Breves considerações sobre o helenismo para a história da filosofia.

Resumo:
No fundo, somos todos gregos... e, mais, somos greco-romanos. O legado do helenismo está na filosofia, nas artes, nas ciências e principalmente no pensamento cristão. O texto aborda de forma didática a imensa riqueza da Grécia Antiga e suas estórias apaixonantes.

Abstract
In the background, we are all greeks ... and more, we are greco-roman. The legacy of Hellenism is in philosophy, the arts, sciences and especially in Christian thought. The text covers didactically the immense wealth of ancient Greece and its fascinating stories.

O helenismo foi termo derivado da obra de Johann Gustav Droysen intitulada “Geschichte des Hellenismus” (História do Helenismo, em três volumes).” e vem a designar a grande influência da cultura grega no mundo desde as conquistas de Alexandre Magno e, mesmo após sua morte em 323 a.C., vindo até a conquista romana do Egito em 30 a.C., que passou marcar então a influência de Roma sobre essa mesma região.

A importância de Alexandre foi notável e significou a primeira tentativa de criação efetiva de hegemonia em vários aspectos como militar, cultural e linguístico .

A língua grega se tornou um idioma comum (koiné) por toda região conquistada por Alexandre, e também a moeda grega passou a ser aceita em todo império, traduzindo marcante unificação econômica.

Mas, o império teve curta duração e como Alexandre não deixou descendentes, todo o vasto território conquistado, fora dividido entre seus principais generais que foram seus naturais sucessores. Apesar desse evento, perdurou por muito tempo a influência da cultura grega em toda a região da Mesopotâmia ao Egito, indo até a Ásia Menor, Síria e Palestina.

Para a história da filosofia, no entanto, embora a periodização não seja precisa, podendo se estender do império alexandrino até o início da filosofia medieval com Santo Agostinho e Boécio , é inexorável reconhecer a enorme contribuição do helenismo.

Importante consignar que a influência sobre a filosofia medieval das escolas filosóficas fundadas no início do helenismo permaneceu durante todo o império romano. E, podemos exemplificar bem isso: o filósofo Plotino que escreveu em grego, e a obra de Sexto Empírico do século II, que foi o principal representante do ceticismo fora igualmente escrita em grego.

Tanto Plotino como Sexto Empírico viveram boa parte de suas vidas, em Alexandria. E, apesar de existir também uma filosofia desenvolvida em Roma e versada em latim, identificamos que em sua maior parte esta, resultava de desdobramentos das escolas gregas, particularmente do estoicismo e do epicurismo.

Há o posicionamento de alguns doutrinadores que tomam o surgimento do cristianismo como um marco do fim do helenismo , porém a filosofia cristã em seus primórdios, particularmente, o platonismo cristão de Alexandria, desenvolveu-se no contexto do helenismo.

Aliás, a cidade de Alexandria fora um grande centro político e cultural do helenismo, tendo sido fundada por Alexandre (332 a.C.) e capital do reino grego, estabelecida no Egito por seu general e sucessor Ptolemeu (ou Ptolomeu I, Sóter fundou a dinastia ptolemaica, reconhecido como o um dos generais de maior confiança de Alexandre, o Grande, sendo um dos sete somatophylax, ou seja, guardas do corpo).

O helenismo ao, difundir-se entrou em contato, com outras culturas através das inúmeras conquistas de Alexandre o que produziu certo sincretismo cultural .

Alexandria realmente tinha uma vocação cosmopolita (apesar de ser predominantemente grega) tendo adicionado a influência da cultura do Antigo Egito, vindo até mesmo a servir à comunidade judaica.

O segundo sucessor de Aristóteles no Liceu de Atenas, o filósofo Strato de Lâmpsaco (esteve por um período em Alexandria), onde atuou como tutor do futuro rei Ptolomeu II Filadelfo que fora fundador do famoso Museum.

A célebre biblioteca de Alexandria que em seu auge amealhou cerca de quinhentos mil volumes (rolos de papiros ) e fora formada a partir do acervo pessoal de Aristóteles adquiridos por Ptolomeu Filadelfo.

O Museum nome que literalmente significa “o templo das musas ” que são divindades que presidem as artes e o saber, correspondendo a um centro científico e cultural de ensino e pesquisa que incluía um templo, um anfiteatro, jardim zoológico e botânico e observatório. E, durante os dois séculos seguintes, será o principal núcleo da cultura grega, e suas áreas mais relevantes da produção científica que marcará toda Antiguidade e mesmo o período medieval, se estendendo até o início da ciência moderna no século XVI.

A biblioteca do Museum de Alexandria fora incendiada na conquista do Egito por Júlio César no ano de 47 a.C., e novamente em 390 d.C., pelo cristão Teófilo até ser completamente destruída quando os árabes conquistaram o Egito no ano de 642 d.C . Por conta dessas sucessivas destruições, boa parte de seu acervo se perdeu completamente sem jamais ser recuperado.

A ciência produzida no Museum de Alexandria refletiu Strato que se afastou das preocupações metafísicas das escolas platônicas e aristotélicas. Vindo a valorizar as ciências naturais, a observação e a experiência.

Nas múltiplas vertentes seguidas pela vasta produção científica de Alexandria se destacou, sobretudo, na matemática, na geometria (particularmente com Euclides, no final do século IV a.C.) que fora responsável pela base da geometria clássica, com destaque ainda para Arquimedes de Siracusa que teve importância tanto para a geometria como para mecânica, e Apolônio de Perga (260-200 a.C.) autor do célebre tratado sobre os cones; na medicina, como Herófilo (que descobrira as funções do cérebro); Erasitrato que realizou as dissecações e estudou a circulação do sangue humano; nos estudos de linguagem destacaram-se Aristófanes de Bizâncio, Dionísio Trácio, Aristarco de Samos (que formulou o modelo heliocêntrico de cosmos e uma hipótese de rotação terrestre), Hiparco de Nicéia (190-120 a.C.) na geografia, com Erastótenes de Cirene (280-200 a.C.) autor de relevantes mapas e de uma tentativa de mensuração da Terra.

Posteriormente, destacamos o matemático Diofanto (250 d.C.) autor de notável tratado de álgebra e Cláudio Ptolomeu (100-178 d.C.) geógrafo e astrônomo, criador de modelo geocêntrico de cosmos que prevaleceu até ser questionado por Copérnico em 1543.

Todos esses pensadores e cientistas apesar de muitos nem terem nascido em Alexandria, guardaram alguma relação direta com esse grande centro cultural, onde por vezes estudaram e lecionaram, disseminando assim o conhecimento na Antiguidade em diversos ramos.

A filosofia do helenismo apesar de ser pouco estudada em face de haver poucas pesquisas dentro da história da filosofia, apesar de abranger um período de mais de dez séculos, e por se basear apenas nos poucos fragmentos que sobraram das catástrofes que atingiram Alexandria.

Danilo Marcondes, respeitável doutor em Filosofia e professor titular da PUC-Rio, opina que talvez a atual concepção da filosofia esteja bem distante da nossa atual, posto que seja herdeira direta do pensamento moderno que começou mesmo a se desenvolver nos séculos XVI e XVII, valorizando a originalidade e a criatividade do pensamento do filósofo como fruto de sua originalidade e criatividade do pensamento do filósofo. (MARCONDES, 2001,p.86).

O pensamento helenista, ao revés, caracteriza-se por ser basicamente um pensamento de escola, onde o mais importante que a originalidade, era a vinculação a certa tradição ou corrente filosófica.

Apesar de ter existido filósofos originais como Plotino (século III d.C.) o helenismo não se notabilizou por ter grandes mestres que, em verdade, só apareceram apenas na fundação das escolas tais como Zenão de Cítio e Epicuro (século IV a.C.) e, infelizmente, porque nesse período também não existiram filósofos da estatura de Sócrates, Platão e Aristóteles.

A contribuição filosófica do helenismo consistiu em sua grande parte em comentários aos textos dos fundadores das escolas ou no desenvolvimento de teorias já propostas por tais filósofos.

O grande valor desses comentários feito às obras dos filósofos fundadores das escolas do helenismo foi tornar o pensamento clássico mais acessível, além de servir realmente de marco e ponte entre o momento presente e a Antiguidade Clássica, preservando, reproduzindo e, principalmente, interpretando tais textos.

Dentre esses comentadores ou comentaristas destacou-se Cícero (século I a.C.) que foi jurista, mestre em oratória, discípulo da Academia, filósofo eclético, grande tradutor de textos gregos para o latim.

A concepção helenista de filosofia deve ser vista como parte de certa corrente com caráter eminentemente dogmático e doutrinário o que a tornava, por vezes, muito repetitiva e reprodutora.

O espírito crítico da filosofia clássica se perdeu, ou pelo menos, fora reduzido, mas ainda preservados graças ao ceticismo e aos ataques às escolas dogmáticas. Consagrando-se o cético como eterno adversário da filosofia dogmática.

Mas o ecletismo fora um dos mais peculiares traços do helenismo, particularmente, a partir do período romano (final do século I a.C. até o século IV d.C.).

Houve várias tentativas de sintetizar as diferentes doutrinas filosóficas aproximando o estoicismo do platonismo , o aristotelismo do platonismo, o neopitagorismo do platonismo, sendo que o próprio cristianismo se desenvolveu inicialmente absorvendo elementos da ética estoica, da metafísica platônica e da lógica e da dialética aristotélicas.

O esforço do ecletismo focou-se no sentido de conciliar as posições divergentes, elaborando uma doutrina mais ampla. Enfim, o helenismo teve como preocupação central com a ética, preferencialmente defendida no sentido prático, com a fixação das regras do bem viver, como a “arte de viver” (bem ilustra o famoso Manual de Epicteto ) que foi filósofo estoico do período romano.

Sêneca e Epicteto causaram grande admiração pela figura do sábio que dominava suas paixões, mesmo e, sobretudo, entre seus adversários.

As filosofias mais impactantes no período moderno seria o ceticismo, epicurismo e, por fim, pelo estoicismo (fora considerado tanto na Idade Média como na Renascença) quando ocorreu grande divulgação das publicações dos filósofos da Stoá (em grego significa pórtico) notadamente na fase imperial romana.

Algumas máximas de Epicteto são interessantes e pertinentes para analisarmos:
“A felicidade não consiste em adquirir nem gozar, mas sim em nada desejar, consiste em ser livre.”; “São as dificuldades que mostram os homens”; “Sucesso é encontrar aquilo que se tenciona ser e depois fazer o que é necessário para isso.”; “Todas as coisas têm duas alças, uma que permite segurá-la, outra que não permite isso.”; “Só a educação liberta.”.

Com o fim da pólis grega, após a conquista da Grécia por Alexandre, o Grande, o homem grego deixou de ser a principal referência ético-política bem como a vida na comunidade que pertencia ao cidadão, com suas leis, tradições e cultura.

Afora isso, o surgimento de reinos e impérios cujo poder era fortemente centralizado e que também absorveu as práticas religiosas provocou uma sensível redução da participação política do cidadão.

Apesar do mundo na época fosse em sua maior parte grego, o homem sentiu-se desenraizado posto que perdera sua referência social básica que era a pólis, necessitando, portanto, de uma ética dotada de forte conteúdo prático, propondo as regras de conduta e buscando uma felicidade pessoal dentro de um novo contexto pluralista e multicultural que então se formou.

O helenismo correspondeu a um período de transição da chamada Antiguidade Clássica para a Idade Média cristã, quando ocorreu a formação de tradição cultural da qual somos, em grande parte, sucessores até hoje.

É no helenismo que se dá o encontro entre o mundo greco-romano e a cultura judaico-cristã. No fundo, somos todos diádocos (em grego significa sucessores) ou epígonos do helenismo, pois nesse período despontaram as quatro principais correntes filosóficas voltadas para a descoberta da fórmula da felicidade: os cínicos , que cultivavam a ideia de que ser feliz dependia de se liberar das coisas transitórias, até mesmo das inquietações com a saúde; os estoicos e os epicuristas, que acreditavam em um individualismo moral e o neoplatonismo, o movimento mais significativo desta época, inspirados pelos pré-socráticos, Demócrito e Heráclito.

A cultura helenística resultou da fusão da cultura grega com a cultura oriental promovida pela expansão do império Macedônio com Alexandre Magno. O período helenístico registrou quatro grandes sistemas filosóficos cuja influência é substancial sobre o pensamento cristão, tais como: estoicismo, epicurismo, ceticismo e neoplatonismo.

O legado grego é tão expressivo que mesmo os estudiosos contemporâneos são capazes de perceber as múltiplas facetas e a grandeza da Grécia Antiga, ao ponto de reconhecer que no fundo, somos todos gregos. E, mais, somos todos greco-romanos.

Pois efetivamente devemos principalmente aos romanos e ao seu império a preservação do helenismo e de seu imenso legado, o que levou Horácio a descrever poeticamente a helenização da cultura romana como “a cativa Grécia capturando a sua feroz conquistadora e introduzindo as artes no rude Lácio”.

Referências:
CARTLEDGE, Paul (organizador). Trad.Laura Alves e Aurélio Rebello. 2.ed. História ilustrada Grécia Antiga. (Coleção História Ilustrada) São Paulo: Ediouro, 2009.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 13.ed. São Paulo: Editora Ática. 2008.
EPICTETO. A arte de viver: uma nova interpretação de Sharon Lebell. Tradução de Maria Luiza Newlands da Silveira. Rio de Janeiro: Editora Sextante, 2006.
GRANT, M. História Resumida da Civilização Clássica - Grécia e Roma. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.
MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia. Dos Pré-Socráticos a Wittgenstein. 6.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
RAFFIN, Françoise. Pequena introdução à filosofia. Tradução Constância Morel e Ana Flaksman. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia (Antiguidade e Idade Média). Volume 1. São Paulo: Editora Paulinas, 1990.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 21/11/2015
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