UM JULGAMENTO EXCÊNTRICO!

Em abril de 1976 foi lotado em Manhuaçu, na Delegacia de Policia, como Escrivão de Carreira.

Ao retomar as funções de escrivão, prosseguiu também elaborando os autos periciais, principalmente de acidentes de trânsito, sempre acompanhado dos peritos “ad-hoc” e fotógrafo.

Aconteceu um assassinato em pleno centro da cidade de Simonésia e a autoridade determinou que Baracho fosse até ao local do crime para fazer o laudo de Encontro de Cadáver, transladar o defunto para ser examinado pelos médicos legistas visando a expedição do auto de corpo de delito, bem como, intimar as testemunhas para irem depor em Manhuaçu, sede da comarca.

Chegando naquela cidade, deparou com um corpo em decúbito dorsal no meio da rua e uma cédula de identidade caída sobre ele, perdida que fora pelo assassino. Na cintura da vitima estava uma pequena faca com cabo de madeira e não medindo mais do que uns oito centímetros de lâmina, que era usada para cortar couro ou fumo, tendo sido apreendida para juntada aos autos.

Feito os exames periciais, o "de-cujus" foi entregue aos médicos para posteriores exames e entrega aos parentes para o sepultamento.

Naquele momento, um dos seus comandados o informou de que não tinha conseguido nenhuma testemunha ocular do delito, mesmo ele tendo ocorrido por volta de 08:00 horas da manhã, com a rua, que era central, tendo vários passantes, inclusive, professores e escolares à caminho dos educandários.

Nervoso, por não conseguir uma testemunha ocular, Baracho foi até ao prefeito e disse a ele que, ao retornar a Manhuaçu, iria dizer ao delegado, ao juiz, comando do batalhão e a imprensa, que naquela cidade podia-se matar até durante o dia que ninguém se importava.

O prefeito o respondeu:

"Aguarde uns minutos na delegacia que as testemunhas o irão procurar!"

Momentos depois, uma leva de mais de dez pessoas adultas e idôneas se apresentaram como testemunhas, sendo anotada algumas, após uma breve triagem elaborada por Baracho e os seus companheiros.

Segundo ficou apurado no inquérito, o crime foi praticado sem dar defesa a vítima e o assassino ainda se debruçou sobre ela para ver se ainda respirava, perdendo, daquela forma, a sua identidade, que caiu sobre a vítima e passando a fazer parte dos autos.

Na defesa do assassino, já na fase judicial, estava o advogado J. Mansur que era e é um excelente advogado criminalista.

No dia do julgamento, o promotor titular que dera a denúncia não estava presente por razões que não se sabe, e foi substituído por um de uma vizinha cidade que fez a acusação completamente desconexa com os autos demonstrando, claramente, não ter lido bem o processo.

Baracho assistia ao julgamento e conhecia bem do feito por ter sido o escrivão na fase policial.

O promotor limitava-se a dizer, várias vezes, que a pequena faca encontrada com a vítima não servia para ferir ninguém, o mais que ela poderia ferir um ser humano era para tirar-lhe um "bicho de pé".

O advogado de defesa não pediu aparte em nenhum momento, o que causou estranheza a todos, porque não era o seu costume assim proceder, ao ponto do MM. juiz ter feito um comentário à respeito perguntado se ele estava passando mal. O advogado respondeu que estava bem e continuou calado.

Assistindo ao julgamento, Baracho sabia a razão do silêncio do advogado, isso, porque a acusação falava sem nenhum estribo nos fatos, limitando-se a querer considerar a faca como inoperante.

Acabada a acusação, foi dada a palavra ao advogado de defesa que alegou ter a vitima seduzido uma irmã do acusado há uns treze meses, não havendo aparte, passado algum tempo, disse que a sedução ocorrera há treze dias, silêncio do promotor e, depois de mais uns minutos, o advogado disse que a vitima seduzira a irmã do assassino na mesma semana do crime.

Naquele momento, o promotor fez um infeliz aparte dizendo:

"A defesa está muito interessada em colocar o acusado como tendo uma irmã vítima de sedução, sabendo ele, como nós sabemos que, atualmente, as mulheres estão seduzindo os homens muito mais do que sendo seduzidas, basta olhar em nossas ruas: a maioria delas com mini saias provocantes".

Silêncio geral, em razão de a platéia ter muitas mulheres e o tribunal do Júri contar com três senhoritas.

O advogado de defesa calou-se por uns minutos colocando todos na expectativa, a cada segundo, ele ficava mais vermelho como se estivesse ficando sem ar ou ao ponto de ter um desmaio, sendo de cor clara, ele foi ficando cada vez mais vermelho, entretanto... Calado!.

Quando o juiz ia interferir, o advogado desceu da tribuna com a pequena faca encontrada com a vítima, com ela em punho, avançou na direção do promotor, sentado em um lugar mais alto ao lado do juiz, tudo isso com um silêncio que poderia ouvir-se o zumbido de uma mosca. Passo a passo, suando e vermelho, o advogado foi-se aproximando do representante do Ministério Público com a faca empunhada e a lâmina voltada para o mesmo, naquele momento, o promotor deu um pulo para trás e... Caiu da cadeira e do estrado onde estava.

Uma sonora gargalhada foi dada pelo advogado, logo seguida por todos que presenciavam o julgamento.

O juiz teve que intervir dando várias marteladas na mesa, com a paz e o silêncio retornando ao tribunal.

Acalmados a todos, o juiz perguntou ao advogado o que queria provar com seu ato, e o advogado lhe respondeu:

"Imagine o senhor e os jurados, dois advogados como eu o sou e o promotor também o é, pessoas bem educadas e com curso superior e passado ilibado. Bastou um deles ficar vermelho e avançar sobre o outro com uma faca que mal serve para tirar bicho de pé, para o promotor ter tanto medo ao ponto de cair da cadeira, calculem os senhores, um pobre caipira como reagiria".

O promotor, por não ter estudado bem o inquérito, nem atentou para o detalhe de que a faca fora encontrada na cintura da vitima já morta, o que não justificaria o seu assassinato.

Com tantas falhas da promotoria e a perspicácia do advogado, o assassino foi absolvido pelo tribunal do júri e Baracho, que tanto trabalhara no inquérito, ficou decepcionado.

Sebastião Antônio Baracho Baracho
Enviado por Sebastião Antônio Baracho Baracho em 19/05/2007
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