Luz para doze dos vinte e cinco “mensaleiros” condenados

Prólogo

Com este tema quero comentar o que a mídia alardeia rufando os tambores da felicidade para uns poucos diante dos muitos decepcionados. O ministro Celso de Mello, do STF, disse, na quarta-feira (18/Set), ao votar, chancelando a validade de novo julgamento, via embargos infringentes, que: "a Corte não pode ceder ao clamor popular e à pressão das multidões".

Claro que sua excelência tem sobeja razão ao justificar o seu voto baseado no livre convencimento e sob a égide da instrução normativa (Regimento Interno do Supremo). Quanto ao: "a Corte não pode ceder ao clamor popular e à pressão das multidões" se assim o STF procedesse o casamento entre homoafetivos, que segue na contrarmão dos preceitos religiosos e no entendimento dos de melhor siso na interpretação da Carta Magna, não seria aprovado.

EXPLICAÇÕES NECESSÁRIAS

Os embargos infringentes são recursos previstos no artigo 333 do Regimento Interno do Supremo, mas que não constam na Lei nº 8.038/1990, que regula as ações no STF. Para uma melhor compreensão vejamos o artigo 12 da lei 8.038/1990:

Art. 12 - Finda a instrução, o Tribunal procederá ao julgamento, na forma determinada pelo regimento interno, observando-se o seguinte: (Vide Lei nº 8.658, de 1993, que só dispõe de três artigos, também, abaixo transcritos):

I - a acusação e a defesa terão, sucessivamente, nessa ordem, prazo de uma hora para sustentação oral, assegurado ao assistente um quarto do tempo da acusação;

II - encerrados os debates, o Tribunal passará a proferir o julgamento, podendo o Presidente limitar a presença no recinto às partes e seus advogados, ou somente a estes, se o interesse público exigir.

Lei nº 8.658, de 1993

Art. 1° As normas dos arts. 1° a 12, inclusive, da Lei n° 8.038, de 28 de maio de 1990, aplicam-se às ações penais de competência originária dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, e dos Tribunais Regionais Federais.

Art. 2° Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 3° Revogam-se o Título III do Livro II do Decreto-Lei n° 3.689, de 3 de outubro de 1941, e demais disposições em contrário.

Observamos que, em nenhum momento, a Lei 8.038/1990 ab-roga os embargos infringentes de forma expressa. Ao contrário, reforça a aceitação do recurso (embargos infringentes) quando preestabelece de forma cristalina: “... na forma determinada pelo regimento interno.”.

MINISTROS INJUSTOS NÃO SOUBERAM INTERPRETAR A LEI

Cinco ministros (Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello) entenderam que a lei de 1990 revogou tacitamente (quando não há anulação explícita de um artigo) a existência dos embargos infringentes.

Os supracitados ministros NÃO COMPREENDERAM a expressão “o Tribunal procederá ao julgamento, na forma determinada pelo regimento interno” no caput do artigo 12, da Lei 8.038/1990.

Outros cinco ministros, talvez mais sensatos e argutos (Luís Roberto Barroso, Zavascki, Rosa Weber, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski) consideraram que a lei simplesmente não tratou do recurso e que, por isso, o regimento do Supremo é válido para definir sua existência.

Sou apenas um autodidata, mas, também vejo desse modo por acreditar que a derrogação de uma lei ou parte dessa lei deve ser clara e explícita (expressa). Entendo que uma derrogação tácita é pura e simplesmente uma ilação ou devaneio meramente subentendido. Ora, um direito não pode ser deduzido embora advenha de uma ciência inexata!

VOTAÇÃO DE CELSO DE MELLO FAVORÁVEL AOS QUADRILHEIROS

O placar desempatado pelo ministro Celso de Mello possibilitará novo julgamento para 12 dos 25 condenados no processo da Ação Penal 470, vulgo mensalão. Segundo Mello, o Supremo "não pode se expor a pressões externas, como aquelas resultantes do clamor popular e da pressão das multidões, sob pena de abalar direitos e garantias individuais e levar à aniquilação de inestimáveis prerrogativas que a norma jurídica permite a qualquer réu diante da instauração em juízo do devido processo penal".

Durante o voto, Celso de Mello disse ainda que é dever do Supremo – Claro que não poderia ser diferente – garantir a todos os acusados "um julgamento justo, imparcial e independente". Ele ponderou que:

"juízes não podem deixar contaminar-se por juízos paralelos resultantes de manifestações da opinião pública que objetivem condicionar a manifestação de juízes e tribunais. Estar-se-ia a negar a acusados o direito fundamental a um julgamento justo. Constituiria manifesta ofensa ao que proclama a Constituição e ao que garantem os tratados internacionais.".

O voto de Celso de Mello arrematou que:

"no STF, não há uma instância de superposição, e isso é grave. Por isso mesmo que o STF, no Regimento Interno, sabiamente construiu um modelo recursal que permite a possibilidade de controle jurisdicional de suas próprias decisões, porque não há outro órgão do Poder Judiciário ao qual a parte supostamente lesada possa se dirigir" – explicou Celso de Mello.

A aceitação pelo Supremo dos embargos infringentes poderá levar, com o novo julgamento de mérito, à mudança do regime de prisão de três réus do fechado para o semiaberto (José Dirceu, Delúbio Soares e João Paulo Cunha), caso eles sejam absolvidos.

Pelo Código Penal, penas entre 4 a 8 anos são cumpridas no regime semiaberto (quando se pode deixar o presídio para trabalhar ou maquinar outros ilícitos como fazem alguns apenados com sérios desvios de conduta e voltar somente para dormir). Penas maiores que 8 anos são cumpridas no regime fechado, em presídio de segurança média ou máxima.

Mesmo que os condenados não consigam absolvições, mas obtenham diminuição das penas, isso pode levar à prescrição em relação a alguns dos crimes. Para dois dos 12 condenados (Breno Fischberg e João Cláudio Genu), que têm apenas uma condenação, há chance de que a punição se reverta para a absolvição. Ao analisar, futuramente o mérito dos infringentes, porém, pode acontecer que o Supremo decida manter as penas de todos os condenados.

SITUAÇÃO DE CADA UM DOS DOZE CONDENADOS

Breno Fischberg - O ex-sócio da corretora Bônus Banval foi um dos que já conseguiram redução de pena. A maioria dos ministros havia entendido que Fischberg deveria ter a pena de 5 anos e 10 meses pelo crime de lavagem de dinheiro reduzida para 3 anos e 6 meses. Dessa forma, ele teve direito a substituir a pena privativa de liberdade por prestação de serviços. Inicialmente, ele teria de cumprir a condenação em regime semiaberto, sistema em que a pessoa pode trabalhar de dia e dormir na prisão.

Cristiano Paz - Um dos sócios de Valério foi condenado a 25 anos, 11 meses e 20 dias por corrupção ativa, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e peculato. A pena por formação de quadrilha (2 anos e 3 meses) poderá ser revista, com os embargos infringentes aceitos. Isso apenas poderá reduzir o tempo ao qual Paz ficará no regime fechado.

Delúbio Soares - Condenado a um total de 8 anos e 11 meses por dois crimes - corrupção ativa e formação de quadrilha -, o ex-tesoureiro do PT deve cumprir 1/6 da pena em regime fechado. Se, num novo julgamento, houver redução de pena para menos de 8 anos, Delúbio se beneficiará com o cumprimento de pena em regime semiaberto.

João Cláudio Genu - Na fase de julgamento dos embargos de declaração, o STF aceitou os recursos do ex-assessor do PP, condenado a quatro anos por lavagem de dinheiro, e alterou o tipo de pena aplicada a ele: de regime fechado para prestação de serviços comunitários. Como Genu, na fase inicial do julgamento, obteve quatro votos pela absolvição, a pena aplicada a ele pode ser revista.

João Paulo Cunha - Condenado pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato a penas que, somadas, chegam a 9 anos e 4 meses de prisão e pagamento de multa (R$ 370 mil), o petista deve cumprir pena inicialmente em regime fechado. Com o acolhimento dos embargos infringentes, a pena pelo crime de lavagem de dinheiro, de 3 anos, pode ser revista e, caso seja reduzida, Cunha pode se beneficiar com o cumprimento de pena em regime semiaberto.

José Dirceu - O ex-ministro foi condenado a 7 anos e 11 meses por corrupção ativa e 2 anos e 11 meses por formação de quadrilha. As penas, somadas, chegam a 10 anos e 10 meses. No crime de formação de quadrilha, Dirceu teve quatro votos pela absolvição, o que lhe dá direito a um novo julgamento depois do recebimento dos embargos infringentes. Com isso a pena de 10 anos e 10 meses pode ser reduzida a menos de 8 anos, o que lhe daria o direito de cumpri-la (1/6 dela) em regime semiaberto.

José Genoino - O deputado foi condenado a 6 anos e 11 meses por corrupção ativa e formação de quadrilha. Isso impõe a ele o dever de cumprir a pena em regime semiaberto. Mas Genoino foi condenado por maioria "fraca" (quatro ministros votaram pela sua absolvição), o que lhe dá direito um novo julgamento caso os embargos infringentes sejam aceitos. Caso a pena por formação de quadrilha seja revista, o deputado se livra do regime semiaberto e pode requerer substituição por prestação de serviços.

José Roberto Salgado - O ex-diretor do Banco Rural foi condenado a um total de 16 anos e 8 meses de prisão pelos crimes de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e evasão de divisas. No novo julgamento, a pena total pode vir a ser reduzida em 2 anos e 3 meses. Mas isso não muda o regime (fechado) imposto a ele.

Kátia Rabello - A presidente do Banco Rural também foi condenada por formação de quadrilha, crime ao qual todos os condenados tiveram quatro votos pela absolvição. A pena para este crime (de 2 anos e 3 meses) poderá ser revista e a condenação total imposta a ela (de 16 anos e 8 meses, por quatro crimes) seria reduzida, mas não o suficiente para livrá-la de cumprir 1/6 dela em regime fechado.

Marcos Valério - Apontado como figura central do esquema do mensalão, o publicitário foi condenado, por cinco crimes, a 40 anos 4 meses e 6 dias, a maior pena aplicada aos condenados. Ele deverá cumprir 1/6 da pena em regime fechado. No crime de formação de quadrilha, para o qual foi condenado a 2 anos e 11 meses, Valério teve quatro votos a seu favor. Mas mesmo que a pena para este crime seja extinta a redução do total da pena não será suficiente para livrá-lo da prisão em regime fechado.

Ramon Hollerbach - O ex-sócio de Marcos Valério nas empresas SMP&B e DNA Propaganda foi condenado a 29 anos e 7 meses de prisão, que ele deve cumprir (1/6 deste período) em regime fechado. Os crimes atribuídos a ele foram corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. A condenação por formação de quadrilha, para o qual foi condenado a 2 anos e 3 meses, pode ser revista. Isso não muda o regime (fechado) ao qual ele foi condenado.

Simone Vasconcelos - A ex-diretora da SMPB, uma das empresas de Marcos Valério, foi condenada a 12 anos e 7 meses. Poderia solicitar o recurso contra condenação de formação de quadrilha, mas essa pena já prescreveu e ela não pode mais pagar pelo crime. De qualquer forma, pode recorrer da decisão para tentar eventual redução.

CONCLUSÃO

A sociedade não aceita e tampouco gosta disso, mas todos nós conhecemos a jurisprudência, do STF, de que a prisão para cumprimento da pena só começa quando não há mais possibilidade para os réus contestarem as condenações.

Enfim, posso concluir: Os réus só devem começar a cumprir pena de prisão depois do trânsito em julgado, ou seja, quando não houver mais possibilidade de recursos contra as condenações.

O Poder Judiciário é eficiente? É justo? Ouso responder sem pejo do ridículo: Posso afirmar que é humanamente impossível ser eficiente e justo com quatro instâncias de julgamento e prodigalidade recursal nefasta (perdão pelo parafraseado jocoso, de viés, talvez inoportuno.).

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NOTAS REFERENCIADAS

— Noticiosos: Escritos, falados e televisivos;

— Notas de aulas avulsas e rabiscos do autor.