CONTESTAÇÃO - INÉPCIA DA INICIAL - ABSOLVIÇÃO SUMARIA

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 2ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE SANTANA/AP.

AUTOS: 0003319-83.1998.8.03.0002

2ª VARA CRIMINAL DE SANTANA - SANTANA

CRIMINAL / CRIMINAL

Partes

Parte Autora MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO AMAPÁ

Parte Ré RENATO MACIEL DE ALMEIDA

RENATO MACIEL DE ALMEIDA, já qualificado nos autos do processo em epigrafe, por seu advogado constituído, (instrumento de procuração em anexo), vem à douta presença de Vossa Excelência apresentar:

CONTESTAÇÃO

com fulcro no artigo 396, do Código de Processo Penal (CPP), conforme fatos e fundamentos a seguir delineados

I – DOS FATOS

No ultimo pretérito dia 04 de fevereiro de 2015, em sua residência, na Cidade de Santarém, o peticionante foi preso, por efeito do mandado de prisão preventiva, deste juízo, em feito que corre desde 1998.

Alega o parquet, que o peticionante, havia cometido crime previsto no artigo 158, 1º, do CP, e que evadiu-se do distrito da culpa. Encontra-se recolhido atualmente na Penitenciaria Agrícola Silvio Hall de Moura, em Santarém/PA, onde permanece até a presente data, à disposição da Justiça.

SINTESE DOS FATOS:

________________________________________

AD ARGUMENTANDUM TANCTUM

(...)

A DENUNCIA E UMA FALACIA, FANTASIOSA, COMO TODAS as informações colhidas nos autos.

Da simples leitura da peça acusatória, ver-se que a figura da extorsão, jamais poderia ter existido, pois a denuncia narra em tese, uma historia de que a vitima, teria sido ameaçada suspostamente pelo autor, para que pagasse uma divida, que teria sido paga parte em tese, pelo pai da vitima.

Na verdade, a historia contada pela vitima, só demonstra, sua desvirtuação de caráter. O negocio entre as partes EXISTIU, mas, não envolveu nenhum IZAIAS, JOSE ANTONIO comprou a câmara de RENATO, com o compromisso de pagar a divida junto a loja, o que acabou não fazendo, pagando apenas algumas parcelas.

Em momento algum, como DIZ A DENUNCIA, “o denunciado mais três elementos, ATRAIRAM A VITIMA para um lugar ermo da cidade, o encapuzaram, colocaram-no em um TAXI, E O AMEAÇARAM DE MORTE, CASO NÃO ENTREGASSEM 5.000,00 REAIS a RENATO”

Como alguém e atraído para um lugar ermo da cidade ainda mais sabendo (como narra a denuncia), que iria encontrar-se com um desafeto?, como é a narrativa do caso.

E MAIS, onde um TAXISTA iria aceitar ser cumplice de um crime? Iria permitir que CINCO homens entrassem em seu carro com um encapuzado?, e mais como quatro homens, caberiam na parte traseira de um taxi, já que eram três algozes, mais RENATO, mais a vítima, mas o motorista do taxi? Que TAXI E ESSE.?

Essa historia não se sustenta, é fantasiosa, fruto de um trabalho mal feito, por uma policia mal aparelhada, e fruto de uma denuncia fantasiosa.

Para que exista o crime de extorsão, é necessário que haja vantagem indevida, qual a vantagem que Renato obteve com isso, já que JOSE, não pagou as prestações que se comprometera?

Conforme exposto no artigo 158 do CP, até porque a tipificação na área penal não pode gerar dúvida, comete crime de extorsão, àquele que através de violência ou ameaça obriga alguém a fornecer vantagem econômica para si ou para outrem.

AS PARCELAS, que José alega ter pago, foram as parte do acordo que ele cumpriu, depois nada mais, tendo Renato, assumido sua responsabilidade como credor.

O réu mudou-se de SANTANA/AP, em fim de 1999, quando veio trabalhar em Santarém/PA. O réu é marítimo, possui uma empresa em seu nome, é eleitor, seus cadastros constam dos bancos de dados oficiais, em momento algum, o réu, escusou, ou fugiu do local da culpa.

O réu JAMAIS foi procurado pela autoridade policial, jamais manifestou-se nos autos, pois se quer foi intimado para tal ato.

DA INEPCIA DA DENUNCIA.

(...)

Assim, a denúncia é o ato processual por meio do qual o Estado-Administração, pelo seu órgão competente, que é o Ministério Púbico, dirige-se ao Juiz, dando-lhe conhecimento de um fato que reveste os caracteres de infração penal e manifestando a vontade de ver aplicada a sanctio júris ao culpado.

Comungando do mesmo entendimento, porém de forma um pouco mais abrangente, Hidejalma Muccio formulou o seguinte conceito de denúncia:

A denúncia constitui o ato processual escrito ou oral do órgão do Ministério Público que, em nome do Estado-Administração, nos crimes de ação penal pública, seja incondicionada, ou condicionada à requisição do Ministro da Justiça, ou à representação do ofendido ou de quem legalmente o represente, desde que presente a condição (representação ou requisição), invoca perante o Estado-Juiz a prestação da tutela jurisdicional, deduzindo-lhe com observância dos requisitos previstos no art. 41 do Código de Processo Penal e demais outros decorrentes do próprio ordenamento jurídico processual penal, a pretensão punitiva, dano início à ação (ao processo) contra o autor da infração penal, objetivando sua responsabilização e a aplicação do Direito Penal objetivo.

Deocleciano Torrieri Guimarães conceitua a denúncia como sendo o “ato de imputar a alguém a prática de uma infração penal”.

Para Julio Fabbrini Mirabete:

A denúncia é uma exposição, por escrito, de fatos que constituem em tese um ilícito penal, ou seja, de fato subsumível[28] em um tipo penal, com a manifestação expressa da vontade de que se aplique a lei penal a quem é presumivelmente seu autor e a indicação das provas em que se alicerça a pretensão punitiva.

Utilizando-se de analogia ao Direito Civil, José Frederico Marques explica que “a denúncia está para a ação penal pública como a petição inicial para a ação civil. Uma e outra constituem o instrumento formal da apresentação do pedido em juízo para ser dado início à ação” instaurando-se, após a citação do acusado, a instância ou relação processual.

Por fim, de forma concisa e não mesmos precisa, Fernando Capez, ensina que a denúncia é a peça acusatória iniciadora da ação penal, contendo a exposição, por escrito, dos fatos que, em tese, constituem ilícito penal, além da manifestação expressa da vontade de que se aplique a lei penal ao presumível autor dos fatos e a indicação das provas em que se alicerça a pretensão punitiva.

Assim, apesar de sucinta, a denúncia deve conter todos os dados para que seja possível ao leitor entender o que se passou, bem como as circunstâncias através das quais o delito foi cometido.

O Código de Processo Penal, em seu artigo 41, expõe os requisitos indispensáveis para a elaboração da denúncia. De acordo com o mencionado artigo, a denúncia deve conter “a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.”

São requisitos essenciais: a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias, bem como a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo.

A denuncia padece de seus elementos essenciais, a denuncia se quer, qualifica o acusado, se quer diz, quando onde e como deu-se a violência, quais os elementos de prova, a existência ou não do dolo, a denuncia, nada disso traz, limita-se a narrar um fato fantasioso, sem qualquer segurança, sem qualquer prova, sem qualquer indicio, se não, os colhidos em um malfado inquérito policial, que entre o fato e a denuncia, ofertada pelo parquet, demorou 08 meses. DEVENDO SER REJEITADA IN TOTUM.

Nesse sentido a jurisprudência:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. IMPUTAÇÃO DA PRÁTICA DOS DELITOS DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO, EM CONCURSO MATERIAL. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. RECURSO MINISTERIAL OBJETIVANDO O RECEBIMENTO DA EXORDIAL, SOB A ALEGAÇÃO DE PREENCHIMENTO DE TODOS OS REQUISITOS EXIGIDOS PARA A DEFLAGRAÇÃO DA AÇÃO PENAL. 1. Denúncia que não esclarece, de forma mínima, as condutas supostamente perpetradas pelos recorridos, sequer indicando quem estaria portando a substância entorpecente, limitando-se a mencionar que ¿os policiais avistaram cinco pessoas descendo uma trilha¿ e que ¿ao ser procedida revista pessoal, foram encontrados os entorpecentes apreendidos¿, e atribuindo aos três recorridos a conduta de ¿trazerem consigo os entorpecentes para fins de tráfico¿, bem como a prática do delito de associação para o mesmo fim. 2. É cediço que em crimes de autoria coletiva os Tribunais Superiores vêm admitindo a chamada denúncia geral. A denúncia geral, porém, não se confunde com denúncia genérica, sendo imprescindível a narrativa do fato e da participação concreta dos acusados, a fim de possibilitar o exercício pleno do contraditório e da ampla defesa, o que não ocorreu no caso em tela. 3. Além disso, não se verifica, no presente caso, justa causa para a deflagração da ação penal, pois a imputação do porte de substância entorpecente, de forma conjunta pelos recorridos, bem como a associação destes para a atividade de traficância não encontra guarida nos elementos coligidos em fase inquisitorial. 4. Assim, correta a rejeição da exordial, seja diante da inexistência de substrato probatório mínimo para a deflagração da ação penal em desfavor dos recorridos, seja em razão de sua inépcia, devendo a decisão, portanto, ser mantida. RECURSO MINISTERIAL CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ-RJ - RSE: 00019342820138190003 RJ 0001934-28.2013.8.19.0003, Relator: DES. PAULO DE OLIVEIRA LANZELLOTTI BALDEZ, Data de Julgamento: 17/07/2014, QUINTA CAMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 07/11/2014 13:54)

A DENUNCIA FALA DE PELO MENOS CINCO PESSOAS ( O REU, TRES ESTRANHOS E UM MOTORISTA DE TAXI), porem, só o réu responde a ação penal, sem que contudo, reitero, tenha sido se quer qualificado, ou que conste os motivos a narrativa do fato in concreto, indícios, ou provas da culpabilidade, SO A PALAVRA DO REU.

As testemunhas arroladas, podem, presenciaram a suposta violencia que a vitima alega ter sofrido? CLARO QUE NÃO.

NÃO EXISTE NOS AUTOS PROVA DO DELITO, somente as alegações da vitima, um mitômano como já vimos.

Trago decisão monocrática, da Lavra do Eminente Ministro Celso De Mello, do Pretório STF, nos autos HC93.033/RJ.

EMENTA: “HABEAS CORPUS”. JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CONSOLIDADA QUANTO À MATÉRIA VERSADA NA IMPETRAÇÃO. POSSIBILIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE O RELATOR DA CAUSA DECIDIR, MONOCRATICAMENTE, A CONTROVÉRSIA JURÍDICA. COMPETÊNCIA MONOCRÁTICA DELEGADA, EM SEDE REGIMENTAL, PELA SUPREMA CORTE (RISTF, ART. 192, “CAPUT”, NA REDAÇÃO DADA PELA ER Nº 30/2009). AUSÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE.

FALSIDADE IDEOLÓGICA E FRAUDE PROCESSUAL. PRETENDIDA NULIDADE DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE IMPUTAÇÃO DE COMPORTAMENTO ESPECÍFICO E INDIVIDUALIZADO AO PACIENTE. INEXISTÊNCIA, AINDA, DE DADOS PROBATÓRIOS MINÍMOS QUE VINCULEM O PACIENTE AOS EVENTOS DELITUOSOS. INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS FIXADOS PELO ART. 41 DO CPP. PEÇA ACUSATÓRIA QUE NÃO SATISFAZ, PLENAMENTE, AS EXIGÊNCIAS LEGAIS. INÉPCIA DA DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE DO EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA. RELAÇÃO ENTRE ACUSAÇÃO PENAL E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE REGEM, CONFORMAM E LIMITAM A ATIVIDADE PERSECUTÓRIA DO ESTADO. RECONHECIMENTO DE QUE HOUVE, NO CASO, TRANSGRESSÃO AO DEVER ESTATAL DE PRODUZIR ACUSAÇÃO JURIDICAMENTE IDÔNEA, PROCESSUALMENTE APTA E FORMALMENTE PRECISA. EXTINÇÃO ANÔMALA DO PROCESSO PENAL CONDENATÓRIO. DOUTRINA. PRECEDENTES. PEDIDO DEFERIDO.

(...)

Trata-se de “habeas corpus” impetrado contra decisão, que, emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, encontra-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 21):

“‘HABEAS CORPUS’ – CRIMES DOS ARTIGOS 299 E 347, DO CÓDIGO PENAL, EM CONCURSO DE AGENTES – INÉPCIA DA DENÚNCIA – INOCORRÊNCIA – DENÚNCIA EM PARTE GERAL – NARRATIVA SATISFATÓRIA DA CONDUTA IMPUTADA À PACIENTE – INÉPCIA DA DENÚNCIA – IMPOSSIBILIDADE – ORDEM DENEGADA.

I - É geral, e não genérica, a denúncia que atribui à mesma conduta a todos os denunciados, desde que seja impossível a delimitação dos atos praticados pelos envolvidos, isoladamente, e haja indícios de acordo de vontades para o mesmo fim.

II - É impossível a alegação de constrangimento ilegal, por inépcia da denúncia, quando esta contém os requisitos necessários e possibilita ampla defesa à paciente.

III – Denegaram a ordem.”

(HC 62.591/RJ, Rel. Min. JANE SILVA - grifei)

A parte ora impetrante postula, no presente “writ” constitucional, a extinção do processo penal condenatório, em cujo âmbito se imputa, ao ora paciente, a prática dos crimes de falsidade ideológica e de fraude processual, tipificados no art. 299 e no art. 347, ambos do Código Penal.

Sustenta, o impetrante, que “(...) A imprecisão é a marca da denúncia. Esta peça não descreve qual (ou quais) teriam sido os atos concretos, praticados ou omitidos pelo paciente, limitando-se a empregar os verbos (núcleos do tipo) sempre na 3ª pessoa do plural (...)” (fls. 05).

(...)

Entendo assistir razão ao ora impetrante.

Não se desconhece que a simples instauração da “persecutio criminis in judicio” não constitui, só por si, situação caracterizadora de injusto constrangimento, notadamente quando iniciada por peça acusatória consubstanciadora de descrição fática cujos elementos se ajustem, ao menos em tese, ao tipo penal.

Impõe-se, no entanto, que a peça acusatória, ao veicular certa imputação penal, encontre suporte em elementos informativos que permitam, ainda que minimamente, a verificação da possível ocorrência de delito, qualquer que seja este, atribuído ao acusado, trate-se de denunciado, cuide-se de querelado.

Isso significa, portanto, que, ainda que a conduta descrita na peça acusatória possa ajustar-se, em tese, ao preceito primário de incriminação, mesmo assim esse elemento não bastará, só por si, para tornar viável e admissível a imputação penal consubstanciada em queixa-crime ou em denúncia, conforme o caso.

Se é certo, de um lado, que não se revela imprescindível o inquérito policial ao oferecimento de denúncia ou de queixa-crime, não é menos exato, de outro, que, sem dados probatórios mínimos, que revelem a existência de uma necessária base empírica, torna-se absolutamente inviável o processamento da ação penal condenatória.

Não foi por outra razão que esta Suprema Corte reconheceu impor-se, à parte acusadora, o ônus de demonstrar, mediante elementos mínimos de informação (RTJ 182/462, Rel. Min. MOREIRA ALVES – Inq 112/SP, Rel. Min. RAFAEL MAYER), os dados de convicção, que, ao sugerirem a possível ocorrência dos fatos narrados na peça acusatória, indiquem a viabilidade do próprio processo penal de condenação:

“INQUÉRITO. CRIME DE ASSÉDIO SEXUAL. RECEBIMENTO DE QUEIXA-CRIME. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS MÍNIMOS DE PROVA. QUEIXA-CRIME REJEITADA.

Para o recebimento de queixa-crime é necessário que as alegações estejam minimamente embasadas em provas ou, ao menos, em indícios de efetiva ocorrência dos fatos. Posição doutrinária e jurisprudencial majoritária.

Não basta que a queixa-crime se limite a narrar fatos e circunstâncias criminosas que são atribuídas pela querelante ao querelado, sob o risco de se admitir a instauração de ação penal temerária, em desrespeito às regras do indiciamento e ao princípio da presunção de inocência.

Queixa-crime rejeitada.”

(RTJ 194/105-106, Rel. Min. NELSON JOBIM, Pleno - grifei)

Cumpre ressaltar, neste ponto, que esse entendimento - que põe em destaque a importância e a necessidade do controle judicial dos requisitos legitimadores da instauração da “persecutio criminis” - reflete-se no magistério de autorizados doutrinadores (JOSÉ FREDERICO MARQUES, “Elementos de Direito Processual Penal”, vol. II/200-201, item n. 349, 2ª ed., 2000, Millennium; FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, “Código de Processo Penal Comentado”, vol. 1/121, 4ª ed., 1999, Saraiva; JULIO FABBRINI MIRABETE, “Código de Processo Penal”, p. 188, 7ª ed., 2000, Atlas).

Tendo em vista a natureza dialógica do processo penal acusatório, hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático (JOSÉ FREDERICO MARQUES, “O Processo Penal na Atualidade”, “in” “Processo Penal e Constituição Federal”, p. 13/20, 1993, APAMAGIS/Ed. Acadêmica), não se pode desconsiderar, na análise do conteúdo da peça acusatória - conteúdo esse que delimita e que condiciona o próprio âmbito temático da decisão judicial -, que o sistema jurídico vigente no Brasil impõe, ao Ministério Público, quando este deduzir determinada imputação penal contra alguém, a obrigação de expor, de maneira individualizada, a participação das pessoas acusadas da suposta prática de infração penal, a fim de que o Poder Judiciário, ao resolver a controvérsia penal, possa, em obséquio aos postulados essenciais do direito penal da culpa e do princípio constitucional do “due process of law”, e sem transgredir esses vetores condicionantes da atividade de persecução estatal, apreciar a conduta individual do réu, a ser analisada, em sua expressão concreta, em face dos elementos abstratos contidos no preceito primário de incriminação.

É por essa razão que o Supremo Tribunal Federal, por mais de uma vez (RTJ 64/342), já decidiu que “Não é essencial ao oferecimento da denúncia a instauração de inquérito policial, desde que a peça-acusatória esteja sustentada por documentos suficientes à caracterização da materialidade do crime e de indícios suficientes da autoria” (RTJ 76/741, Rel. Min. CUNHA PEIXOTO - grifei).

Cumpre ter presente, desse modo, que se impõe, ao Estado, no plano da persecução penal, o dever de definir, com precisão, a participação individual dos autores de quaisquer delitos.

O Poder Público, tendo presente a norma inscrita no art. 41 do Código de Processo Penal, não pode deixar de observar as exigências que emanam desse preceito legal, sob pena de incidir em grave desvio jurídico-constitucional no momento em que exerce o seu dever-poder de fazer instaurar a “persecutio criminis” contra aqueles que, alegadamente, transgrediram o ordenamento penal do Estado.

Não foi por outra razão que o Supremo Tribunal Federal, em decisão de que foi Relator o saudoso Ministro BARROS MONTEIRO, deixou consignada expressiva advertência sobre o tema ora em exame (RTJ 49/388):

“‘Habeas Corpus’. Tratando-se de denúncia referente a crime de autoria coletiva, é indispensável que descreva ela, circunstanciadamente, sob pena de inépcia, os fatos típicos atribuídos a cada paciente. Extensão deferida, sem prejuízo do oferecimento de outra denúncia, em forma regular.” (grifei)

Essa orientação, que reputa ser indispensável a identificação, pelo Estado, na peça acusatória, da participação individual de cada denunciado, tem, hoje, o beneplácito de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal (HC 80.549/SP, Rel. Min. NELSON JOBIM - HC 85.948/PA, Rel. Min. AYRES BRITTO – RHC 85.658/ES, Rel. Min. CEZAR PELUSO, v.g.):

“1. ‘Habeas Corpus’. Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei no 7.492, de 1986). Crime societário. 2. Alegada inépcia da denúncia, por ausência de indicação da conduta individualizada dos acusados. 3. Mudança de orientação jurisprudencial, que, no caso de crimes societários, entendia ser apta a denúncia que não individualizasse as condutas de cada indiciado, bastando a indicação de que os acusados fossem de algum modo responsáveis pela condução da sociedade comercial sob a qual foram supostamente praticados os delitos. Precedentes: HC nº 86.294-SP, 2ª Turma, por maioria, de minha relatoria, DJ de 03.02.2006; HC nº 85.579-MA, 2ª Turma, unânime, de minha relatoria, DJ de 24.05.2005; HC nº 80.812-PA, 2ª Turma, por maioria, de minha relatoria p/ o acórdão, DJ de 05.03.2004; HC nº 73.903-CE, 2ª Turma, unânime, Rel. Min. Francisco Rezek, DJ de 25.04.1997; e HC nº 74.791-RJ, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 09.05.1997. 4. Necessidade de individualização das respectivas condutas dos indiciados. 5. Observância dos princípios do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), da ampla defesa, contraditório (CF, art. 5º, LV) e da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III). Precedentes: HC nº 73.590-SP, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 13.12.1996; e HC nº 70.763-DF, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 23.09.1994. 6. No caso concreto, a denúncia é inepta porque não pormenorizou, de modo adequado e suficiente, a conduta do paciente. 7. ‘Habeas corpus’ deferido.”

(HC 86.879/SP, Rel. p/ o acórdão Min. GILMAR MENDES -grifei)

“‘HABEAS CORPUS’ - CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL – RESPONSABILIDADE PENAL DOS CONTROLADORES E ADMINISTRADORES DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS – LEI Nº 7.492/86 (ART. 25) – DENÚNCIA QUE NÃO ATRIBUI COMPORTAMENTO ESPECÍFICO AO DIRETOR DE CÂMBIO DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE O VINCULE, COM APOIO EM DADOS PROBATÓRIOS MÍNIMOS, AO EVENTO DELITUOSO – INÉPCIA DA DENÚNCIA - PEDIDO DEFERIDO.

PROCESSO PENAL ACUSATÓRIO - OBRIGAÇÃO DE O MINISTÉRIO PÚBLICO FORMULAR DENÚNCIA JURIDICAMENTE APTA.

O sistema jurídico vigente no Brasil - tendo presente a natureza dialógica do processo penal acusatório, hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático – impõe, ao Ministério Público, a obrigação de expor, de maneira precisa, objetiva e individualizada, a participação das pessoas acusadas da suposta prática da infração penal, a fim de que o Poder Judiciário, ao resolver a controvérsia penal, possa, em obséquio aos postulados essenciais do direito penal da culpa e do princípio constitucional do ‘due process of law’, ter em consideração, sem transgredir esses vetores condicionantes da atividade de persecução estatal, a conduta individual do réu, a ser analisada, em sua expressão concreta, em face dos elementos abstratos contidos no preceito primário de incriminação. O ordenamento positivo brasileiro repudia as acusações genéricas e repele as sentenças indeterminadas.

A PESSOA SOB INVESTIGAÇÃO PENAL TEM O DIREITO DE NÃO SER ACUSADA COM BASE EM DENÚNCIA INEPTA.

A denúncia - enquanto instrumento formalmente consubstanciador da acusação penal - constitui peça processual de indiscutível relevo jurídico. Ela, antes de mais nada, ao delimitar o âmbito temático da imputação penal, define a própria ‘res in judicio deducta’.

A peça acusatória, por isso mesmo, deve conter a exposição do fato delituoso, em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias. Essa narração, ainda que sucinta, impõe-se ao acusador como exigência derivada do postulado constitucional que assegura, ao réu, o exercício, em plenitude, do direito de defesa. Denúncia que não descreve, adequadamente, o fato criminoso e que também deixa de estabelecer a necessária vinculação da conduta individual de cada agente ao evento delituoso qualifica-se como denúncia inepta. Precedentes.

PERSECUÇÃO PENAL DOS DELITOS CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO – PEÇA ACUSATÓRIA QUE NÃO DESCREVE, QUANTO AO ADMINISTRADOR DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, QUALQUER CONDUTA ESPECÍFICA QUE O VINCULE AO EVENTO DELITUOSO – INÉPCIA DA DENÚNCIA.

- A mera invocação da condição de diretor em instituição financeira, sem a correspondente e objetiva descrição de determinado comportamento típico que o vincule ao resultado criminoso, não constitui fator suficiente apto a legitimar a formulação da acusação estatal ou a autorizar a prolação de decreto judicial condenatório.

A circunstância objetiva de alguém meramente exercer cargo de direção em instituição financeira não se revela suficiente, só por si, para autorizar qualquer presunção de culpa (inexistente em nosso sistema jurídico-penal) e, menos ainda, para justificar, como efeito derivado dessa particular qualificação formal, a correspondente persecução criminal em juízo.

AS ACUSAÇÕES PENAIS NÃO SE PRESUMEM PROVADAS: O ÔNUS DA PROVA INCUMBE, EXCLUSIVAMENTE, A QUEM ACUSA.

- Os princípios constitucionais que regem o processo penal põem em evidência o nexo de indiscutível vinculação que existe entre a obrigação estatal de oferecer acusação formalmente precisa e juridicamente apta, de um lado, e o direito individual à ampla defesa, de que dispõe o acusado, de outro. É que, para o acusado exercer, em plenitude, a garantia do contraditório, torna-se indispensável que o órgão da acusação descreva, de modo preciso, os elementos estruturais (‘essentialia delicti’) que compõem o tipo penal, sob pena de se devolver, ilegitimamente, ao réu, o ônus (que sobre ele não incide) de provar que é inocente.

É sempre importante reiterar – na linha do magistério jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal consagrou na matéria – que nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete, ao réu, demonstrar a sua inocência. Cabe, ao contrário, ao Ministério Público, comprovar, de forma inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5). Precedentes.”

(HC 83.947/AM, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

“1. AÇÃO PENAL. Denúncia. Deficiência. Omissão dos comportamentos típicos que teriam concretizado a participação dos réus nos fatos criminosos descritos. Sacrifício do contraditório e da ampla defesa. Ofensa a garantias constitucionais do devido processo legal (‘due process of law’). Nulidade absoluta e insanável. Superveniência da sentença condenatória. Irrelevância. Preclusão temporal inocorrente. Conhecimento da argüição em HC. Aplicação do art. 5º, incs. LIV e LV, da CF. Votos vencidos. A denúncia que, eivada de narração deficiente ou insuficiente, dificulte ou impeça o pleno exercício dos poderes da defesa, é causa de nulidade absoluta e insanável do processo e da sentença condenatória e, como tal, não é coberta por preclusão.

2. AÇÃO PENAL. Delitos contra o sistema financeiro nacional. Crimes ditos societários. Tipos previstos nos arts. 21, § único, e 22, ‘caput’, da Lei 7.492/86. Denúncia genérica. Peça que omite a descrição de comportamentos típicos e sua atribuição a autor individualizado, na qualidade de administrador de empresas. Inadmissibilidade. Imputação às pessoas jurídicas. Caso de responsabilidade penal objetiva. Inépcia reconhecida. Processo anulado a partir da denúncia, inclusive. HC concedido para esse fim. Extensão da ordem ao co-réu. Inteligência do art. 5º, incs. XLV e XLVI, da CF, dos arts. 13, 18, 20 e 26 do CP e 25 da Lei 7.492/86. Aplicação do art. 41 do CPP. Votos vencidos. No caso de crime contra o sistema financeiro nacional ou de outro dito ‘crime societário’, é inepta a denúncia genérica, que omite descrição de comportamento típico e sua atribuição a autor individualizado, na condição de diretor ou administrador de empresa.”

(HC 83.301/RS, Rel. p/ o acórdão Min. CEZAR PELUSO - grifei)

A leitura da denúncia (fls. 18/19) - peça ora questionada nesta sede processual - permite constatar, a meu juízo, que o Ministério Público, ao formular acusação imperfeita, não só deixou de cumprir a obrigação processual de promover a descrição precisa do comportamento do ora paciente, como se absteve de indicar fatos concretos que o vinculassem ao evento delituoso narrado na peça acusatória.

Tenho para mim, por isso mesmo, que, no caso presente, a ausência, na peça acusatória em questão, de individuada e detalhada descrição dos comportamentos delituosos atribuídos ao ora paciente faz emergir, desse ato processual, grave vício jurídico, de que só pode derivar, como efeito conseqüencial, séria ofensa aos “princípios da lealdade processual, do contraditório no processo penal e da defesa plena” (RTJ 33/430, Rel. Min. PEDRO CHAVES).

Cumpre ter presente, neste ponto, a advertência constante do magistério jurisprudencial desta Suprema Corte, que, ao insistir na indispensabilidade de o Estado identificar, na peça acusatória, com absoluta precisão, a participação individual de cada denunciado - e considerada a inquestionável repercussão processual desse ato sobre a sentença judicial -, observa que “Discriminar a participação de cada co-réu é de todo necessário (...), porque, se, em certos casos, a simples associação pode constituir um delito per se, na maioria deles a natureza da participação de cada um, na produção do evento criminoso, é que determina a sua responsabilidade, porque alguém pode pertencer ao mesmo grupo, sem concorrer para o delito, praticando, por exemplo, atos penalmente irrelevantes, ou nenhum. Aliás, a necessidade de se definir a participação de cada um resulta da própria Constituição, porque a responsabilidade criminal é pessoal, não transcende da pessoa do delinqüente (...). É preciso, portanto, que se comprove que alguém concorreu com ato seu para o crime” (RTJ 35/517, 534, Rel. Min. VICTOR NUNES LEAL - grifei).

Tem-se, desse modo, que se revela inepta a denúncia, sempre que - tal como no caso ocorre - a peça acusatória, sem especificar, de modo detalhado, a participação dos acusados, vem a atribuir-lhes virtual responsabilidade pelo evento delituoso.

Não custa enfatizar que, no sistema jurídico brasileiro, não existe qualquer possibilidade de o Poder Judiciário, por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas, reconhecer, em sede penal, a culpa de alguém.

Na realidade, os princípios democráticos que informam o modelo constitucional consagrado na Carta Política de 1988 repelem qualquer ato estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção nem responsabilidade criminal por mera suspeita.

Meras conjecturas sequer podem conferir suporte material a qualquer acusação estatal. É que, sem base probatória consistente, dados conjecturais não se revestem, em sede penal, de idoneidade jurídica, quer para efeito de formulação de imputação penal, quer, com maior razão, para fins de prolação de juízo condenatório.

Torna-se essencial insistir, portanto, na asserção de que, “Por exclusão, suspeita ou presunção, ninguém pode ser condenado em nosso sistema jurídico-penal”, consoante proclamou, em lapidar decisão, o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (RT 165/596, Rel. Des. VICENTE DE AZEVEDO).

Cumpre ressaltar, neste ponto, que a análise de qualquer peça acusatória impõe que, nela, se identifique, desde logo, a narração objetiva, individuada e precisa do fato delituoso, que, além de estar concretamente vinculado ao comportamento de cada agente, deve ser especificado e descrito, em todos os seus elementos estruturais e circunstanciais, pelo órgão estatal da acusação penal.

Como já precedentemente enfatizado, a imputação penal não pode ser o resultado da vontade pessoal e arbitrária do acusador (RTJ 165/877-878, Rel. Min. CELSO DE MELLO). Este, para que possa validamente formular a denúncia penal, deve ter por suporte uma necessária base empírica, a fim de que a acusação - que deve sempre narrar a participação individual de cada agente no evento delituoso - não se transforme, como advertia o saudoso Ministro OROSIMBO NONATO, em pura criação mental do acusador (RF 150/393).

Uma das principais obrigações jurídicas do Ministério Público no processo penal de condenação consiste no dever de apresentar denúncia que veicule, de modo claro e objetivo, com todos os elementos estruturais, essenciais e circunstanciais que lhe são inerentes, a descrição do fato delituoso, em ordem a viabilizar o exercício legítimo da ação penal e a ensejar, a partir da estrita observância dos pressupostos estipulados no art. 41 do Código de Processo Penal, a possibilidade de efetiva atuação da cláusula constitucional da plenitude de defesa.

Daí a advertência presente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

“O processo penal de tipo acusatório repele, por ofensivas à garantia da plenitude de defesa, quaisquer imputações que se mostrem indeterminadas, vagas, contraditórias, omissas ou ambíguas. Existe, na perspectiva dos princípios constitucionais que regem o processo penal, um nexo de indiscutível vinculação entre a obrigação estatal de oferecer acusação formalmente precisa e juridicamente apta e o direito individual de que dispõe o acusado à ampla defesa.

A imputação penal omissa ou deficiente, além de constituir transgressão do dever jurídico que se impõe ao Estado, qualifica-se como causa de nulidade processual absoluta.”

(RTJ 165/877-878, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Não se pode desconhecer que, no processo penal condenatório - que constitui estrutura jurídico-formal em cujo âmbito o Estado desempenha a sua atividade persecutória -, antagonizam-se exigências contrastantes que exprimem uma situação de tensão dialética, configurada pelo conflito entre a pretensão punitiva deduzida pelo Estado e o desejo de preservação da liberdade individual manifestado pelo réu.

A persecução penal, cuja instauração é justificada pela suposta prática de um ato criminoso, não se projeta nem se exterioriza como uma manifestação de absolutismo estatal. De exercício indeclinável, a “persecutio criminis” sofre os condicionamentos que lhe impõe o ordenamento jurídico. A tutela da liberdade, desse modo, representa uma insuperável limitação constitucional ao poder persecutório do Estado.

As limitações à atividade persecutório-penal do Estado traduzem garantias dispensadas pela ordem jurídica à preservação, pelo suspeito, pelo indiciado ou pelo acusado, do seu estado de liberdade.

Tenho salientado, nesta Corte, que a submissão de uma pessoa à jurisdição penal do Estado coloca em evidência a relação de polaridade conflitante que se estabelece entre a pretensão punitiva do Poder Público, de um lado, e o resguardo à intangibilidade do “jus libertatis” titularizado pelo réu, de outro.

A persecução penal, enquanto atividade estatal juridicamente vinculada, rege-se por padrões normativos, que, consagrados pela Constituição e pelas leis, traduzem limitações significativas ao poder do Estado. Por isso mesmo, o processo penal só pode ser concebido - e assim deve ser visto - como instrumento de salvaguarda da liberdade do réu.

A denúncia - enquanto instrumento formalmente consubstanciador da acusação penal - constitui peça processual de indiscutível relevo jurídico. Ela, antes de mais nada, ao delimitar o âmbito temático da imputação penal, define a própria “res in judicio deducta”.

A peça acusatória, por isso mesmo, deve conter a exposição do fato delituoso, descrito em toda a sua essência e narrado com todas as suas circunstâncias fundamentais. Essa narração, ainda que sucinta, impõe-se ao acusador como exigência derivada do postulado constitucional que assegura, ao réu, o exercício, em plenitude, do direito de defesa.

Em uma palavra: denúncia que não descreve, adequadamente, o fato criminoso e que também deixa de estabelecer a necessária vinculação da conduta individual de cada agente ao evento delituoso qualifica-se – como ressaltado pela jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal - como denúncia inepta (RTJ 57/389 – RTJ 163/268-269).

Essa diretriz jurisprudencial, que tem preponderado na prática processual desta Suprema Corte, nada mais reflete senão antigo e clássico magistério de JOÃO MENDES DE ALMEIDA JÚNIOR (“O Processo Criminal Brasileiro”, vol. II/183, item n. 305, 4ª ed., 1959, Freitas Bastos), eminente Professor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e Ministro deste Supremo Tribunal Federal:

“Vamos, agora, determinar as formalidades da queixa e da denúncia.

.......................................................

É uma exposição narrativa e demonstrativa. Narrativa, porque deve revelar o fato com todas as suas circunstâncias, isto é, não só a ação transitiva, como a pessoa que a praticou (‘quis’), os meios que empregou (‘quibus auxiliis’), o malefício que produziu (‘quid’), os motivos que o determinaram a isso (‘cur’), a maneira por que a praticou (‘quomodo’), o lugar onde a praticou (‘ubi’), o tempo (‘quando’). Demonstrativa, porque deve descrever o corpo de delito, dar as razões de convicção ou presunção e nomear as testemunhas e informantes.” (grifei)

Igualmente lapidar, sob esse aspecto, o magistério de ALBERTO SILVA FRANCO, eminente Desembargador paulista, para quem (RT 525/372-375):

“Num processo de tipo acusatório, não se compreende que o objeto da acusação fique ambíguo, indefinido, incerto ou logicamente contraditório, pois é ele que estabelece os limites das atividades, cognitiva e decisória, do Juiz. A este efeito do objeto da acusação é que EBERHARD SCHMIDT denominou de vinculação temática do Juiz. Este só pode ter 'como objeto de suas comprovações objetivas e de sua valoração jurídica aquele sucesso histórico cuja identidade, com respeito ao fato e com respeito ao autor, resulta da ação (...).” (grifei)

Não custa rememorar que foi em proveito da liberdade individual que se impôs, ao órgão da acusação, o dever de incluir, na denúncia, todos os elementos essenciais à exata compreensão da imputação penal deduzida contra o suposto autor do comportamento delituoso.

Essa obrigação processual do Ministério Público – insista-se - guarda íntima conexão com uma garantia fundamental outorgada pela Constituição da República em favor daqueles que sofrem, em juízo, a persecução penal movida pelo Estado: a garantia da plenitude de defesa.

É por essa razão que VICENTE GRECO FILHO (“Manual de Processo Penal”, p. 64, 1991, Saraiva), ao versar o tema referente aos princípios constitucionais que regem o processo penal, estabelece o nexo de indiscutível vinculação que existe entre a obrigação estatal de oferecer acusação formalmente precisa, processualmente apta e juridicamente idônea, de um lado, e o direito individual do acusado à ampla defesa, de outro:

“Outro requisito essencial à ampla defesa é a apresentação clara e completa da acusação, que deve ser formulada de modo que possa o réu contrapor-se a seus termos. É essencial, portanto, a descrição do fato delituoso em todas as suas circunstâncias. Uma descrição incompleta, dúbia ou que não seja de um fato típico penal gera a inépcia da denúncia e nulidade do processo, com a possibilidade de trancamento através de habeas corpus, se o juiz não rejeitar desde logo a inicial. Para que alguém possa preparar e realizar sua defesa é preciso que esteja claramente descrito o fato de que deve defender-se.” (grifei)

É que, se assim não for, inverter-se-á, de modo ilegítimo, no processo penal de condenação, o ônus da prova, com evidente ofensa à presunção constitucional de inocência.

Não custa enfatizar, por isso mesmo, na linha do magistério jurisprudencial consagrado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que “Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete, ao réu, demonstrar a sua inocência. Cabe, ao Ministério Público, comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5)” (RTJ 161/264-266, 265, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Torna-se relevante salientar, neste ponto, que a colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal tem censurado a formulação de denúncias ineptas, fazendo-o em decisões consubstanciadas em acórdãos assim ementados:

“‘HABEAS CORPUS’. DENÚNCIA. ESTADO DE DIREITO. DIREITOS FUNDAMENTAIS. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP NÃO PREENCHIDOS.

1 - A técnica da denúncia (art. 41 do Código de Processo Penal) tem merecido reflexão no plano da dogmática constitucional, associada especialmente ao direito de defesa. Precedentes.

2 - Denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua devida conformação, não se coadunam com os postulados básicos do Estado de Direito.

3 - Violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. Não é difícil perceber os danos que a mera existência de uma ação penal impõe ao indivíduo. Necessidade de rigor e prudência daqueles que têm o poder de iniciativa nas ações penais e daqueles que podem decidir sobre o seu curso.

4 - Ordem deferida, por maioria, para trancar a ação penal.”

(RTJ 195/126, Rel. Min. GILMAR MENDES - grifei)

“‘Habeas Corpus’. (...). 3. No caso concreto, a denúncia limita-se a reportar, de maneira pouco precisa, os termos de representação formulada pelos policiais rodoviários federais envolvidos. Não narra o ato concreto do paciente que configure ameaça ou abuso de autoridade. A peça acusatória não observou os requisitos que poderiam oferecer substrato a uma persecução criminal minimamente aceitável. 4. Na espécie, a atividade persecutória do Estado orienta-se em flagrante desconformidade com os postulados processuais-constitucionais. A denúncia não preenche os requisitos para a regular tramitação de uma ação penal que assegure o legítimo direito de defesa, tendo em vista a ausência de fatos elementares associados às imputações dos crimes de ameaça e abuso de autoridade. Precedentes: HC nº 86.424/SP, acórdão de minha relatoria, Rel. originária Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, por maioria, DJ de 20.10.2006; HC nº 84.388/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, unânime, DJ de 19.05.2006; e HC nº 84.409/SP, acórdão de minha relatoria, Rel. originária Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, por maioria, DJ de 19.08.2005. 5. Ordem concedida para que seja trancada a ação penal instaurada contra o paciente, em face da manifesta inépcia da denúncia.”

(HC 86.395/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES - grifei)

Cabe referir, finalmente, expressiva passagem do douto voto-vencido, da lavra do eminente Desembargador ROBERTO GUIMARÃES, proferido no julgamento do HC nº 2006.059.00570 (fls. 34/36), a propósito do caso ora em exame:

“1º - Ao que indicam os termos em que foi lavrada a denúncia juntada por cópia a fls. 18/20 destes autos, a acusação se baseia em um fato até agora não demonstrado em Juízo, a saber: a alegação, por parte do Sr. Odair Ferreira, de que o inventariado Hans Heinrich Schalchlin lhe teria transferido enquanto vivo, por doação, 99,95% das ações ao portador da empresa Guffoss Administradora Comercial S/A.

A denúncia chega a referir-se a uma simples ‘hipótese de o de cujus ter deixado um testamento no cofre que alugava no Citybank’.

Ora, a denúncia, em sede dos Direitos Penal e Processual, reveste-se de extrema gravidade e traz seríssimas repercussões para a pessoa e a vida do acusado. Por isso mesmo, não pode ela ter, como pano de fundo e sustentação, meras alegações, ainda não provadas cabalmente perante o respectivo Juízo de Direito, e, muito menos, trazer como argumentos meras hipóteses e não, fatos devidamente comprovados.

2º - Pelos documentos fotocopiados que instruem o presente remédio constitucional, o mencionado Sr. Odair Ferreira, ao contrário do que alega a peça acusatória ora guerreada, não obteve nenhuma vitória nas lides judiciais que propôs contra o Espólio de Hans Heinrich Schalchlin. Assim se lê na sentença proferida na ação cautelar de arrolamento de bens, a fls. 21/24; na certidão de fls. 40 quanto ao indeferimento da petição inicial em ação cautelar ‘para o fim de ser declarado (‘sic’) a inalienabilidade dos bens que integram o ativo da empresa ré’, ou seja, da Guffoss Administradora Comercial S/A; na certidão de fls. 41, noticiando a desistência homologada por sentença de ação ordinária com vistas a anular a Assembléia Geral Ordinária realizada pela referida empresa; e na certidão de fls. 42, noticiando outra desistência homologada por sentença em ação de protesto contra alienação de bens proposta em face da mesma empresa Guffoss Administradora Comercial S/A.

Em conseqüência, onde se encontra ‘a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias’ exigida pelo art. 41 do Código de Processo Penal para legitimar a propositura de uma ação penal de natureza pública em face do impetrante?

3º - Ademais, informa o documento de fls. 29 que o inventário em questão foi aberto em 1º/03/2000, enquanto que a inventariante Bárbara Cristina Stauffer somente outorgou instrumento de procuração ao ora impetrante em 04/09/2000, mais de 06 (seis) meses da abertura do inventário, lavrado o documento em Allschwil, na Suíça (vide fls. 26 e verso e 27).

Assim, jamais poderia ele ter participado da abertura do inventário de Hans Heinrich Schalchlin como afirma a denúncia de fls. 18/19.

4º - Por fim, o rito processual do inventário permite que as declarações iniciais do inventariante sejam corrigidas e até impugnadas por eventuais interessados, devidamente legitimados. Essas possibilidade e previsão processual, a meu sentir, elidem a justa causa com relação também às duas outras denunciadas.” (grifei)

Sendo assim, tendo presentes as razões expostas, e não obstante o parecer da douta Procuradoria-Geral da República, defiro o pedido de “habeas corpus”, para invalidar, desde a denúncia, inclusive, o Processo-crime nº 2004.001.144327-0, instaurado contra o paciente, ora em curso perante a 20ª Vara Criminal da comarca do Rio de Janeiro/RJ, sem prejuízo da possibilidade de o Ministério Público oferecer nova peça acusatória, desde que juridicamente idônea e processualmente apta.

Comunique-se o teor da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 62.591/RJ), ao E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (HC nº 2006.059.00570) e ao Juízo de Direito da 20ª Vara Criminal da comarca do Rio de Janeiro/RJ (Processo-crime nº 2004.001.144327-0).

Os ofícios em questão deverão ser instruídos com cópia da presente decisão.

Arquivem-se os presentes autos.

Publique-se.

Brasília, 1º de agosto de 2011.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

RESTA CLARO, que outra sorte não cabe a essa malfada denúncia, sua inépcia, razão pela qual REQUER-SE DESDE JÁ.

Da prescrição da pena in abstrato.

Pela tipificação apresentada, art. 158, 1º, do CP, a pena máxima, seria de 10 anos, mais um terço, ( paragrafo 1º), ou seja projetaria uma pena máxima de 13 anos.

Ora, estamos no campo das ilações, das especulações, e não podemos supor que o réu, será condenado a pena máxima, com todos os seus agravantes, estamos invertendo o ônus probante, e maculando a presunção de inocência, pensar desta maneira, é ser irresponsável.

A pena do tipo máxima do tipo penal e de 10 anos, o que projeto uma prescrição em 16 anos, (II, do artigo 109).

Ora do fato ocorrido, outubro de 1997, ao dia de hoje, 09.02.2015, já temos, já temos 16 anos e 04 meses, portanto, a pretensão punitiva, já foi alcançada.

O réu já foi alcançado pela prescrição, em outubro de 2014, quando fez 16 anos, do fato em tese, e não provado nos autos, que o fato teria ocorrido.

Insistir nesta lide, e como dito alhures, insistir na injusta preposição de medidas infundadas, uma vez que AS PROVAS (??), carreadas nos autos, nos remetem a uma dicotomia desnecessária ( não há prova da autoria e nem da materialidade dos fatos narrados), sequer EXAME DE CRPO DE DELITO, acostado nos autos, existe um inquérito mal feito, e irresponsavelmente denunciado pelo parquet.

Não há provas documentais, e nem testemunhais de que o acusado praticou qualquer ato contra a vítima, de forma que a ACUSAÇÃO NÃO SE SUSTENTA.

A jurisprudência e pacifica quanto a esta matéria, verbis:

AÇÃO PENAL. AMEAÇA. CONSELHEIRO DO TRIBUNAL DE CONTAS. INEXATIDÃOQUANTO À DATA DO FATO. PRESCRIÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVA DAMATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA. DENÚNCIA REJEITADA. 1. Se não há informação sobre o dia exato em que supostamente fora praticado o delito, deve ser adotada a data do protocolo da representação como termo inicial da prescrição, interpretação mais favorável e condizente com a verdade real. 2. O órgão acusador pode até dispensar o inquérito policial para oferecer denúncia, mas deve embasá-la em elementos mínimos de convicção. Exige-se, para isso, prova razoável de materialidade e mínimos indícios de autoria. 3. A repetição da mesma ameaça, ainda que a vários interlocutores, nas mesmas circunstâncias, não caracteriza continuidade delitiva. 4. Denúncia rejeitada. (STJ - APn: 596 GO 2008/0212234-0, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 03/08/2011, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 29/08/2011)

No mesmo sentido:

AÇAO PENAL ORIGINÁRIA (PROCEDIMENTO). DENÚNCIA (IMPERFEIÇAÕ FORMAL). ESTELIONATO E PECULATO (IMPERFEIÇAO MATERIAL). ATO PROCESSUAL (CONTROLE PELAS PARTES). EXERCÍCIO DA AÇAO PENAL (FALTA DE JUSTA CAUSA). DENÚNCIA (REJEIÇAO).

1. Apresentada a denúncia e respondida (seguindo-se a vista ministerial), o relator do processo, a seguir, pedirá dia à Corte Especial (dizem-no a Lei nº 8.038/90, art. 6º, e o Regimento, art. 222). É inadmissível, portanto, em caso que tal, seja reaberta, a requerimento da acusação, a investigação de ordem policial.

Trata-se, pois, de pretensão estranha inadmissível e estranha, ilícita, portanto.

2. Em tal perspectiva, também falta, e aqui faltou mesmo, à denúncia a exata exposição narrativa e demonstrativa dos fatos supostamente criminosos imperfeição tanto formal quanto material.

3. Os atos do juiz (sentenças, decisões interlocutórias e despachos) são controláveis pelas partes, por ambas as partes, obviamente, e as partes são representadas em juízo por advogados, que daqueles atos processuais podem recorrer, submetendo-os ao crivo de outros juízes.

Penalmente, pois, não são censuráveis os atos jurisdicionais o magistrado não há de ser censurado pelas suas opiniões e pelo teor das decisões que proferir (LeiComplementar nº 35/79, art. 41).

4. Falta de justa causa para o exercício da ação penal.

5. Questão de ordem suscitada pelo Relator e acolhida pela Corte no sentido de serejeitar a denúncia relativamente à denunciada de competência especial.”

(APn .512/ES, Rel. Ministro NILSON NAVES, CORTE ESPECIAL, julgado em07/04/2010, DJe 10/06/2010).

Ainda:

DENÚNCIA OFERECIDA CONTRA DESEMBARGADOR E MOTORISTA PELA SUPOSTA PRÁTICA DOS DELITOS DE CORRUPÇAO PASSIVA E ATIVA. DISPUTA SINDICAL. CONCESSAO DE ORDEM LIMINAR MEDIANTE PAGA. ACUSAÇAO DESPROVIDA DE SUPORTE PROBATÓRIO MÍNIMO DE INDÍCIOS QUANTO À MATERIALIDADE DO DELITO E DE SUA AUTORIA. ACUSAÇAO IMPROCEDENTE.

1. Os delitos imputados na denúncia, consistentes na suposta prática dos crimes decorrupção passiva e ativa, exigem a comprovação da autoria e da materialidade.

2. Denúncia oferecida contra desembargador e motorista de ônibus urbano sob ofundamento de que o magistrado supostamente teria deferido ordem liminar paraempossar a chapa a qual pertencia o segundo denunciado na presidência doSindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários de Manaus mediante orecebimento, em 27 de junho de 2.003, da quantia de R$(trinta mil reais), imputando aos acusados a prática das condutas previstas nos arts. 317, 1º, e 333, parágrafo único, ambos do Código Penal.

3. Materialidade do delito consubstanciada no valor sacado e supostamente entregue, infirmada pelo documento de fls. 400, consistente na cópia autentica do comprovante de saque efetivado no dia 16 de maio de 2003, no valor de R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais), de conta-corrente administrada pela Caixa econômica Federal - CEF, de titularidade do Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários de Manaus, denotando, à toda evidência, e com expressiva perplexidade, que o responsável pela aludida transação foi Francisco Robério Pires, juntamente com Jânio da Costa Pereira, este não identificado nestes autos e aquele justamente o autor da representação contra o Desembargador JOVALDO SANTOS AGUIAR, e requerente da chapa adversa àquela que o imputado FRANCISCO PEDRO AMARAL teria sido beneficiado por corrupção (fls. 398, 400 e 407).

4. Conjunto probatório que manifestamente desempara a denúncia do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, quer quanto à data da efetivação do ilícito, que, segundo a notícia crime, teria ocorrido no dia 14 de maio de 2003 (fls. 02/04), seja quanto ao valor sacado, no montante de 30.000,00 (trinta mil reais) conforme a exposição do Parquet e, principalmente, quanto à autoria do saque.

5. Prova oral uníssona sobre não ter havido a referida "conversa" acerca da liminar obtida mediante corrupção, sendo certo que o cheque foi sacado exatamente pela parte requerente da notitia criminis.

6. Outrossim, a despeito da decisão acerca da prevenção poder configurar a figuraindesejável do crime de exegese, a Suprema Corte confirmou o decisum exarado pelo denunciado, mantendo a chapa encabeçada pelo co-acusado na Diretoria doSindicato.

7. A denúncia revela-se carente de suporte probatório mínimo capaz de demonstrar indícios da materialidade do ato delituoso e de sua autoria, porquanto fundada em meras conjecturas e ilações, permitindo-se concluir que a prova não é frágil; é inexistente, reveladora da patente falta de justa causa, obstativa do oferecimento e do recebimento do libelo.

8. A justa causa para a ação penal é assim sufragada pela autoridade da doutrinapátria, verbis: De outra parte, a viabilidade da pretensão punitiva é auferida em razão de provável existência de crime e respectiva autoria, a tornar possível sentença condenatória penal.

No iudicium accusationis é que se verifica se há ou não justa causa para o exercício da ação penal.

(...) Mutatis mutandis, é o que sucede nos processos em o Ministério Público (ou o ofendido nos casos de queixa), após as investigações policiais, ou procedimento preliminar extrajudicial, propõe a ação penal e formula a acusação: sem que verifique que o crime foi cometido e o acusado é seu provável autor não pode o juiz receber a denúncia pois faltaria interesse processual ou justa causa para o exercício da ação penal. (MARQUES, José Frederico, Tratado de Direito Processual Penal, São Paulo, Ed. Saraiva, 1980, v.II, p.74). (Grifamos) Às três condições que classicamente se apresentam no processo civil, acrescentamos uma quarta: a justa causa, ou seja, um lastro mínimo de prova que deve fornecer arrimo à acusação, tendo em vista que a simples instauração do processo penal já atinge o chamado status dignitatis do imputado. Tal arrimo de prova nos é fornecido pelo inquérito policial ou pelas peças de informação, que devem acompanhar a acusação penal (arts. 12, 39, 5º, e 46, 1º, do Código de Processo Penal).

Enquanto estas condições referem-se ao exercício da ação penal, os pressupostos processuais dizem respeito à existência do processo e à validade da relação processual. Somente com o preenchimento das condições da ação e dos pressupostos processuais é que o autor se habilita a ver julgada a sua pretensão pelo órgão jurisdicional.

(JARDIM, Afrânio Silva, Ação Penal Pública - Princípio da Obrigatoriedade, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2001, 4ª Ed., p. 37-38 ) A posição mais avençada da doutrina, e que também encontra algum respaldo na jurisprudência , admite que a justa causa diga respeito também a questões de fato. e sendo assim, vincula o recebimento da denúncia ou queixa à prova da existência material de conduta típica, na hipótese, e de indícios de o acusado seja seu autor. Ambas devem decorrer dos elementos de informação, colhidos na fase investigatória, de maneira a servir de base à acusação formulada.

Prova induvidosa da ocorrência de um fato delituoso, na hipótese, e prova ou indícios de autoria, apurados em inquérito policial ou nas peças de informação que acompanham a acusação: é neste binômio que, para esta postura, consiste ofundamento tido como indispensável para acusação, sem o qual inexiste justa causa para a instauração do processo criminal. (MOURA, Maria Threza Rocha de Assis, Justa Causa para a Ação Penal, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2001, p.241).

9. A jurisprudência da Suprema Corte também perfilha entendimento segundo o qual a ausência de suporte probatório mínimo quanto à materialidade da atividade criminosa e à autoria de sua prática admite a rejeição da denúncia; senão, vejamos: SUPOSTA PRÁTICA DO DELITO DE CORRUPÇAO ELEITORAL (CE, ART. 299) - FORMULAÇAO DE DENÚNCIA SEM APOIO EM ELEMENTOS PROBATÓRIOS MÍNIMOS - IMPUTAÇAO CRIMINAL DESVESTIDA DE SUPORTE MATERIAL IDÔNEO - INADMISSIBILIDADE - CONTROLE JURISDICIONAL PRÉVIO DA PEÇA ACUSATÓRIA - NECESSIDADE DA EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS DE CONVICÇAO MÍNIMOS QUE AUTORIZEM A ABERTURA DO PROCEDIMENTO PENAL EM JUÍZO - AUSÊNCIA, NO CASO, DE BASE EMPÍRICA QUE DÊCONSISTÊNCIA À ACUSAÇAO CRIMINAL - DENÚNCIA REJEITADA .

- A imputação penal - que não pode constituir mera expressão da vontade pessoal e arbitrária do órgão acusador - deve apoiar-se em base empírica idônea, que justifique a instauração da "persecutio criminis", sob pena de se configurar injusta situação de coação processual, pois não assiste, a quem acusa, o poder de formular, em juízo, acusação criminal desvestida de suporte probatório mínimo.

- O processo penal condenatório - precisamente porque não constitui instrumento de arbítrio e de opressão do Estado - representa, para o cidadão, expressivo meio de conter e de delimitar os poderes de que dispõem os órgãos incumbidos da atividade de persecução penal. O processo penal, que se rege por padrões normativos consagrados na Constituição e nas leis, qualifica-se como instrumento de salvaguarda da liberdade do réu, a quem não podem ser subtraídas as prerrogativas e garantias asseguradas pelo ordenamento jurídico do Estado. Doutrina. Precedentes.

- Não há justa causa para a instauração de persecução penal, se a acusação nãotiver, por suporte legitimador, elementos probatórios mínimos, que possam revelar, de modo satisfatório e consistente, a materialidade do fato delituoso e a existência de indícios suficientes de autoria do crime. Não se revela admissível, em juízo, imputação penal destituída de base empírica idônea, ainda que a conduta descrita na peça acusatória possa ajustar-se, em tese, ao preceito primário de incriminação. - Impõe-se, por isso mesmo, ao Poder Judiciário, rígido controle sobre a atividade persecutória do Estado, notadamente sobre a admissibilidade da acusação penal, em ordem a impedir que se instaure, contra qualquer acusado, injusta situação de coação processual. (Inquérito 1.978 - 0, Relator Ministro CELSO DE MELLO, Plenário, DJ de 17 de agosto de 2.007).(Grifamos).

PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇAO PENAL. ATIPICIDADE E ILEGITIMIDADE DE PARTE. MEDIDA EXCEPCIONAL. INÉPCIA DA PEÇA ACUSATÓRIA. SOCIEDADE EMPRESÁRIA. ESTELIONATO. CONCURSO DE PESSOAS. DOLO ESPECÍFICO. INVERSAO DO ÔNUS DA PROVA. ORDEM CONCEDIDA.

I - Reputa-se inepta a denúncia quando os fatos imputados aos pacientes não configuram, prima facie, crime.

II - Não cabe ao Poder Judiciário pressupor ou tecer conjecturas sobre a prática de eventual crime, mas sobre a ausência de provas cabais.

III - A abertura de sociedade empresária, por si só, representa o exercício lícito de um direito, assegurado a todos os cidadãos. IV - Ordem concedida. (HC 88.344-3, Relator Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, DJ de 23 de fevereiro de 2.007).

10. A jurisprudência emanada pela Corte Especial deste sodalício segue na mesma esteira, fazendo-se imprescindível a colação dos seguintes precedentes: AÇAOPENAL ORIGINÁRIA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. GRAVAÇAO AMBIENTAL REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES SEM O CONHECIMENTO DO OUTRO.INVESTIDA CRIMINOSA NAO CONFIGURADA. ILICITUDE DA PROVA. AFRONTA À PRIVACIDADE (ART. 5º, X, DA CF). INVESTIGAÇAO. MINISTÉRIO PÚBLICO. INQUÉRITO CIVIL E CRIMINAL. ART. 33, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LOMAN.CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE PARA SUSTENTAR O RECEBIMENTO DA EXORDIAL ACUSATÓRIA. ART. 6º DA LEI 8.038/90.

(omissis) IV - No processo penal, a exordial acusatória deve vir acompanhada de um fundamento probatório mínimo apto a demonstrar, ainda que de modo indiciário, a efetiva realização do ilícito penal por parte do denunciado. Se não houver uma base empírica mínima a respaldar a peça vestibular, de modo a torná-la plausível, inexistirá justa causa a autorizar a persecutio criminis in iudicio. Tal acontece, como in casu, quando a situação fática não está suficientemente reconstituída.

V - Acolhida a primeira preliminar relativa à ilicitude da prova obtida mediante gravação clandestina. Rejeitada a segunda preliminar referente à alegada usurpação da função da polícia judiciária pelo Ministério Público. Denúncia rejeitada por falta de justa causa. (Apn 479 - RJ, Relator Ministro FELIX FISCHER , corte Especial, DJ de 01º de outubro de 2.007). (Grifamos).

AÇAO PENAL ORIGINÁRIA. DENÚNCIA. RECEBIMENTO.

1. Emergindo da análise a presença das condições de procedibilidade para a ação penal, impõe-se o recebimento da denúncia, mesmo porque a improcedência da acusação, traduzida na falta de justa causa apenas tem lugar se a prova for tão certa e evidente, "de modo a não ser possível uma conclusão diversa daquela a que se chega." 2. Denúncia recebida. (Inq 300 - SP, Relator Ministro FERNANDO GONÇALVES, Corte Especial, DJ de 12 de maio de 2.003).

11. À luz do panorama probatório e da imputação da denúncia, o magistrado vigilante quando à defesa dos postulados constitucionais não pode dar outro destino à peça acusatória, senão a sua rejeição por improcedência da acusação.

12. Voto pela improcedência da acusação, nos termos do art. 6º, da Lei 8.038/90.”(Apn 395/AM, Rel. Ministro LUIZ FUX, CORTE ESPECIAL, julgado em 05/12/2007, DJe 06/03/2008)

Assim sendo, resta claro, que a DENUNCIA, não se sustenta, seja pela ausência de seus elementos objetivos, o que lhe impõe a renuncia, pela inépcia, seja pela falta de prova, seja pela ausência de elementos que imponham seu seguimento.

EX POSITIS, requer a Vossa Excelência PRELIMINARMENTE,

a) A revogação da prisão preventiva, com a expedição IMEDIATA DO COMPETENTE ALVARA DE SOLTURA, uma vez que o réu, encontra-se preso INJUSTAMENTE na PENITENCIARIA SILVIO HALL DE MOURA, em SANTAREM/PA.

b) SEJA DECRETADA A INEPCIA DA DENUNCIA, PELA AUSENCIA DOS ELEMENTOS NECESSARIOS, nos termos do artigo 395 do CPP, e por consequente sua REJEIÇÃO.

c) Em insistido no feito, seja o réu, INOCENTADO/ABISOLVIDO das acusações que lhe são imputadas, pela completa ausência de provas.

d) Seja juntado nos autos, OS ANTECEDENTES CRIMINAIS DO RÉU E DA PRETENSA VITIMA.

e) E, na esteira das ponderações exaustivamente passadas em desfiles e ora submetida ao crivo deste juízo, requer a mercê do Nobre Julgador, sejam acolhidas as razões- quaisquer que sejam-, para absolver sumariamente por atipicidade da conduta, o peticionante, e no mérito quando do termino da instrução processual para julgar improcedente a r. denúncia pelo crime imputado, na esfera do bocardio In dúbio pro réu, "ad argumentandum tamtum" absolvendo o paciente no teor do artigo 386, VI, tudo como obra e oportuna, necessária e esperada JUSTIÇA.

Pede deferimento.

DE SANTAREM/PA, PARA SANTANA/AP, EM 09 DE FEVEREIRO DE 2015.

ANDRE LUIZ CORREA MOTA
Enviado por ANDRE LUIZ CORREA MOTA em 09/02/2015
Código do texto: T5131308
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