Constitucionalização do Direito Processual Civil

Considerando-se o plano normativo da Carta Constitucional de 1988, no qual se encontra abrangente pauta axiológica fundamental, cumpre viabilizar sua máxima expressão buscando-se, através da adequação do Processo Civil aos novos paradigmas valorativos informadores do Estado Democrático, conferir efetividade à garantia fundamental de acesso à justiça.

1. Considerações Iniciais; 2. Repensando o Processo Civil a partir dos novos Paradigmas Constitucionais; 3. Processo Civil e Jurisdição Constitucional; 4. Deveres dos Atores Processuais face às Exigências Contemporâneas; Conclusões; Bibliografia.

1. Considerações Iniciais

No modelo estatal contemporâneo, centrado na idéia de valorização do ser humano, adquire grande relevância o direito fundamental de acesso à justiça, consectário do sistema de proteção da dignidade humana, sem cuja realização jamais seria possível pensar em tornar realidade o sonho de uma sociedade justa e solidária. Isto porque, por maior e mais cuidadosamente elaborada que seja a pauta de direitos fundamentais gravada na Constituição brasileira, pouca utilidade teria se não se conferisse posição proeminente ao direito de acesso à justiça, garantia cuja não observância acaba por esvaziar o sentido deste sistema protetivo diante da ausência de mecanismos capacitados a garantir sua realização.

É certo que normas jurídicas que estabeleçam condutas e eventuais sanções desacompanhadas de mecanismos capazes de viabilizar sua concretização, tornando efetivas as promessas de pacificação social, não são capazes de assegurar a realização do objetivo de uma vida social harmônica. Neste espaço se situa o Processo atual, entendido como um instrumento para efetivação do plano normativo, cumprindo-lhe, portanto, determinar os rumos que devem ser seguidos até que a harmonia objetivada pelo ordenamento jurídico seja efetivamente alcançada.

Questão objeto de pouquíssimo dissenso no atual momento metodológico vivenciado pelo Direito Processual Civil, e que constitui um dos pressupostos fundamentais sobre o qual se fundam as discussões acerca da efetivação do direito de acesso à justiça, é a necessidade de adequação dos procedimentos judiciais ao modelo de proteção do ser humano trazido a lume com a Constituição de 1988 e, conseqüentemente, às características mutantes da realidade social, com suas novas carências e novos litígios. Isto reafirma, por conseguinte, o elevado relevo da luta contra os entraves encontrados nas leis e na teoria processual que, muitas vezes, inviabilizam a atuação jurisdicional, tornando imprestável a tutela concedida.

O tempo certamente é um dos principais algozes do acesso à justiça, como enfatiza José Rogério Cruz e Tucci, para quem a aceleração da marcha processual representa verdadeira condição de possibilidade para a efetiva atuação das garantias constitucionais de ação e defesa, sem o que avulta-se o risco de restarem inócuas quaisquer prescrições que visem a assegurar o pleno exercício de direitos essenciais à sobrevivência digna.[2] Ser intolerante com a excessiva lentidão, que parece compor um dos elementos estruturantes do Processo tradicional, é atitude indispensável para o alcance de uma prestação jurisdicional adequada não só a satisfazer os interesses privados dos litigantes, mas também a finalidade maior que deve orientar o Processo atual: a pacificação social por meio da concretização das promessas inscritas nas normas de direito material.

O desenvolvimento de procedimentos especializados, voltados para a solução de conflitos que se revistam de características próprias, tem sido apontado como um eficiente meio para o alcance de melhor proteção dos direitos, reconhecendo-se a necessidade de oferecimento de mecanismos específicos para a operacionalização de variadas situações. É certo que os procedimentos por intermédio dos quais novas e variadas prestações são reivindicadas devem ser aptos a oferecer a melhor adequação entre as necessidades postas e os meios disponíveis para saná-las.[3] Além disso, ao mesmo tempo, busca-se aprimorar o procedimento comum, suprimindo formalidades excessivas e inserindo mecanismos que o habilitem a viabilizar o alcance de soluções mais eficazes.

Porém, não só à excessiva demora pode ser imputada a responsabilidade pela falta de efetividade da tutela jurisdicional, constituindo o tempo apenas mais um dos fatores de preocupação para os estudiosos do Processo contemporâneo.

É imperioso romper as amarras impostas por estruturas arcaicas e excessivamente formalistas do tradicional Processo, repensar os procedimentos, procurando reformá-los de modo a permitir mais ágil e eficiente atuar da jurisdição, e rever os conceitos vigentes acerca do conteúdo da tutela jurisdicional. Afinal, se o Processo deve ser instrumento eficaz de proteção das pessoas, garantia para a concretização de direitos fundamentais, imprescindível é a admissão quanto a poder ter por objeto qualquer espécie de pretensão que mereça tutela; inafastável é a obrigação de ser estruturado de forma a não se tornar um empecilho à realização dos direitos individuais ou coletivos.

Em resposta a estes clamores, representantes de vasta gama de reivindicações cuja pormenorização seria extremamente fatigante e custosa, variadas reformas na legislação processual civil brasileira e estrangeira vêm sendo efetuadas, visando ao aprimoramento de institutos e criação de novos procedimentos.

Outrossim, é imperioso notar que, ao lado das alterações legislativas, a interpretação das regras e conceitos processuais à luz dos paradigmas constitucionais fundadores de uma nova ordem estatal, centrada na dignidade humana e voltada à realização do princípio democrático, é tarefa essencial de cuja realização não podem os juristas se furtar. O aprimoramento da prestação jurisdicional, entendida sob uma ótica participativa, onde o Processo se afigura como um canal de comunicação social e participação democrática, somente pode acontecer se não se perder de mira a posição central que a Constituição e toda a sua pauta de valores fundamentais possui na atual ordem jurídica estatal.

Mostra-se, desta feita, ser um dever de todo aquele que pensa e utiliza o Processo analisar seus conceitos e normas com os olhos lavados nas límpidas águas que brotam da fonte basilar do ordenamento jurídico, tentando, assim, encontrar soluções para a falta de efetividade processual. Este papel preponderante assumido pela Constituição no modelo do Estado Democrático implica em conseqüências, como se nota destas últimas considerações, em todos os ramos do Direito, assim como nas próprias estruturas fundantes do Estado.

2. Repensando o Processo Civil a partir dos novos Paradigmas Constitucionais

É incontestável que, com o novo constitucionalismo hoje vivenciado, ao Direito foi assimilada forte carga axiológica, assumindo papel relevantíssimo os Princípios Constitucionais, os quais incidem sobre toda a ordem jurídica, em sua compreensão e aplicação. A visão contemporânea do Direito, concebida sob o cânone democrático que estrutura o Estado atual, não mais admite seu isolamento face à sociedade, suas necessidades e valores carentes de tutela. O Direito, ao absorver valores sociais fundamentais, em torno deles se estruturando, saiu da redoma onde permanecera, intangível, por longas décadas, impregnando-se com o ideal de justiça e a certeza de que somente existe para realizar um bem maior, que é servir à proteção de todo o corpo social.

Não seria possível, porém, alcançar este almejado patamar sem que se promovesse ampla revisão das regras positivadas, afirmando-se, conseqüentemente, a insuficiência do sistema erigido sob os auspícios de um modelo liberal para regulamentar as situações juridicamente relevantes. Neste espaço que se abre para a rediscussão de dogmas, regras e conceitos à luz do norte constitucional, assume o Poder Judiciário posição de absoluta prevalência, cabendo-lhe realizar, através do exercício da jurisdição constitucional, o plano social naquela traçado. Aliás, a posição preponderante conferida a este Poder no Estado Democrático é uma das razões deste existir, sendo-lhe inerente à própria essência centralizar na função jurisdicional uma carga maior de relevância, posto que a esta cumpre resguardar os fundamentos de tal modelo estatal, preservando e realizando as promessas constitucionais.[4]

Não se pode deixar de salientar que a nova ordem de forças, característica do momento constitucional presente, não faz desaparecerem ou perderem relevância as funções exercidas pelos Poderes Políticos. Assim sendo, a estes, e especialmente ao Poder Legislativo, jamais deixará de incumbir a obrigação de sanar situações que restrinjam ou inviabilizem o pleno exercício de direitos inerentes à tutela da dignidade humana.

Tendo em mira semelhante realidade, acredita-se dificilmente refutável a crença de que a evolução do Processo rumo à efetividade – buscando-se estruturá-lo como mecanismo hábil à plena realização do Direito – pode se dar por intermédio da revisão de seus conceitos e normas a partir dos referenciais extraídos dos valores, constitucionalmente amparados, voltados à proteção e realização das potencialidades humanas, oferecendo a ciência hermenêutica[5] uma via ampla e de sólido piso para a promoção dos fins sociais almejados.

Esta via, que se desenvolve paralelamente à das reformas legislativas, possibilita a permanente e rápida adequação dos procedimentos às necessidades concretas apresentadas cotidianamente, vivificando o Direito, moldando-o constantemente ao horizonte oferecido pela tábua axiológica constitucional e permitindo dar pronta resposta a novas e antigas carências que clamam por solução. Sua utilização viabiliza a supressão de vazios e incorreções na normativa infraconstitucional pela atuação inteligente e ativa dos intérpretes do Direito, empenhados “(...) em fazer com que prevaleçam os verdadeiros princípios da ordem jurídica sobre o que aparentemente poderia resultar dos textos.”[6]

A estreita submissão da atuação dos juristas aos textos legais, em cujos limites estaria contido todo o Direito, vem sendo refutada de forma cada vez mais enfática. Comentando o reacionarismo de parte da doutrina processualista italiana, após reforma constitucional leva a cabo no ano de 1999, na qual foi inserido dispositivo que afirma dever atuar a jurisdição mediante um processo regulado pela lei, Luigi Paolo Comoglio nega, com veemência, que o Processo somente possa ser justo se permanente e completamente regulado, em cada uma de suas partes, pelas normas positivas infraconstitucionais. Afirma este autor que às regras positivadas incumbe ditar as linhas gerais que orientam a atividade jurisdicional, deixando margem para a sua complementação pelo poder discricionário do julgador, diante das variadas exigências de tutela que cada controvérsia apresenta,[7] discricionariedade que, ressalte-se, não é irrestrita, subordinando-se permanentemente aos limites extraídos do plano normativo constitucional. Conclui aduzindo que se deve compreender a expressão regulado pela lei:

(...) nel senso che il processo in tanto possa comunque dirsi ‘giusto e equo’, in quanto sia ‘conforme’ ai principi ed alle garanzie fondamentali su cui si basa l’ordinamento costituzionale e processuale dello Stato di diritto (e, quindi, da tali principi e da tali garanzie possa dirsi ‘regolato’).[8]

Ganha realce, desta forma, o papel dos intérpretes e aplicadores do Direito que, no exercício de seu mister, constroem, a partir da conjunção dos textos legais com os valores que orientam todo o ordenamento jurídico, os comandos normativos. Afinal, como alerta Oscar Vilhena Vieira, “A norma, por si, é um dispositivo inerte. Necessita da intervenção humana para que sirva como uma razão para agir, para a tomada de decisão por parte daquela autoridade responsável por resolver o conflito.”[9] O que complementa Humberto Ávila, ao afirmar que não são as normas jurídicas os textos legislativos, mas os sentidos que podem ser construídos a partir de sua interpretação, consistindo no resultado da atividade hermenêutica.[10]

Interpretar, portanto, significa atribuir sentidos às palavras que compõem os textos legislativos, atividade que se processa a partir das pré-compreensões do intérprete e que tem em mira o horizonte constitucional, ou seja, o plano normativo traçado no momento constituinte. Este horizonte, por seu turno, não é algo abstrato, ao contrário, encontrando nítido delineamento na pauta de direitos fundamentais, o rol de valores relativos à realização da dignidade humana.

O sentido das normas é realizado pelos aplicadores do Direito os quais, na condição de entes interpretativos, inseridos em um contexto social e impregnados de pré-concepções, necessariamente influenciam no resultado deste trabalho construtivo, e não meramente reprodutivo. Como bem ressalta Lenio Streck, partindo das lições de Heidegger e Gadamer, o ser humano possui:

(...) uma compreensão que se antecipa a qualquer tipo de explicação. Temos uma estrutura do nosso modo de ser que é a interpretação. Por isso, sempre interpretamos. O horizonte do sentido nos é dado pela compreensão que temos de algo. O ser humano é compreender. Ele só se faz pela compreensão (...) Compreender é um existencial, que é uma categoria pela qual o homem se constitui.[11]

E na condição de ser inserido em um universo histórico e social, o intérprete (visto como o Dasein – o ser-aí, ou ser-no-mundo) sempre sofrerá influências oriundas de seus pré-conceitos e orientadas segundo suas concepções axiológicas. Sendo, portanto, o processo hermenêutico construtivo do Direito estreitamente vinculado à pessoa do intérprete, os significados encontrados a partir da adequação das regras positivadas aos valores constitucionalmente relevantes, que amoldam o tecido jurídico e lhe conferem a imprescindível legitimidade democrática,[12] necessariamente estarão submetidos à concepção do Direito, e de sua relevância social, inculcada na mente dos juristas.[13]

A superação de uma concepção liberal acerca da figura do Estado, colocado em situação de permanente conflito com o corpo social, bem como do Direito e seus mecanismos de expressão e realização, mostra-se premente. Sem que as conseqüências desta virada paradigmática se espraiem, jamais se conseguirá desenvolver uma ampla compreensão do Direito, e do Processo, que permita adequar os conceitos e textos legais que os orientam ao paradigma axiológico conformador do Estado Democrático contemporâneo, onde seja possível realizar o Processo justo e efetivo, capaz de cumprir sua função pacificadora. Afinal, como aduz Cândido Dinamarco, “Pior que uma lei velha e fiel a valores do passado é a interpretação tradicionalista e fiel aos valores do passado.”[14] Nada se caminhará adiante se continuarem, o juristas, a olhar o Processo com os olhos do velho.

Assim se justifica a defesa desta via evolutiva, que poderia ser identificada com um movimento de constitucionalização do Processo (no sentido de uma compreensão de sua dogmática à luz do paradigma constitucional e não como uma decorrência da previsão, no texto da Constituição, de alguns procedimentos civis), que constitui alternativa para a concretização de várias propostas erigidas no seio dos movimentos reformadores. Fazendo coro com Barbosa Moreira, nota-se que:

A abertura de novos horizontes e a penetração de outras luzes, de que hoje nos beneficiamos, não nos hão de tornar menos sensíveis à permanente importância do trabalho que já encontramos realizado, ou iniciado. Uma coisa é a retificação de rumos; outra, o desprezo ou o esquecimento das descobertas com que nos enriqueceu o percurso vencido.[15]

Ao alerta de Barbosa Moreira se soma o formulado por Cândido Dinamarco, sendo certo que desfazer dogmas ou reler conceitos sob um prisma evolutivo “(...) não significa renunciar a estes, ou repudiar as conquistas da ciência e da técnica do processo.”[16]

O que se advoga, que fique claro, não é o repúdio às regras positivadas ou aos conceitos tão solidamente erigidos pela dogmática processual, mas sua compreensão a partir dos novos paradigmas valorativos que afetam a todo o Direito, posto que gravados em sua pedra fundamental, de modo que não representem empecilho à plena realização dos fins sociais a este colimados. Assim procedendo, buscando-se adequar as regras processuais aos ditames que os valores constitucionais fundamentais orquestram, pode-se conferir aos jurisdicionados a garantia de que disporão de um Processo justo, capaz de produzir decisões pautadas em critérios de eqüidade, e apto a efetivamente realizar o Direito.

3. Processo Civil e Jurisdição Constitucional

O reconhecimento do caráter normativo dos Princípios de Direito, processo realizado concomitantemente à sua inscrição nos textos constitucionais, lhes conferiu papel preponderante na estruturação do ordenamento jurídico, beneficamente contaminado por estas bases conceituais, imprescindíveis à materialização das promessas de acesso à justiça e dignidade, a partir das quais forjam-se o Direito e o Estado contemporâneos.

As Constituições atuais afiguram-se como os principais receptáculos e fontes de legitimidade dos Princípios de Direito, ao mesmo tempo em que, a partir destes, se estruturam. Esta nova feição por elas assumida, adquirida especialmente após a Segunda Guerra Mundial, talvez permita conceber uma diversa justificativa para a posição preponderante que assumem nos ordenamentos jurídicos, a qual não residiria tão somente em bases formais, mas especialmente em seu conteúdo valorativo, servindo como sustentáculos lógicos, fornecedores das bases axiológicas para a edificação do corpo legislativo infraconstitucional.

A “(...) íntima conexidade entre a jurisdição e o instrumento processual na aplicação e proteção dos direitos e garantias asseguradas na Constituição” é uma decorrência direta da natureza instrumental assumida pelo Processo, funcionando como caminho para expressão do Direito e dos valores neste inseridos.[17] A função de porta voz dos clamores gravados no texto constitucional que ao Processo contemporâneo é dada implica em que se compreenda, tal qual propugna Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, não ser suficiente buscar uma mera adequação formal das regras procedimentais às normas constitucionais, impondo-se aos juristas reconhecer no Processo um eficaz mecanismo para o exercício da função jurisdicional, com reflexo direto no seu conteúdo, naquilo que é decidido pelo órgão judicial e na maneira como o Processo é por ele conduzido. Complementa o autor:

Tudo isto é potencializado por dois fenômenos fundamentais de nossa época: o afastamento do modelo lógico próprio do positivismo jurídico, com a adoção de lógicas mais aderentes à realidade jurídica, como a tópica-retórica, e a conseqüente intensificação dos princípios, sejam eles decorrentes de texto legal ou constitucional ou não.[18]

Tem-se, assim, que, ao mesmo tempo em que o Processo serve para materializar as promessas constitucionais, por elas deve ser impregnado, amoldando-se, tanto na sua forma quanto em seu conteúdo, aos parâmetros estipulados na Carta Magna para o eficaz exercício da função jurisdicional. Como já oportunamente salientado, todo o sistema de proteção da dignidade humana, consagrado na vasta pauta de direitos fundamentais inscrita na Constituição, depende de medidas concretas para ser efetivado. Estas se fazem presentes e necessárias tanto em um plano de relações intersubjetivas quanto na esfera de relações entre Estado e particulares. Nesta última, resolvem-se em práticas de natureza política, por intermédio da implementação de condições para a plena realização daqueles direitos e seus consectários, e na atuação jurisdicional, a qual entra em cena toda vez que se mostre imperativo impor, através de atos de força estatal, a observância do plano normativo.

Reafirma-se, assim, o papel fundamental exercido pelo Processo, ramo do Direito no qual se encontram os caminhos que devem ser seguidos tanto por jurisdicionados quanto pelo Estado para alcançar a restauração da integridade da ordem jurídica, rompida sempre que uma de suas normas seja violada. Ante o monopólio estatal da jurisdição, outra alternativa não resta para colocar em prática o plano constitucional, sempre que este não seja voluntariamente observado por seus destinatários. Disto é possível inferir que a ausência de uma estrutura processual, tanto normativa quanto dogmática, adequada à sua eficaz realização, permitindo concretizar a promessa constitucional de valorização e dignificação do ser humano, representa uma proteção deficiente da ordem constitucional e da dignidade humana (untermassverbot).

Estando a Constituição no centro do ordenamento estatal e concentrando-se nela os principais valores sociais de proteção à pessoa, a ordem jurídica infraconstitucional incide em vício de inconstitucionalidade sempre que restringe a máxima expressão da carga eficacial de suas normas, nulidade que decorre da violação à regra de proteção contra omissões estatais. Analisando-se o Processo sob este prisma, é possível afirmar que sua incapacidade estrutural para oferecer respostas adequadas às pretensões que se acumulam, não permitindo que se dê efetividade à pauta axiológica constitucional voltada à proteção da dignidade humana, explicita a inconstitucionalidade das regras que inviabilizem a eficaz tutela dos direitos dos jurisdicionados.

Lenio Streck explica que a proibição da proteção deficiente é uma das vertentes da regra da proporcionalidade, que se junta à sua face mais conhecida: a proibição de excessos cometidos pelo Estado. Assim é que “(...) a inconstitucionalidade pode ser decorrente de excesso do Estado, caso em que determinado ato é desarrazoado, resultando desproporcional o resultado do sopesamento entre fins e meios (...)” ou, por outro lado, “(...) a inconstitucionalidade [pode] advir de proteção insuficiente de um direito fundamental-social (...)”.[19]

Um Processo ineficaz inviabiliza o adequado resguardo dos direitos fundamentais, núcleo essencial das Constituições e do Estado Democrático, o que traz a lume a necessidade de se buscar evitar uma insuficiente proteção destes direitos, como diz Lenio Streck:

(...) caso no qual se estará em face do que, a partir da doutrina alemã, passou-se a denominar de ‘proibição de proteção deficiente’ (Untermassverbot). (...) A proibição de proteção deficiente pode ser definida como um critério estrutural para a determinação dos direitos fundamentais, com cuja aplicação pode-se determinar se um ato estatal (...) viola um direito fundamental de proteção.

A busca pela materialização do plano normativo constitucional é tarefa da qual não se podem desincumbir os juristas, sendo certo que é um dever de todos (e não só dos operadores do Direito) cuidar para que a Constituição não reste esvaziada de sentido em razão de sua pouca ou nenhuma aplicação. Ao se realizar o processo hermenêutico, atribuindo sentidos aos textos legais, é preciso ter em mira o horizonte por aquela fornecido, especialmente no que lhe compõe o núcleo essencial: os direitos fundamentais, que se identificam com os Princípios Gerais de Direito.[20]

Este exercício hermenêutico, que busca permanentemente a construção de normas jurídicas que se adequem e permitam a expressão dos valores constitucionalmente amparados, em um permanente e rico diálogo entre o plano normativo maior e as regras abstraídas do direito infraconstitucional, caracteriza a jurisdição constitucional, a qual, percebe-se desta colocação, é sempre realizada. Em outras palavras, toda vez que se interpreta um texto legal deve-se fazê-lo tendo em mira o horizonte constitucional, buscando-se aplicar e conferir afetividade à tábua axiológica que lhe confere sustentação, o que não encontra ressalva na seara processual.

Tudo isto leva à certeza de que a releitura dos conceitos e regras que compõem o Processo tradicional à luz da pauta axiológica constitucionalmente consagrada viabiliza a construção de um novo Processo, constitucionalizado, capacitado a oferecer respostas aos anseios sociais e conferir efetividade aos direitos mais nobres do ser humano.

4. Deveres dos Atores Processuais face às Exigências Contemporâneas

A natureza instrumental do Processo e a necessidade de constantemente atualizá-lo, de modo que sempre se mostre apto a cumprir suas funções essenciais, impõem sua adaptação às variadas circunstâncias fáticas que se lhe apresentam e às diversas situações jurídicas merecedoras de tutela. Esta adequação a diferentes e, por vezes, antagônicas hipóteses é uma afirmação de sua natureza instrumental e constitui característica fundamental para que se alcance a eficaz realização do direito de acesso à justiça.

No Direito atual não mais resta espaço para certezas ou conceitos intangíveis. A consagração, na física, da relatividade propugnada por Einstein em substituição à certeza do absoluto, de Newton, produziu reflexos também em outras ciências, especialmente as voltadas ao estudo das relações humanas. A ciência jurídica, portanto, não poderia restar indiferente a este novo paradigma, um dos pontos de apoio para a superação do pragmatismo positivista.

Esta constatação não passou despercebida de Barbosa Moreira, servindo seus comentários para ratificar o raciocínio apresentado:

No universo processual (...) há pouco espaço para absolutos, e muito para a interação recíproca de valores que não deixam de o ser apenas porque relativos. Nem os mais altos princípios devem ser arvorados em objetos de idolatria: para usarmos expressão em voga noutros setores, todos admitem certa dose de flexibilização.[21]

A isto se soma a concepção basilar da nova hermenêutica, já apresentada, que propugna pela dissociação entre texto e norma, reconhecendo nesta um produto da atividade construtiva do intérprete desenvolvida a partir daquele e de outros elementos, onde se destacam as pré-compreensões detidas pelo ser-no-mundo. Infere-se, desta forma, a inviabilidade de se manter vivo um dogmatismo calcado em critérios absolutos, que afirme previamente os sentidos que podem ser aos textos legais atribuídos, como se estes existissem de forma autônoma e tivessem vontade própria.

O processo de atribuição de sentido às normas jurídicas passa, necessariamente, pela sua adequação às expectativas que, legitimamente, orientam a atuação dos intérpretes, em especial os julgadores. As normas jurídicas desveladas pelo processo hermenêutico, especialmente as de natureza principiológica, dada a sua condição de preceitos que visam à realização de determinados valores, sempre devem ser a estes orientados, não se perdendo de vista, contudo, que, por vezes, tais valores podem se mostrar conflitantes com outros, cuja preservação igualmente se faça necessária. Daí porque não se poder admitir que à extensão do conteúdo axiológico dos Princípios de Direito seja conferido um caráter absoluto, incontestável, não sendo possível, em sua aplicação, deixar de ter em mira o horizonte constitucional e a necessidade de se assegurar a integridade do valor basilar do Estado Democrático: a dignidade humana.

Ao realizar, dentro do Processo, uma hermenêutica preocupada em conferir efetividade à pauta de valores constitucionais que emanam do modelo de proteção à dignidade humana, estão os atores processuais conformando este ramo do Direito ao plano normativo constitucional, aferindo a validade de suas normas à luz dos novos paradigmas oferecidos. Este trabalho de reelaboração conceitual e normativa do Processo, a partir dos parâmetros constitucionais que fixam o modelo humanista e solidarista próprio do Estado Democrático, representa exercício de uma jurisdição constitucional voltada a tornar realidade as promessas abstraídas do texto maior.

Semelhante atividade deve ser praticada por todos que, de alguma forma, tomam parte no Processo, fazendo-se viva e atual a idéia de Peter Häberle que afirma a existência de uma sociedade aberta de intérpretes da Constituição. Observar e realizar as promessas constitucionais é dever que assiste tanto aos entes públicos quanto aos particulares, em qualquer espécie de relação jurídica. No Estado Democrático, onde a Constituição figura em posição central, dela irradiando toda a restante ordem jurídica, a defesa de sua integridade é obrigação que a todos atinge, mas com muito mais ênfase à justiça constitucional. Diante da necessidade da atividade hermenêutica ser realizada à luz dos preceitos por aquela ofertados e tendo-se por certa a existência de autorização constitucional, no modelo brasileiro, para que o controle de constitucionalidade seja realizado pela via difusa, face a cada caso concreto que se apresente, impossível se torna negar o dever de todo juiz dar conta deste mister.

Assim sendo, exalta-se a função dos julgadores que, a todo momento, se vêem vinculados à verificação da constitucionalidade das normas infraconstitucionais em geral e, em especial, daquelas que possuam natureza processual, buscando, através de uma atuação inteligente e construtiva, adequá-las à (ainda) nova realidade trazida pelo projeto de Estado erigido a partir de 1988. No momento em que se encontram incumbidos do exercício da função jurisdicional, os juízes são a própria corporificação do Estado, suportando em seus ombros o enorme fardo que representa ter de lidar com o incomensurável poder àquele pertencente. Esta realidade torna premente a concepção de um sistema de freios capaz de limitar tamanha força, consistindo o Processo eficiente mecanismo de controle para a atuação estatal.

Como conseqüência deste escopo ao Processo conferido, espraiou-se a crença de que somente se lograria alcançar tal intento através da estrita submissão dos atos praticados pelos juízes a amplos e firmes critérios previamente concebidos em lei (um dos desdobramentos da cláusula do devido processo legal). Adstritos a rígidos ditames, jamais conseguiriam os julgadores ultrapassar os limites impostos à sua autoridade, resguardando-se os destinatários da atuação jurisdicional contra a possibilidade de exercício arbitrário de seus poderes.

Levado a extremos tal cerceamento, inconcebível se tornou admitir que os julgadores pudessem colocar em prática os objetivos almejados pelos movimentos reformadores do Direito e do Processo, ao menos não pela via ora preconizada, a qual acabaria restando esvaziada de sentido. Aliás, superficial análise da produção dos Tribunais deixa ver claramente a resistência ainda hoje encontrada ao exercício da jurisdição constitucional em sua plenitude, resquício, é certo, do modelo formalista e de baixa densidade constitucional prevalente no país por tanto tempo.

A solução para este aparente paradoxo mais uma vez foi ofertada pela ciência hermenêutica que, tomando por base a necessidade de realização de Princípios logicamente sobrepostos às barreiras legais procedimentais, logrou viabilizar a legitimação de outra idéia igualmente preconizada pelos pensadores adeptos do movimento pelo acesso à justiça: o reconhecimento, aos juízes, do dever de adotarem uma postura ativa na condução do Processo, sempre o apontando na direção indicada pelos fins que lhe são colimados.

Para Luigi Paolo Comoglio:

La presenza di un ruolo attivo del giudice nella direzione (formale e materiale) del procedimento, sia pure entro i limiti propri di un processo istituzionalmente dispositivo, non soltanto non è incompatibile, ma è in piena consonanza con i cardini del ‘processo giusto’.[22]

Assim é que, como decorrência desta concepção, admite-se ao julgador a capacidade de “(...) fazer tudo aquilo que a tutela do direito material impõe, e nem sempre o direito material tem como fonte a lei. Ademais, ele tem de conduzir o processo a um resultado eficaz, acomodando-o às necessidades da efetividade (...)”.[23]

Daí porque Chaïm Perelman propugnar que a atual concepção do Direito não deixa espaço para se limitar o papel do juiz ao de uma boca pela qual fala a lei, tendo em vista que a dogmática jurídica pautada no constitucionalismo contemporâneo não admite a circunscrição do plano normativo ao espaço delimitado pelo corpo legislativo positivado. Ao lado dos textos legais, outros instrumentos capazes de guiar os intérpretes e julgadores em sua tarefa de reconstruir o Direito se fazem presentes e devem ser enfaticamente utilizados.[24]

É claro, portanto, que tanto os juízes quanto os demais participantes do Processo devem se deixar sensibilizar pelas concretas exigências sociais, jamais se quedando alheios aos elementos de evolução econômica, social, política, em sentido amplo cultural, que tanto influenciam na compreensão do sentido que às normas e à atividade jurisdicional pode ser atribuída,[25] opinião partilhada por João Baptista Herkenhoff:

No desempenho do papel de aplicador do direito, o juiz pode ser um ator social a reboque da estagnação ou até mesmo do retrocesso, ou pode ser uma força a serviço do progresso. Pode ser o construtor de uma hermenêutica comprometida com o avanço social, com a melhor distribuição dos bens, com a universalização do direito, ou pode ser um sustentáculo do passado, insensível às mudanças, adepto de uma dogmática jurídica que cristaliza privilégios.[26]

Afinal, nenhum sistema processual, por mais bem inspirado que seja em suas bases conceituais e textos legislativos, se revelará socialmente efetivo se não contar com participantes empenhados em fazê-lo funcionar nessa direção,[27] cabendo aos juízes abraçar seu dever de proteger e realizar o plano constitucional, jamais temendo colocar em prática os mecanismos de controle de constitucionalidade que lhe são ofertados, como a interpretação conforme a constituição, a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, a declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade ou a aplicação da regra da untermassverbot.

A materialização desta exigência passa pela observância de alguns deveres, como, por exemplo, a promoção da material igualdade entre as partes, o que pode ser alcançado, fundamentalmente, através da equalização das oportunidades que lhes são ofertadas, no curso dos procedimentos, para defenderem seus interesses.[28] Legitima-se, desta forma, uma atuação que permita suprir eventuais falhas ou incapacidades dos litigantes, viabilizando-se o correto desenvolvimento do Processo.

É certo que “Algunos miran con reserva semejante evolución; temen que ella ponga en jaque la imparcialidad del juez.”[29] Busca-se amenizar este risco propagando-se os mecanismos de controle da sua atuação, capazes de assegurar, ao menos minimamente, que a iniciativa do representante estatal não influenciará decisivamente no resultado do Processo. Almeja-se, desta forma, conciliar participação com imparcialidade, afastando a imagem do julgador indiferente e desinteressado na solução da causa[30] e não se olvidando dos riscos que a omissão do julgador pode trazer para a boa prestação jurisdicional.

Semelhantes razões justificam que se imponha aos julgadores, tal qual defende Luigi Paolo Comoglio:

(...) l’esigenza strumentale di commisurare l’esercizio di qualsiasi facoltà discrezionale al principio di legalità ed agli altri principi fondamentali del processo, sì da porre sempre gli utenti del servizio giudiziario nella migliore condizione di percepirne la ‘necessità’ ed apprezzarne la concreta ‘accettabilità’.[31]

Enfim, é importante notar que as regras atualmente existentes, tanto no Direito Processual nacional quanto no alienígena,[32] que reconhecem aos juízes o dever de assumir uma postura ativa na condução dos procedimentos, vêm na esteira das inovações concebidas através de mecanismos interpretativos, que buscam materializar Princípios como o do acesso à justiça ou o da efetividade do processo, direitos fundamentais decorrentes do valor dignidade humana, permitindo a eficaz expressão de seus conteúdos axiológicos e a realização do Processo justo.

Conclusões

O surgimento de uma nova ordem constitucional, em 1988, instituidora de um Direito promovedor, centrada na dignidade humana e sustentada em vasto rol de direitos fundamentais, nos quais se encontram positivados os valores essenciais da sociedade – os Princípios orientadores do Direito – deveria ter provocado verdadeira revolução em todo o Direito infraconstitucional, especialmente no Processo. Nenhuma ruptura com as crenças até então vigentes, entretanto, foi notada, seja na produção doutrinária, seja no pensamento jurisprudencial.

Em verdade, um longo caminho vem sendo trilhado para se colocar em prática o plano normativo constitucional, impregnando com seus valores voltados à dignificação do ser humano os variados ramos em que se subdivide o Direito. De outra maneira não têm procedido os pensadores do Processo contemporâneo. A custo vai se admitindo a reelaboração de seus conceitos e a releitura de suas normas à luz dos paradigmas constitucionais, atualizando-lhe o conteúdo de forma a melhor capacitá-lo para oferecer respostas às novas demandas que a cada dia surgem.

Um Processo eficaz, capaz de conduzir a decisões o mais adequadas possível ao ideal de justiça, socialmente orientado e democraticamente desenvolvido é um modelo cuja concretização ainda parece distante na realidade brasileira. Inúmeros são os entraves que a tradicional dogmática e as regras jurídicas pouco afeitas à efetivação do direito de acesso à justiça ainda oferecem. Ganham espaço, assim, propostas que vislumbram no horizonte constitucional as bases conceituais necessárias à promoção de larga reformulação do Processo, adequando-o à atual realidade e permitindo que, por seu intermédio, respostas eficazes aos anseios sociais sejam oferecidas.

Conferir efetividade ao plano normativo constitucional é dever que a todos incumbe, com especial ênfase para os que atuam junto ao Poder Judiciário. Diante de uma Carta Constitucional que congrega, de forma tão abrangente, valores fundamentais, permanecer alheio aos seus ditames significa recalcitrar na defesa de um Direito indiferente à tábua axiológica basilar da sociedade. Assim sendo, ao operacionalizar o Processo, impende a todos os seus atores buscar adequá-lo ao modelo normativo traçado na Constituição, promovendo um diálogo rico e permanente entre estes dois planos, de modo que o primeiro consiga servir ao seu propósito de instrumento para materialização do Direito e promoção de justiça social.

Neste passo, surge a ciência hermenêutica como condição de possibilidade para a realização deste labor, expressando a forma como pode ser realizado o procedimento de atribuição de sentido aos textos legais, permitindo a máxima expressão dos valores extraídos dos Princípios de Direito. Aplicar, interpretativamente, Princípios constitucionalmente consagrados, revisando o conteúdo conceitual da ciência processual a partir dos parâmetros por aqueles oferecidos, significa exercitar a jurisdição constitucional. Como a Constituição deve sempre ser observada e realizada, reconhecendo-se-lhe a tarefa de fornecer as bases fundamentais para a realização do labor hermenêutico, é certo, destarte, que toda atividade jurisdicional, no modelo dogmático vigente, possui natureza constitucional.

Isto impõe, tanto ao julgador, quanto aos demais partícipes do Processo, permanente atenção à adequação entre os sentidos atribuídos aos textos legais e o horizonte constitucional. Revisitar conceitos e regras processuais à luz deste paradigma permite que se alcance um Processo constitucionalizado e mais adequado à efetivação dos valores que o sustentam, tornando concreto o direito fundamental de acesso à justiça.

Verifica-se, assim, que os intérpretes são autorizados a, dentro dos limites impostos pelo plano normativo constitucional e na direta razão deste, reconstruir o Processo contemporâneo, afastando normas, remodelando outras e revisando conceitos tradicionais, sempre com o objetivo de alcançar a realização de um bem maior: a estruturação de um Processo capaz de dar respostas satisfatórias à sociedade, permitindo o alcance de soluções equânimes e a concretização das promessas constitucionais de justiça e democracia.

Paola Bittencourt
Enviado por Paola Bittencourt em 05/06/2007
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