.

Mas cabe a ressalva, pois não se trata de direito real, seu objeto não é uma coisa, e, sim uma prestação de devedor. Reafirmando então seu caráter de direito pessoal apesar de que se extingue pelo abandono e obedece a regra de que, na cessão de débito torna-se indispensável à anuência do credor.

Hassan Aberkane em sua brilhante monografia analisando a essência da obrigação real, conclui que a utilidade de tal obligatio é resolver conflitos de interesses entre dois direitos reais, estabelecendo um modus vivendi entre eles.

Observa coerente que credor e devedor são titulares de um direito real rival, e que recai sobre a mesma coisa, ou em coisas vizinhas (e, neste caso, há direitos reais concorrentes).

Analisando que no direito real é inegável que impõe obrigação passiva universal de não perturbar o exercício do direito real, por parte de seu titular. Trata-se de obrigação negativa.

No entanto, existem terceiros em posição especial com relação ao título deste direito real, é o titular do direito real concorrente ou como no caso do desmembramento da propriedade o caso dos usufrutuários, o dono do prédio serviente, o vizinho e o condômino.

A erga omnes se impõe a obrigação negativa e universal de não perturbar bem como algumas obrigações positivas capazes de facilitar ou mesmo possibilitar o direito real.

É assim um reforço de proteção do direito real contra o detentor de um direito real rival.Conclui então o monografista finalmente que é idêntica natureza jurídica da obrigação jurídica universal.

E, consegue explicar como institutos modernamente muito difundidos como condomínios de edifícios e loteamentos e certas restrições ao direito de propriedade em loteamento são igualmente obligatio propter rem.

No entendimento de Orlando Gomes conquanto não se enquadrem rigorosamente na categoria das obrigações ambulatórias, que constituem a mais frisante exceção ao princípio da determinação dos sujeitos da relação obrigacional, as obrigações reais distinguem-se, sob esse aspecto, pelo fato de admitirem, por sua própria natureza, a substituição do sujeito passivo, que assim, se determina mediatamente.

Para caracterizar incisivamente tal obrigação na sua vinculação ao bem, pode-se dizer, figurativamente, que tem seqüela.

A natureza das obrigações reais é controvertida. A tese da pessoalidade sofre contestação por parte dos que, como Gierke, atribuem maior importância ao aspecto real da relação. Objeta-se-lhes, porém, que, consistindo a prestação num facere, não se quadra à natureza do direito real.

Hesitantes ante as duas soluções defendem outros a opinião de que constituem figuras mistas, situadas numa zona intermediária, que teria como fronteiras opostas os direitos reais e os direitos pessoais. A este tese, se filia Caio Mário da Silva Pereira.

A despeito de ser predominante no direito positivo brasileiro a tese da realidade das obrigações propter rem, é irrecusável que, em substância, constituem vínculo jurídico pelo qual uma pessoa, embora substituível, fica adstrita a satisfazer uma prestação no interesse de outra.

Mas, tal como os direitos reais, as obrigações in rem, ob ou propter rem obedecem ao princípio do numerus clausus, não se conhecendo outros tipos além dos configurados na lei (arts, 555, 569, 588 § 1º, 624, 678, 701, 749 a 754 CC), pois que não podem ser constituídos livremente pelas partes.

De acordo com a teoria da realidade, seriam tutelados por meio de ações reais. Todavia, o credor tem ação pessoal, “in rem scriptae” contra o devedor. O vínculo é pessoal, de sorte que a obrigação não é limitada ao valor da coisa, respondendo o devedor com todo o seu patrimônio.

Distinguem-se nestas as obrigações com eficácia real, nestas são oponíveis a terceiros o direito correlato, se houver anotação preventiva no registro imobiliário, como nos casos de locação e compromisso de venda.

Antunes Varela salienta com perfeição: “Há uma obrigação real sempre que o dever de prestar vincule quem for titular de um direito sobre determinada coisa, sendo a prestação imposta precisamente por causa dessa titularidade da coisa”.

Alfredo Buzaid assevera, acertadamente, que a obrigação propter rem constitui um direito misto, por ser uma relação jurídica na qual a obrigação de fazer está acompanhada de um direito real, fundindo-se os dois elementos numa unidade, que a eleva a categoria autônoma.

Realmente, não é a obrigação propter rem um direito real, pois este se desnatura pela obrigação de um facere que o acompanha, pois seu objeto não é uma coisa, mas a prestação do devedor.

Também não é direito obrigacional pela autorização, concedida ao credor, de exigir a prestação de quem quer que se encontre em relação com a coisa gravada mediante ação real, e pelo fato do direito pessoal não se extinguir pelo abandono, não se transmitir a sucessor a título singular e de exigir a anuência do credor na cessão de débito, o que não ocorre na obrigação propter rem.

Essas considerações erigem então tal obrigação numa categoria autônoma, que não se enquadra nem na seara dos direitos reais, nem no âmbito obrigacionais, porque participa de ambos.

É uma obrigação acessória mista por vincular-se a um direito real, objetivando uma prestação devida ao seu titular. Daí seu caráter híbrido, pois tem objeto, com as relações obrigacionais. Uma prestação específica, e está incorporada a um direito real, do qual advém.

Os ônus reais são obrigações que limitam a fruição e a disposição da propriedade. Representam direitos sobre a coisa alheia e prevalecem erga omnes. São, portanto, obrigações de realizar, periódica ou reiteradamente, uma prestação, que recaem sobre o titular de certo bem; logo ficam vinculadas à coisa que servirá de garantia de seu cumprimento.

Exemplo típico é a renda constituída sobre imóvel ou móvel, que é um direito temporário que grava determinado bem, obrigando seu proprietário a pagar prestações periódicas de soma determinada (Art. 804CC).

Fácil perceber que os ônus reais recaem sobre quem for titular da coisa. São nítidas as diferenças entre obrigação propter rem e ônus real.

Na primeira, o devedor responde pelo débito atual, isto é, pela prestação constituída durante sua relação com a coisa; pela obrigação precedentemente vencida só pode ser responsabilizado pessoalmente o próprio devedor, sendo inadmissível sua transmissão ao atual detentor do bem, ao passo que no ônus real este é responsável pela constituída antes da aquisição de seu direito.

Por exemplo, o condômino, que adquiriu seu direito em 1986, não responderá por despesas de conservação da coisa comum atinentes ao ano de 1985; já o pagamento da renda constituída sobre um imóvel incumbe ao adquirente do prédio gravado (CPC, art. 585, IV).

Além disso, o ônus real tem sempre como conteúdo uma prestação positiva, enquanto a obrigação propter rem pode consistir em obrigação de não fazer.

Messineo e Torrente ensinam-nos, ainda, que no ônus real é a coisa que se encontra gravada; logo, o proprietário não responderá além dos limites do valor da coisa onerada; a pessoa que se encontra vinculada, respondendo, portanto, o devedor com todos seus bens.

Para que exista ônus real é preciso que o titular da coisa seja realmente devedor, sujeito passivo de uma obrigação, e não apenas proprietário ou possuidor de determinado bem, cujo valor garante o adimplemento de débito alheio.

Essas idéias se aplicam à obrigação de pagar impostos relativos a imóveis (imposto sobre propriedade territorial rural, imposto sobre propriedade predial e territorial urbana), que transmite ao adquirente do imóvel quer eles se refiram a rendimentos posteriores ou anteriores à aquisição.

As obrigações com eficácia real, sem perder seu caráter de direito a uma prestação, se transmitem e é oponível a terceiro que adquira direito sobre determinado bem.

Uma vez registrado o compromisso no Cartório do Registro de Imóveis, o direito do compromissário passará gozar de eficácia real em relação às posteriores alienações da coisa, pois o direito real só surge a partir do registro; antes deles tem-se somente contrato de promessa de venda que gera apenas direitos obrigacionais.

A averbação desde que não exista cláusula de arrependimento, segundo ao art. 1.417 CC, o compromissário passará ter direito real oponível a terceiros, não sendo mais possível a transcrição de qualquer venda posterior que beneficie outra pessoa.

Esclarece Antunes Varela que não se pretende afirmar que a obrigação de outorgar escritura definitiva de venda, assumida pelo compromitente, se transmita ao posterior adquirente do imóvel, mas sim que, uma vez feita à escritura definitiva (ou obtida a sentença de adjudicação compulsória) e, levada a registro, a transmissão da propriedade para o compromissário produzirá seus efeitos retroativamente, isto é, retroagirá ao momento do registro do compromisso, sendo as alienações posteriores a essa data tidas como operações non domino.

O art.554 do atual CC possui dispositivo correspondente no novo do CC art. 1.277, caput, já o art.624 do CC encontra o sorrepondente no art. 1.315 do CC, caput.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 30/03/2007
Código do texto: T431896
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