A racionalidade pedagógica na era contemporânea

Há ainda o efervescente debate sobre a formação docente seja dos professores de ensino fundamental, médio como o universitário e, que levantam questões sobre a dimensão pedagógica do ensino e da educação em geral.

Até mesmo os relatórios oficiais e mesmo os diplomas legais como a LDB de 1996, bem como os diversos pareceres e resoluções do CNE esbarram em contradições e pontos obscuros principalmente quando enfocam a evolução pedagógica na era contemporânea.

Vige dificuldade do CNE em definir as diretrizes curriculares para os cursos de pedagogia e, não somente, ocorre a ausência de consenso sobre os elementos estruturais da formação de professores, mas principalmente, sobre as concepções divergentes sobre a lógica e atuação da formação docente na sociedade contemporânea.

É preciso identificar a interação de saberes que perpassam e justificam toda práxis educacional, permitindo adentrar num universo epistemológico repleto de intencionalidades que cabe a hermenêutica decifrar e traduzir.

A racionalidade dominante na tentativa de desvelar os princípios guiantes da essência dos conhecimentos e dos saberes hegemônicos que direcionam e regulam a aprendizagem não consegue sintetizar qual é a formação ideal ou mínima.

Há de se destacar que é na escola e na universidade onde os futuros profissionais se situam no espaço e no tempo de aprendizagem e que marcarão a sua visão e compreensão do mundo e da vida.

Habermas menciona que a racionalidade se refere à maneira como os sujeitos falantes e atuantes adquirem e usam o conhecimento. Há, portanto dois tipos de racionalidades , a saber: a) cognitio-instrumental (ou estratégia) e a racionalidade comunicativa e, é nesta, que procuramos entender a racionalidade que fundamento o ato pedagógico.

A sociedade hipermoderna segundo Lipovetsky apresenta características conflitantes e de tendências contraditórias. Pois observamos, de um lado a hegemonia do mercado com seus componentes do capitalismo neoliberal, a reverência à ciência na racionalidade que o iluminismo elegeu como deus da emancipação do mundo, por outro lado, sob a bandeira da democracia, essa mesma sociedade que tanto enaltece o indivíduo, como sendo sujeito de uma consciência autônoma e solitária de seu agir nos conflitos de hegemonia e a dominação que enfrenta com outros sujeitos, procura valorizar a convivência coletiva.

Explicita-se novamente a dicotomia clássica existente entre a objetividade e a subjetividade que também dá suporte a muitas de nossas teorias educacionais e pedagógicas, colocando o sujeito de aprendizagem diante da vida no mundo numa escolha paradoxal (entre a cruz e a espada).

Coube ao iluminismo atribuir ao homem à responsabilidade de sua libertação, pois a razão que bem o caracteriza, deveria pois conduzi-lo à sua plena emancipação.

A primazia da razão surgiu como ferramenta com potencialidade de desvendar todos os segredos da natureza, acessando os caminhos para sua libertação, tanto da religião como da ciência, superando as forças da natureza que subjugam os seres humanos.

Foi a racionalidade instrumental que atribuiu à ciência a incumbência de mudar radicalmente os rumos da vida no mundo. Coube afinal à ciência ensinar aos humanos as normas para o caminho da felicidade e de sua emancipação.

Identificamos no mercado contemporâneo, controlado e instigado pelas potências econômicas e políticas internacionais, o coroamento dos ideais capitalistas que ditam as aspirações de nossa sociedade consumista e global, considerada “democrática”.

Para além da inestimável contribuição da racionalidade científica e da lógica cartesiana na transformação do mundo e da vida, a história evolutiva tratou de apontar também os limites e os absurdos do domínio dessa racionalidade como recurso único de libertação.

Afinal, a hipermodernidade denuncia uma contradição: a racionalidade científica expulsou o ser humano de si mesmo e o amarrou aos estreitos determinismos externos das regras e normas da natureza.

A proposta inicial de controle absoluto da razão instrumental atrelou o homem à busca de emancipação fora dele mesmo, na expressão da Escola de Frankfurt . Assim, constrói-se uma determinada ciência.

Ao mesmo tempo, a dialética da história que marcoua a vida no mundo permitiu o resgate do sujeito que a ciência racionalista descartou. No sentido contrário, reafirma-se a consciência do sujeito e do seu potencial de autonomia e liberdade na racionalidade subjetiva.

A valorização do sujeito no campo das ciências humanas se contrapõe ao domínio da racionalidade científica instrumental que expulsou o sujeito dele mesmo.

O multiverso é passível de múltiplas leituras que cada sujeito pode fazer com base em suas intenções e consciência.

Tal ideologia se levada ao extremo pode acabar em levar cada sujeito o direito à afirmação de sua racionalidade própria, construindo caminhos peculiares e customizada visão do mundo. Porém, nem sempre harmonizáveis.

Contudo, a diversidade múltipla resulta no ser humano ilhado, preso a si mesmo e condenado a buscar solitariamente sua emancipação. Nesta perspectiva, desaparece o espaço para qualquer racionalidade num mundo de subjetividade onde todos e cada um têm a própria consciência e intencionalidade como referências de verdade.

Surgiram as mais diversas propostas de mundo politicamente democrata. As verdades são muitas e os fatos são poucos. Vale mais a narrativa que o documentário.

De fato, a hipermodernidade exalta a democracia, onde vige o direito de cada indivíduo consciente e livre de se autodeterminar, mas infelizmente, muitas vezes, em conflito e concorrência com o sujeito coletivo.

Por outro lado, o neoliberalismo propõe restrições à noção iluminista de liberdade e de racionalidade, o que serviu de fundamento para a globalização do mercado mundial.

Eis um dilema por vezes imperceptível para o educando e que vem formando cidadão cujos conflitos conduzem ao império do relativismo, para não dizer o perigo da irracionalidade e de suas consequências para a sociedade.

Podemos identificar a negação da sociabilidade do ser humano, restando o conflito do poder, em que predomina o aniquilamento. Para muito, qualquer busca de conciliação ou da síntese dialética também é considerada de romantismo.

A racionalidade da ação educativa dá sentido à intervenção dos educadores e ao diálogo com os discentes. Nas instituições universitárias, verdadeiros templos da produção científica, a grande tradição da formação de cientistas bacharéis e os pesquisadores mantêm consagrado o olhar científico de uma ciência predominantemente positiva e objetiva. Num primitivo empirismo formal e maniqueísta.


As preocupações sociais de áreas humanistas se defrontam com a complexidade de múltiplos olhares e das leituras que as consciências individuais protagonizam como projeto de sociedade.

Os formadores de docentes nas suas áreas disciplinares específicas conduzem ao predomínio da racionalidade normativa e instrumental, alheios ao olhar pedagógico de processos de ensino-aprendizagem.

De outro lado, nossos cursos pedagogia formam sujeitos com base numa racionalidade que não concilia harmoniosamente todas dimensões de instrução e de formação do ato educativo, procurando a autonomia profissional e formação para a cidadania.

E nos questionamos como podemos construir processos educativos capazes de driblar esses opostos. Até que ponto a dialética da vida nos permite sonhar como uma racionalidade pedagógica capaz de elaborar a ponte e promover com êxito a conciliação e a dialogicidade geradora de emancipação, superando os paradoxos cotidianos e suas consequências bizarras e nefastas?

Como construir a aprendizagem para a vida num mundo socialmente emancipado? Mais outro fenômeno merece destaque nesses impasses da racionalidade que dá suporte às nossas práticas educativas: é outra dicotomia que corresponde a existente entre a teoria e prática.

A tradicional primazia dada à racionalidade teórica sobre a racionalidade prática dos contextos educativos, particularmente na sociedade culta e científica, tem deturpado a compreensão dessa relação dialética.

Sempre coube à razão teórica justificar e camuflar as práticas de dominação, controle e subordinação dos discursos, estratégias e propostas chamadas de científicas e democráticas de reformas educacionais, com suporte de racionalidade alternativa, não somente desmarcaram essa primazia como repõem a prática na sua devida relação dialética com a teoria dos conceitos de intervenção educativa. Afinal, a teoria determina a prática ou a prática transforma a teoria?

A epistemologia educacional abre perspectivas para a reconstrução de novos horizontes de emancipação humana, política e social. O olhar epistemológico sobre a formação dos docentes e dos profissionais da educação abre novas perspectivas para a reconstrução de novas dimensões de emancipação humana.

Esse mesmo olhar permite contextualizar a escola e demais ambientes educacionais que buscam trabalho produtivo e permite identificar as práticas e experiências de convivência entre sujeitos interagindo dialogicamente numa coletividade, vivenciando e, dando sentido aos processos democráticos alternativos.

A prática aparece como espaço não somente de construção de sujeitos coletivos, mas também de novas compreensões de mundo e de saberes onde os sujeitos expressam suas identidades próprias e sociais, em oposição ao discurso dominador e modelador da hipermodernidade .

Reconhecendo a educação como processo de aprendizagem da leitura e escrita do mundo, podemos reconhecer as concepções dominantes da pedagogia que se aproximam da racionalidade que guia a dinâmica da vida na era contemporânea.

Nas universidades ainda temos docentes cuja prática educacional se pauta predominantemente na racionalidade científico-instrumental, ao passo que outros vivenciam as incertezas da complexidade do seu mundo humanista.

Persiste a contribuição positiva da razão instrumental e normativa na concepção e na construção dos nossos referenciais pedagógicos e dos métodos e técnicas enfim capazes de abarcar a multireferenciabilidade.

Os aportes da tecnologia educacional dos anos de 1970 e, atualmente as novas tecnologias da educação e da comunicação trouxeram novos perfis de ato educacional. Onde a aprendizagem sofreu sério impacto pela interação, comunicação e aproximação digital e simultânea entre docente e discente.

A psicologia behaviorista e a sociologia reprodutivista , por exemplo, trouxeram suas contribuições e, o construtivismo nas suas mais variadas concepções, que dão prioridade às potencialidades do sujeito: labora certa psicopedagogia nas suas expressões de um sujeito consciente, autônomo, empreendedor e criativo.

Também, apontamos as concepções epistemológicas subsistentes a um fazer pedagógico que confirma o posicionamento do sujeito, normas e regras que o prendem a si mesmo e que deixam à deriva a complexidade dos casos da racionalidade nas suas interações com os educadores.

Indaga-se se a racionalidade sustenta os projetos pedagógicos que dão direcionamento as práticas educativas, garantindo o acesso à educação para todo cidadão, como a formação do docente? O pensamento reflexivo é um objetivo premiado da ótica pedagógica contemporânea.

Há um consenso entre os educadores que o objetivo último da educação seja promover a emancipação humana e profissional. Onde o trabalho do docente é predominantemente pragmático, buscando resultados decorrentes de decisões pedagógicas apoiadas em objetivos, teorias, experiências e contextos.

Os saberes do educar são múltiplos e complexos. Como assegurar ao fazer pedagógico diante da diversidade ?

Não resta dúvida que a pedagogia penetra em mais diversos setores da vida assim como todo professor tem a sua pedagogia, mesmo que esta seja a própria negação da pedagogia .

Os saberes fornecem suporte ao trabalho docente e procedem de uma racionalidade própria. A formação profissional do docente tem dois requisitos essenciais: o domínio da matéria de ensino que se situa no campo disciplinar e o “saber ensinar” que representa o objeto do campo pedagógico.

Destaca-se a dicotomia do bacharelado e licenciatura na formação para a docência, que a dialética da teoria e da prática deve superar a racionalidade dos sujeitos participantes da interação pedagógica.

Fundamentalmente a concepção do trabalho docente revela-se por ter uma práxis transformadora de um sujeito (professor) em interação situada com outro sujeito (discente) onde a produção de saberes e de significados caracterizam e direcionam o processo de aprendizagem, comunicação e emancipação fundada no ser social.

Nesse sentido, o trabalho docente é visto como um processo educativo de instrução e de formação humana, provido pela mediação e interação entre professos e alunos, com base nos conteúdos do ensino em direção à construção de sociabilidade verdadeiramente humana, onde sujeitos constroem suas identidades no seio da coletividade.

Portanto, a docência se dinamiza num triângulo composto de docência, a disciplina e o aluno. Os processos de aprendizagem são imbuídos de interações intersubjetivas num contexto de cognição situada.

Os processos de aprendizagem são imbuídos de interações intersubjetivas num contexto de cognição situada. O professor ensina os conteúdos, e, simultaneamente forma o educando, contribuindo efetivamente para a formação da cidadania.

Enfim, a racionalidade pedagógica evidencia os elementos conflitantes de nossa sociedade hipermoderna e move o trabalho docente na dinâmica dos ambientes educacionais.

O sujeito pedagógico na figura do educador tem a formação que passa pelos princípios que reconhecem universo social, a existência de saberes múltiplos e heterogêneos, a dialética existente entre a teoria e a prática, a, transformação do professor em pesquisador, o trabalho cooperativo e colaborativo, da competência regulada pela autonomia profissional, da ética profissional baseada em saberes próprios entre outros.

É nisso reside, a racionalidade diferenciada predominante na sociedade pós-moderna que possui forma disjuntiva ou aberta, há uma dinâmica lúdica movida pelo acaso num processo onde se propõe a descrição e desconstrução, onde há o texto e o intertexto, onde predomina a diferença e a sucessão de estágios evolutivos.

A docência como gestão e transformação pedagógica traça uma racionalidade dialógica, interativa e complexa, o que certamente não exclui a racionalidade normativa, instrumental de certos campos da ciência e da tecnologia, mas que a integra num processo preocupado em promover a emancipação humana, moral e profissional dos educandos.
 
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 21/11/2015
Código do texto: T5456474
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