Resumo do livro dos delitos e das penas

Dr. João Evangelista

Resumo do livro Dos delitos e das penas

As leis devem ser claras para que ninguém julgue não entendê-las e essa lei não se torne praticamente um livro particular.

Quanto maior for o numero dos que entendem o segredo do código das leis menos serão os delitos.

Uma conseqüência disso é que sem a escritura, a sociedade jamais conseguirá uma forma estável de governo e que as leis devem ser mudadas pela vontade geral e não por interesse privado.

A experiência e a razão e a probabilidade da certeza das tradições humanas diminuem à medida que se afastam de sua fonte. Se não existisse um pacto social, como resistiriam às leis, as forças inevitáveis dos tempos de paixão?

A empresa é de grande valia, pois leva ao público e a todos as leis e com ela dissipou o espírito tenebroso das intrigas, o qual foi desaparecendo diante das luzes e das ciências.

Esses foram os nossos antepassados que se invertiam conforme as circunstancias em tiranos ou escravos.

A história encontra a diferença de 200 ou 300 para cá como muita coisa mudou como as virtudes, a humanidade, a beneficência, a tolerância dos erros humanos do seio da brandura.

Vale notar que os efeitos da antiga singeleza e boa fé, a superstição, a avareza, a ambição de poucos, extinguido com o sangue humano, os tiranos dos reis bem como dos ministros da verdade e evangélica.

É a previsão uma pena que necessariamente deve preceder a declamação de um crime, mas este caráter não o priva de que a lei determine os casos em que um homem é merecedor de pena.

A lei assinalara os indícios de um crime que justifique a custódia de um rei, e o sob farão as investigações e a pena a forma pública, a fuga, as confissões extrajudiciais, a de um comparsa de crime, as ameaças e a constante inimizade com o ofendido, o campo de delitos e outros indícios semelhantes são provas suficientes para efetuar a prisão de um cidadão.

Essas provas devem ser estabelecidas em leis e não por juízes, à medida que as penas vieram sendo moderadas, que se eliminem a miséria e a fome dos cárceres, penetrem à humildade e a compaixão além das grades, espirando incensuráveis e endurecidos ministros da justiça, poderiam as leis contentar-se com os indícios sempre mais leves para efetuar a prisão.

Um homem, acusado de crime, encarcerado ou absolvido, não deveria ter nenhuma nota infamante.

Porque motivo defere tanto em nosso tempo o triunfo de um inocente? Pois parece que no sistema penal vigente, prevalece a idéia da força e da persistência da justiça, porque prendem na mesma prisão os acusados e os convictos.

Porque a prisão é antes um suplicio do que uma custódia do réu e porque a força interna esta separada da externa defensora do tirano e das nações quando deveriam estar unidos.

Quando as provas de um fato se interdependem, isto é, quando os indícios somente se provam reciprocamente, quando mais se deduz tanto e melhor é a probabilidade do fato.

Quando dadas as provas de um fato dependem igualmente de um único valor, se reduz a daquela única prova de que dependem.

Quando as provas são independentes uma da outra, quando mais provas forem aduzidas mais crescerá a probabilidade do fato, porque a falsidade de uma prova não aniquila a outra.

A probabilidade em matéria de crimes, porque para merecerem a pena é necessária a certeza do fato, a certeza que se exige para declarar um homem culpado é o que orienta todo homem na mais importante operação da vida.

As provas de um crime podem ser perfeita e imperfeita, perfeitas as que excluem a probabilidade de que tal homem não seja culpado. E imperfeitas as que não as excluem, não são suficientes para a condenação.

A prova imperfeita que o réu possa justificar, não o faça indevidamente para transformá-las em perfeitas.

A lei ótima é a que estabelece assessores dos juízes principal, designados por parte e não por seleção porque é mais seguro a ignorância que julga pelo sentimento do que a ciência que decide por opinião.

Se a lei é clara e perfeita o oficio do juiz é verificar o fato, se para buscar as provas de um crime, requer habilidade e destreza, se para apresentar um resultado não exige mais do que um bom senso.

Feliz a nação em que as leis não foram uma ciência! E muito útil a lei segundo a qual todo homem deve ser julgado por seus pares, porque ao se tratar da liberdade ou sorte de um cidadão, devem calar os sentimentos inspirados pela desigualdade.

Tanto o superior como o inferior, quando o crime é de ofensa á um terceiro, metade dos juízes é a favor do réu e metade a favor do ofensor, assim prevaleceria à lei e a verdade conforme a justiça, o réu pode excluir até certo limite as formas de suspeitos, e concedendo-lhe a oposição por alguém tempo.

Todo homem razoável pode ser testemunha, a medida de sua credibilidade é somente o interesse que tenha de dizer ou não a verdade.

É notável o que faz nulo e ineficaz o depoimento de um réu já condenado, esta morto civilmente e um morto não é capaz de qualquer ação.

Para manter essa vã metáfora, só criticam-se muitas vitimas e com grave reflexão, se a verdade devia ceder ás formulas judiciais os depoimentos de um réu já condenado não é o favorável do curso da justiça.

Se bem que após a condenação pode até ser feito novo julgamento, as formalidades e as cerimônias são necessárias na administração da justiça, dão ao povo a idéia de que o julgamento não é desorganizado e nem interesseiro.

Mas estável, não pode jamais a lei fixá-las de maneira que prejudique a verdade que a concilia com o povo.

A credibilidade de uma testemunha deve diminuir na proporção do ódio, ou da amizade, ou das intimas relações que existia entre ele e o réu.

É necessária mais de uma testemunha porque enquanto uma afirma a outra nega, e prevalece o direito que tem cada homem de ser o crido inocente.

Não há qualquer sentimento superior no homem, porque todos são sempre proporcionais ao resultado das impressões produzidas sobre os sentidos, à credibilidade de uma testemunha pode diminuir quando for membro de alguma sociedade privada, cujos usos sejam bem ou não conhecidos ou diferentes dos públicos.

Sua credibilidade é quase nula, quando se trata de um crime de palavras, as ações violentas e fora do uso comum deixou suas marcas na multidão de circunstancias e nos efeitos que dela resultam porque é muito fácil uma calunia sobre as palavras do que sobre as ações de um homem.

As acusações secretas são desordens evidentes, mais consagrados e fatos necessários em muitas nações, por causa da fraqueza da constituição. Esse costume forma os homens falsos e mentirosos.

Desgraçados são os homens que chegam a mascarar seus próprios sentimentos e chegam a esconder de si mesmo. Sem princípios claros e firmes que os guiem, vagam perdidos e flutuantes no vasto mar das opiniões e vivem sempre amargurados com a incerteza do futuro.

Privados dos prazeres duradouros da tranqüilidade e da segurança consolam-se por estarem vivos apenas alguns prazeres espalhados caem em suas tristes vidas.

E esses homens serão os defensores da pátria e do trono, e eles vão ser os magistrados incorruptíveis que sustem e desenvolvem os interesses do soberano, que levam ao trono, com os triunfos, o amor e as bênçãos de todas as classes e levam a paz aos passeios e a segurança, a esperança de melhorar a sorte para os Estados.

Quais são os motivos com que se justificam as acusações e as penas secretas? A saúde pública, a segurança e a manutenção da forma de governo?Que constituição é essa que tem a força e a opinião mais eficiente do que aquela e tem cada cidadão, a idoneidade do acusador? As leis não o defendem suficientemente, haverá súditos mais poderosos que os soberanos?

Pode haver crimes, ofensas públicas que não desperte o interesse na publicidade do exemplo ou do julgamento?

As perguntas que deveriam ser feitas ao réu, devem estar diretamente ligadas e formuladas a respeito dos gêneros do crime, para que o réu as responda imediatamente.

As perguntas devem envolver espiritualmente o fato e não ir contra ele, os motivos que abandonam este método são: não sugerir uma resposta do réu que o coloque a mercê da acusação, ou talvez por perceber contraria a natureza que o réu imediatamente se acuse.

Qualquer que seja a verdade destes motivos é evidente a contradição das leis que, aliadas a estes costumes, permite a tortura, pois esta leva a dor.

O forte substituiria a dor pelo silencio e a pena maior pela menor e ao fraco sugerir-lhe-ás que confesse para se livrar da tortura mais eficiente que a dor futura.

Aquele que não responde ás perguntas feitas merece uma pena fixada pelas leis e das mais graves por ela estabelecidas para que o homem não fuja assim a necessidade do exemplo que derem ao público.

Quando o delito é constatado e as provas são certas, é justo conceder ao acusado o tempo e os meios de justificar-se, se lhe for possível; é preciso, porém, que esse tempo seja bastante curto para não retardar demais o castigo que deve seguir de perto o crime, se quiser que o mesmo seja um freio útil contra os celerados. Um mal entendido amor da humanidade poderá condenar logo essa presteza, a qual, porém, será aprovada pelos que tiverem refletido sobre os perigos múltiplos que as extremas procrastinações da legislação fazem correr à inocência.

Cabe exclusivamente às leis fixar o espaço de tempo que se deve empregar para a investigação das provas do delito, e o que se deve conceder ao acusado para sua defesa. Se o juiz tivesse esse direito, estaria exercendo as funções do legislador.

Quando se trata desses crimes atrozes cuja memória subsiste por muito tempo entre os homens, se os mesmos forem provados, não deve haver nenhuma prescrição em favor do criminoso que se subtrai ao castigo pela fuga. Não é esse, todavia, o caso dos delitos ignorados e pouco consideráveis: é mister fixar um tempo após o qual o acusado, bastante punido pelo exílio voluntário, possa reaparecer sem recear novos castigos.

Com efeito, a obscuridade que envolveu por muito tempo o delito diminui muito a necessidade do exemplo, e permite devolver ao cidadão sua condição e seus direitos com o poder de torná-lo melhor.

Só posso indicar aqui princípios gerais. Para fazer sua aplicação precisa, é mister considerar a legislação existente, os usos do país, as circunstâncias. Limito-me a acrescentar que, para um povo que reconhecesse as vantagens das penas moderadas.

Se as leis abreviassem ou prolongassem a duração dos processos e o tempo da prescrição segundo a gravidade do delito, se a prisão provisória e o exílio voluntário fossem contados como uma parte da pena merecida pelo culpado chegar-se-ia a estabelecer assim uma justa progressão de castigos suaves para um grande número de delitos.

Mas, o tempo que se emprega na investigação das provas e o que fixa a prescrição não devem ser prolongados em razão da gravidade do crime que se persegue, porque, enquanto um crime não está provado, quanto mais atroz, menos verossímil é ele. Será preciso, pois, às vezes, reduzir o tempo dos processos e aumentar o que se exige para a prescrição.

Esse princípio parece, à primeira vista, contraditório em relação ao que estabeleci mais acima, e segundo o qual podem aplicar-se penas iguais para crimes diferentes, considerando como partes do castigo o exílio voluntário ou a prisão que precedeu a sentença. Procurarei explicar-me com mais clareza. Podem distinguir-se duas espécies de delitos.

A primeira é a dos crimes atrozes, que começa pelo homicídio e que compreende toda a progressão dos mais horríveis assassínios. Incluiremos na segunda espécie os delitos menos hediondos do que o homicídio. Essa distinção é tirada da natureza.

A segurança das pessoas é um direito natural; a segurança dos bens é um direito da sociedade. Há bem poucos motivos capazes de levar o homem a abafar no coração o sentimento natural da compaixão que o desvia do assassínio. Mas, como cada um é ávido de buscar o seu bem-estar, como o direito de propriedade não está gravado nos corações, sendo simples obra das convenções sociais, há uma porção de motivos que induzem os homens a violar tais convenções.

Se quiser estabelecer regras de probabilidade para essas duas espécies de delitos, é preciso colocá-las sobre bases diferentes. Nos grandes crimes, pela razão mesma de que são mais raros, deve diminuir-se a duração da instrução e do processo, porque a inocência do acusado é mais provável do que o crime.

Deve-se, porém, prolongar o tempo da prescrição. Por esse meio, que acelera a sentença definitiva, tira-se aos maus a esperança de uma impunidade tanto mais perigosa quanto maiores são os crimes.

Ao contrário, nos delitos menos consideráveis e mais comuns, é preciso prolongar o tempo dos processos, porque a inocência do acusado é menos provável, e diminuir o tempo fixado para a prescrição, porque a impunidade é menos perigosa. É mister, igualmente, notar que, se não se atender a isso, essa diferença de processo entre as duas espécies de delitos pode dar ao criminoso a esperança da impunidade, esperança tanto mais fundada quanto o crime for mais hediondo e, portanto, mais verossímil.

Observemos, porém, que um acusado solto por falta de provas não é nem absolvido nem condenado; que pode ser preso de novo pelo mesmo crime e submetido a novo exame, se descobrirem novos indícios do seu delito antes de terminar o tempo fixado para a prescrição, segundo o crime cometido.

Esses dois bens são igualmente patrimônio inalienável de todos os cidadãos; e ambos estão cercados de perigos quando a segurança individual é abandonada ao capricho de um déspota e quando a liberdade é protegida pela desordem tumultuosa. Cometem-se na sociedade certos crimes que são ao mesmo tempo comuns e difíceis de constatar.

Desde então, pois é quase impossível provar tais crimes, a inocência é provável perante a lei. E, como a esperança da impunidade contribui pouco para multiplicar essas espécies de delitos, que têm todas as causas diferentes, a impunidade raramente é perigosa. Nesse caso, podem, pois, diminuir-se igualmente o tempo dos processos e o da prescrição.

Mas, segundo os princípios aceitos, é principalmente para os crimes difíceis de provar, como o adultério, a pederastia, que se admitem arbitrariamente as presunções, as conjecturas, as semi-provas, como se um homem pudesse ser semi-inocente ou semi-culpado, e merecer ser semi-absolvido ou semi-punido!

É, sobretudo nesse gênero de delitos que se exercem as crueldades da tortura sobre o acusado, sobre as testemunhas, sobre a família inteira do infeliz de quem se suspeita, segundo as odiosas lições de alguns criminalistas, que escreveram, com fria barbárie, compilações de iniqüidades que ousam apresentar como regras aos magistrados e como leis às nações.

Quando se reflete sobre todas essas coisas, é-se forçado a reconhecer com amargura que a razão quase nunca tem sido consultada nas leis que se deram aos povos. Os crimes mais hediondos, os delitos mais obscuros e mais quiméricos, e, portanto os mais inverossímeis, são precisamente os que se consideram constatados sobre simples conjecturas e indícios menos sólidos e mais equívocos.

Dir-se-ia que as leis e o magistrado só têm interesse em descobrir um crime, e não em procurar a verdade; e que o legislador não vê que se expõe constantemente ao risco de condenar um inocente, pronunciando-se sobre crimes inverossímeis ou mal provados. À maioria dos homens falta essa energia que produz igualmente as grandes ações e os grandes crimes, e que traz quase sempre juntas as virtudes magnânimas e os crimes monstruosos, nos Estados que só se mantêm pela atividade do governo, pelo orgulho nacional e pelo concurso das paixões pelo bem público.

Quanto às nações cujo poderio é consolidado e constantemente sustentado por boas leis, as paixões enfraquecidas parecem mais capazes de manter a forma de governo estabelecida do que de melhorá-la. Daí resulta uma conseqüência importante: que os grandes crimes nem sempre são a prova da decadência de um povo.

Se bem que as leis não possam punir a intenção, não é menos verdadeira que uma ação que seja o começo de um delito e que prova a vontade de cometê-lo, merece um castigo, mas menos do que o que seria aplicado se o crime tivesse sido cometido. Esse castigo é necessário, porque é importante prevenir mesmo as primeiras tentativas dos crimes.

Mas, como pode haver um intervalo entre a tentativa de um delito e a sua execução, é justo reservar uma pena maior ao crime consumado, para deixar àquele que apenas começou o crime alguns motivos que o impeçam de acabá-lo. Deve seguir-se a mesma gradação nas penas, em relação aos cúmplices, se estes não foram todos executantes imediatos.

Quando vários homens se unem para enfrentar um perigo comum, quanto maior é o perigo, tanto mais procurarão torná-lo igual para todos. Se as leis punissem mais severamente os executantes do crime do que os simples cúmplices, seria mais difícil aos que meditam um atentado encontrar entre eles um homem que quisesse executá-lo, porque o risco seria maior, em virtude da diferença das penas.

Há, contudo, um caso em que a gente deve afastar-se da regra que formulamos, e é quando o executante do crime recebeu dos cúmplices uma recompensa particular; como a diferença do risco foi compensada pela diferença das vantagens, o castigo deve ser igual. Se tais reflexões parecerem um tanto rebuscadas, reflita-se que é importantíssimo que as leis deixem aos cúmplices da má ação o mínimo de meios possível para que se ponham de acordo.

Alguns tribunais oferecem a impunidade ao cúmplice de um grande crime que trair os seus companheiros. Esse expediente apresenta certas vantagens; mas, não está isento de perigos, de vez que a sociedade autoriza desse modo a traição, que repugna aos próprios celerados. Ela introduz os crimes de covardia, bem mais funestos do que os crimes de energia e de coragem, porque a coragem é pouco comum e espera apenas uma força benfazeja que a dirija para o bem público, ao passo que a covardia, muito mais geral, é um contágio que infectas rapidamente todas as almas.

O tribunal que emprega a impunidade para conhecer um crime mostra que se pode encobrir esse crime, pois que ele não o conhece; e as leis descobrem-lhe a fraqueza, implorando o socorro do próprio celerado que as violou. Por outro lado, a esperança da impunidade, para o cúmplice que trai, pode prevenir grandes crimes e reanimar o povo, sempre apavorado quando vê crimes cometidos sem conhecer os culpados.

Esse uso mostra ainda aos cidadãos que aquele que infringe as leis, isto é, as convenções públicas, já não são fiéis às convenções particulares. Parece-me que uma lei geral, que prometesse a impunidade a todo cúmplice que revela um crime, seria preferível a uma declaração especial num caso particular: preveniria a união dos maus, pelo temor recíproco que inspiraria a cada um de se expor sozinho aos perigos; e os tribunais já não veriam os celerados encorajados pela idéia de que há casos em que se pode ter necessidade deles.

De resto, seria preciso acrescentar aos dispositivos dessa lei que a impunidade traria consigo o banimento do delator. É, porém, em vão que procuro abafar os remorsos que me afligem, quando autorizo as santas leis, fiadoras sagradas da confiança pública, base respeitável dos costumes, a proteger a perfídia, a legitimar a traição.

E que opróbrio para uma nação, se os seus magistrados, tornados infiéis, faltassem à promessa que fizeram e se apoiassem vergonhosamente em vãs sutilezas, para levar ao suplício aquele que respondeu ao convite das leis!...

Esses monstruosos exemplos não são raros; eis porque tanta gente só vê na sociedade política uma máquina complicada, na qual os mais hábeis ou os mais poderosos governam as molas ao seu capricho.

Eis também o que multiplica esses homens frios, insensíveis a tudo o que encanta as almas ternas, que só experimentam sensações calculadas e que, todavia, sabem excitar-nos outros os sentimentos mais caros e as paixões mais fortes, quando estas são úteis aos seus projetos; semelhantes ao músico hábil que, sem nada sentir ele próprio tira do instrumento que domina sons tocantes. Ou terríveis.

As verdades até aqui expostas demonstram à evidência que o fim das penas não pode ser atormentar um ser sensível, nem fazer que um crime não cometido seja cometido. Como pode um corpo político, que, longe de se entregar às paixões, deve ocupar-se exclusivamente com pôr um freio nos particulares, exercer crueldades inúteis e empregar o instrumento do furor, do fanatismo e da covardia dos tiranos?

Poderão os gritos de um infeliz nos tormentos retirar do seio do passado, que não volta mais, uma ação já cometida? Não. Os castigos têm por fim único impedir o culpado de ser nocivo futuramente à sociedade e desviar seus concidadãos da senda do crime. Entre as penas, e na maneira de aplicá-las proporcionalmente aos delitos, é mister, pois, escolher os meios que devem causar no espírito público a impressão mais eficaz e mais durável, e, ao mesmo tempo, menos cruel no corpo do culpado.

Quem não estremece de horror ao ver na história tantos tormentos atrozes e inúteis, inventados e empregados friamente por monstros que se davam o nome de sábios? Quem poderia deixar de tremer até ao fundo da alma, ao ver os milhares de infelizes que o desespero força a retomar a vida selvagem, para escapar a males insuportáveis causados ou tolerados por essas leis injustas que sempre acorrentaram e ultrajaram a multidão, para favorecer unicamente um pequeno número de homens privilegiados?

Mas, a superstição e a tirania os perseguem; acusam-nos de crimes impossíveis ou imaginários; ou então são culpados, mas somente de terem sido fiéis às leis da natureza. Não importa! Homens dotados dos mesmos sentidos e sujeitos às mesmas paixões se comprazem em julgá-los criminosos, têm prazer em seus tormentos, dilaceram-nos com solenidade, aplicam-lhes torturas e os entregam ao espetáculo de uma multidão fanática que goza lentamente com suas dores. Quanto mais atrozes forem os castigos, tanto mais audacioso será o culpado para evitá-los.

Acumulará os crimes, para subtrair-se à pena merecida pelo primeiro. Os países e os séculos em que os suplícios mais atrozes foram postos em prática são também aqueles em que se viram os crimes mais horríveis.

O mesmo espírito de ferocidade que ditava leis de sangue ao legislador punha o punhal nas mãos do assassino e do parricida. Do alto do trono, o soberano dominava com uma verga de ferro; e os escravos só imolavam os tiranos para possuírem novos. À medida que os suplícios se tornam mais cruéis, a alma, semelhante aos fluidos que se põem sempre ao nível dos objetos que os cercam, endurece-se pelo espetáculo renovado da barbárie.

A gente se habitua aos suplícios horríveis; e, depois de cem anos de crueldades multiplicadas, as paixões, sempre ativas, são menos refreadas pela roda e pela força do que antes o eram pela prisão. Para que o castigo produza o efeito que dele se deve esperar, basta que o mal que causa ultrapasse o bem que o culpado retirou do crime. Devem contar-se ainda como parte do castigo os terrores que precedem a execução e a perda das vantagens que o crime devia produzir.

Toda severidade que ultrapasse os limites se torna supérflua e, por conseguinte, tirânica. Os males que os homens conhecem por funesta experiência regularão melhor a sua conduta do que aqueles que eles ignoram. Suponde duas nações entre aquelas em que as penas são proporcionais aos delitos. Sendo a escravidão perpétua o maior castigo em uma, e o suplício o maior em outra, é certo que essas duas penas inspirarão em cada igual terror.

E, se houvesse uma razão para transportar para o primeiro povo os castigos mais rigorosos estabelecidos no segundo, a mesma razão conduziria a aumentar para este a crueldade dos suplícios, passando insensivelmente do uso da roda para tormentos mais lentos e mais requintados, em suma, para o último refinamento da ciência dos tiranos. A crueldade das penas produz ainda dois resultados funestos, contrários ao fim do seu estabelecimento, que é prevenir o crime.

Em primeiro lugar, é muito difícil estabelecer uma justa proporção entre os delitos e as penas; porque, embora uma crueldade industriosa tenha. Multiplicado as espécies de tormentos, nenhum suplício pode ultrapassar o último grau da força humana, limitada pela sensibilidade e a organização do corpo do homem. Além desses limites, se surgirem crimes mais hediondos, onde se encontrarão penas bastante cruéis? Em segundo lugar, os suplícios mais horríveis podem acarretar às vezes a impunidade.

A energia da natureza humana é circunscrita no mal como no bem. Espetáculos demasiado bárbaros só pode ser o resultado dos furores passageiros de um tirano, e não ser sustentados por um sistema constante de legislação. Se as leis são cruéis, ou logo serão modificadas, ou não mais poderão vigorar e deixarão o crime impune. Termino por esta reflexão: que o rigor das penas deve ser relativo ao estado atual da nação.

São necessárias impressões fortes e sensíveis para impressionar o espírito grosseiro de um povo que sai do estado selvagem. Para abater o leão furioso, é necessário o raio, cujo ruído só faz irritá-lo. Mas, à medida que as almas se abrandam no estado de sociedade, o homem se torna mais sensível; e, se quiser conservar as mesmas relações entre o objeto e a sensação, as penas devem ser menos rigorosas.

Ante o espetáculo dessa profusão de suplícios que jamais tornaram os homens melhores, eu quero examinar se a pena de morte é verdadeiramente útil e se é justa num governo sábio.

Quem poderia ter dado a homens o direito de degolar seus semelhantes? Esse direito não tem certamente a mesma origem que as leis que protegem. A soberania e as leis não são mais do que a soma das pequenas porções de liberdade que cada um cedeu à sociedade.

Representam a vontade geral, resultado da união das vontades particulares. Mas, quem já pensou em dar a outros homens o direito de tirar-lhe a vida? Será o caso de supor que, no sacrifício que faz de uma pequena parte de sua liberdade, tenha cada indivíduo querido arriscar a própria existência, o mais precioso de todos os bens? Se assim fosse, como conciliar esse princípio com a máxima que proíbe o suicídio? Ou o homem tem o direito de se matar, ou não pode ceder esse direito a outrem nem à sociedade inteira.

A pena de morte não se apóia, assim, em nenhum direito. É uma guerra declarada a um cidadão pela nação, que julga a destruição desse cidadão necessária ou útil. Se eu provar, porém, que a morte não é útil nem necessária, terei ganho a causa da humanidade.

A morte de um cidadão só pode ser encarada como necessária por dois motivos: nos momentos de confusão em que uma nação fica na alternativa de recuperar ou de perder sua liberdade, nas épocas de confusão, em que as leis são substituídas pela desordem, e quando um cidadão.

Embora privado de sua liberdade, pode ainda, por suas relações e seu crédito, atentar contra a segurança pública, podendo sua existência produzir uma revolução perigosa no governo estabelecido.

Mas, sob o reino tranqüilo das leis, sob uma forma de governo aprovada pela nação inteira, num Estado bem defendido no exterior e sustentado no interior pela força e pela opinião talvez mais poderosa do que a própria força, num país em que a autoridade é exercida pelo próprio soberano, em que as riquezas só podem proporcionar prazeres e não poder, não pode haver nenhuma necessidade de tirar a vida a um cidadão, a menos que a morte seja o único freio capaz de impedir novos crimes.

Que deu aos chefes dos povos uma lição mais ilustre do que todas as brilhantes conquistas que a pátria só alcança ao preço do sangue dos seus filhos. Se os homens, a quem a linguagem da razão é sempre suspeita e que só se rendem à autoridade dos antigos usos, se recusam à evidência dessas verdades, bastar-lhes-á interrogar a natureza e consultar o próprio coração para testemunhar os princípios que acabam de ser estabelecidos.

O rigor do castigo causa menos efeito sobre o espírito humano do que a duração da pena, porque a nossa sensibilidade é mais fácil e mais constantemente afetada por uma impressão ligeira, mas freqüente, do que por um abalo violento, mas passageiro. Todo ser sensível está submetido ao império do hábito; e, como é este que ensina o homem a falar, a andar, a satisfazer suas necessidades, é também ele que grava no coração do homem as idéias de moral por impressões repetidas.

O espetáculo atroz, mas momentâneo, da morte de um celerado é para o crime um freio menos poderoso do que o longo e contínuo exemplo de um homem privado de sua liberdade, tornado até certo ponto uma besta de carga e que repara com trabalhos penosos o dano que causou à sociedade.

Essa volta freqüente do espectador a si mesmo: "Se eu cometesse um crime, estaria reduzida toda a minha vida a essa miserável condição", - essa idéia terrível assombraria mais fortemente os espíritos do que o medo da morte, que se vê apenas um instante numa obscura distância que lhe enfraquece o horror.

A impressão produzida pela visão dos suplícios não pode resistir à ação do tempo e das paixões, que logo apagam da memória dos homens as coisas mais essenciais. Por via de regra, as paixões violentas surpreendem vivamente, mas o seu efeito não dura. Produzirão uma dessas revoluções

A experiência de todos os séculos prova que a pena de morte nunca deteve celerados determinados a fazer mal. Essa verdade se apóia no exemplo dos romanos e nos vinte anos do reinado da imperatriz da Rússia, a benfeitora Izabel (13)

Súbitas que fazem de repente de um homem comum um romano ou um espartano. Mas, num governo tranqüilo e livre, são necessárias menos paixões violentas do que impressões duráveis.

Para a maioria dos que assistem à execução de um criminoso, o suplício deste é apenas um espetáculo; para a minoria, é um objeto de piedade mesclado de indignação. Esses dois sentimentos ocupam a alma do espectador, bem mais do que o terror salutar que é o fim da pena de morte.

Mas, as penas moderadas e contínuas só produzem nos espectadores o sentimento do medo. No primeiro caso, sucede ao espectador do suplício o mesmo que ao espectador do drama; e, assim como o avaro retorna ao seu cofre, o homem violento e injusto retorna às suas injustiças.

O legislador deve, por conseguinte, pôr limites ao rigor das penas, quando o suplício não se torna mais do que um espetáculo e parece ordenado mais para ocupar a força do que para punir o crime. Para que uma pena seja justa, deve ter apenas o grau de rigor bastante para desviar os homens do crime.

Ora, não há homem que possa vacilar entre o crime, mal grado a vantagem que este prometa, e o risco de perder para sempre a liberdade. Assim, pois, a escravidão perpétua, substituindo a pena de morte, tem todo o rigor necessário para afastar do crime o espírito mais determinado.

Digo mais: encaram-se muitas vezes a morte de modo tranqüilo e firme, uns por fanatismo, outros por essa vaidade que nos acompanha mesmo além do túmulo. Alguns, desesperados, fatigados da vida, vêem na morte um meio de se livrar da miséria. Mas, o fanatismo e a vaidade desaparecem nas cadeias, sob os golpes, em meio às barras de ferro.

O desespero não lhes põe fim aos males, mas os começa. Nossa alma resiste mais à violência das dores extremas, apenas passageiras, do que ao tempo e à continuidade do desgosto. Todas as forças da alma, reunindo-se contra males passageiros, podem enfraquecer-lhes a ação; mas, todas as suas molas acabam por ceder a penas longas e constantes. Numa nação em que a pena de morte é empregada, é forçoso, para cada exemplo que se dá um novo crime; ao passo que a escravidão perpétua de um único culpado põe sob os olhos do povo um exemplo que subsiste sempre, e se repete.

Se forem mister que os homens tenham sempre sob os olhos os efeitos do poder das leis, é preciso que os suplícios sejam freqüentes, e desde então é preciso também que os crimes se multipliquem; o que provará que a pena de morte não causa toda a impressão que deveria produzir, e que é inútil quando julgada necessária.

Dir-se-á que a escravidão perpétua é também uma pena rigorosa e, por conseguinte, tão cruel quanto à morte. Responderei que, reunindo num ponto todos os momentos infelizes da vida de um escravo, sua vida seria talvez mais horrível do que os suplícios mais atrozes; mas, esses momentos ficam espalhados por todo o curso da vida, ao passo que a pena de morte exerce todas as suas forças num só instante.

A vantagem da pena da escravidão para a sociedade é que amedronta mais aquele que a testemunha do que quem a sofre, porque o primeiro considera a soma de todos os momentos infelizes, ao passo que o segundo se alheia de suas penas futuras, pelo sentimento da infelicidade presente.

A imaginação aumenta todos os males. Aquele que sofre encontra em sua alma, endurecida pelo hábito da desgraça, consolações e recursos que as testemunhas dos seus males não conhecem, porque julgam segundo sua sensibilidade do momento. É somente por uma boa educação que se aprende a desenvolver e a dirigir os sentimentos do próprio coração. Mas, embora os celerados não possam perceber os seus princípios, nem por isso deixam de agir segundo certo raciocínio.

Ora, eis mais ou menos, como raciocina um assassino ou um ladrão,

Que só se afasta do crime pelo medo do poder ou da roda: "Quais são, afinal, as leis que devo respeitar e que deixam tão grande intervalo entre mim e o rico? O homem opulento recusa-me com dureza a pequena esmola que lhe peço e me manda para o trabalho, que eu jamais conheci.

Quem fez essas leis? Homens ricos e poderosos, que jamais se dignaram de visitar a miserável choupana do pobre, que não viram repartir um pão grosseiro aos seus pobres filhos famintos e à sua mãe desolada. Rompamos as convenções, vantajosas somente para alguns tiranos covardes, mas funestas para a maioria. Ataquemos a injustiça em sua fonte.

Sim retornarei ao meu estado de independência natural, viverei livre, provarei por algum tempo os frutos felizes da minha astúcia e da minha coragem. À frente de alguns homens determinados como eu, corrigirei os enganos da fortuna e verei meus tiranos tremer e empalidecer quando virem àquele que o seu fausto insolente punha abaixo dos cavalos e dos cães.

“Talvez venha uma época de dor e de arrependimento, mas essa época será curta; e por um dia de sofrimento, terei gozado vários anos de liberdade e de prazeres”.

Se a religião se apresentar então ao espírito desse infeliz, não o intimidará; diminuirá mesmo aos seus olhos o horror do último suplício, oferecendo-lhe a esperança de um arrependimento fácil e da felicidade eterna que é seu fruto.

Mas aquele que tem diante dos olhos um grande número de anos, ou mesmo a vida inteira que passar na escravidão e na dor, exposto ao desprezo dos seus concidadãos, dos quais fora igual escravo dessas leis pelas quais era protegido, faz uma comparação útil de todos os males, do êxito incerto do crime e do pouco tempo que terá para gozar.

O exemplo sempre presente dos infelizes que ele vê vítimas da imprudência impressiona-o muito mais do que os suplícios, que podem endurecê-lo, mas não corrigi-lo. A pena de morte é ainda funesta à sociedade, pelos exemplos de crueldade que dá aos homens.

Se as paixões ou a necessidade da guerra ensinam a espalhar o sangue humano, as leis, cujo fim é suavizar os costumes, deveriam multiplicar essa barbaria, tanto mais horrível quanto dá a morte com mais aparato e formalidades? Não é absurdo que as leis, que são a expressão da vontade geral, que detestam e punem o homicídio, ordenem um morticínio público, para desviar os cidadãos do assassínio?

Quais são as leis mais justas e mais úteis? São as que todos proporiam e desejariam observar, nesses momentos em que o interesse particular se cala ou se identifica com o interesse público. Qual é o sentimento geral sobre a pena de morte? Está traçado em caracteres indeléveis nesses movimentos de indignação e de desprezo que nos inspira a simples visão do carrasco, que não é, contudo senão o executor inocente da vontade pública, um cidadão honesto que contribui para o bem geral e que defende a segurança do Estado no interior, como o soldado, o defende no exterior.

Qual é, pois, a origem dessa contradição? E porque esse sentimento de horror resiste a todos os esforços da razão? É que, numa parte recôndita da nossa alma, na qual os princípios naturais ainda não foram alterados, descobrimos um sentimento que nos grita que um homem não tem nenhum direito legítimo sobre a vida de outro homem, e que só a necessidade, que estende por toda parte o seu cetro de ferro, pode dispor da nossa existência.

Que se deve pensar ao ver o sábio magistrado e os ministros sagrados da justiça fazer arrastar um culpado à morte, com cerimônia, com tranqüilidade, com indiferença? E, enquanto o infeliz espera o golpe fatal, por entre convulsões e angústias, o juiz que acaba de condená-lo deixa friamente o tribunal para ir provar em paz as doçuras e os prazeres da vida, e talvez louvar-se, com secreta complacência, pela autoridade que acaba de exercer.

Não será o caso de dizer que essas leis são apenas a máscara da tirania, que essas formalidades cruéis e refletidas da justiça são simplesmente um pretexto para imolar-nos com mais confiança, como vítimas sacrificadas ao despotismo insaciável?

O assassínio, que nos aparece como um crime horrível, nós o vemos cometer friamente e sem remorso. Não poderemos autorizar-nos com esse exemplo? Pintavam-nos a morte violenta como uma cena terrível, e é apenas questão de um momento. Será menos ainda para aquele que tiver coragem de ir-lhe ao encontro e de poupar-se desse modo tudo o que ela tem de dolorosa.

Tais são os tristes e funestos raciocínios que perdem uma cabeça já disposta ao crime, um espírito mais capaz de se deixar conduzir pelos abusos da religião do que pela religião mesma. A história dos homens é um imenso oceano de erros, no qual se vê sobrenadar uma ou outra verdade mal conhecida.

Não me oponham, pois, o exemplo da maior parte das nações, que, em quase todos os tempos, aplicaram a pena de morte contra certos crimes; esses exemplos nenhuma força têm contra a verdade que é sempre tempo de reconhecer. Nesse caso, aprovar-se-iam os sacrifícios humanos, porque estiveram geralmente em uso entre todos os povos primitivos.

Mas, se descubro alguns povos que se abstiveram, mesmo durante um curto espaço de tempo do emprego da pena de morte, posso prevalecer-me disso com razão; pois o destino das grandes verdades é não brilhar senão com a duração do relâmpago, no meio da longa noite de trevas que envolvem o gênero humano. Ainda não chegaram os dias felizes em que a verdade eliminará o erro e se tornará apanágio de maioria, em que o gênero humano não será iluminado somente pelas verdades reveladas.

Aquele que perturba a tranqüilidade pública, que não obedece às leis, que viola as condições sob as quais os homens se sustentam e se defendem mutuamente, esse deve ser excluído da sociedade, isto é, banido. Parece-me que se poderiam banir aqueles que, acusados de um crime atroz, são suspeitos de culpa com maior verossimilhança, mas sem estar plenamente convencidos do crime.

Em casos semelhantes, seria mister que uma lei, a menos arbitrária e a mais precisa possível, condenasse ao banimento aquele que pusesse a nação na fatal alternativa de fazer uma injustiça ou de temer um acusado. Seria mister, igualmente, que essa lei deixasse ao banido o direito sagrado de poder a todo instante provar sua inocência e recuperar os seus direitos.

Seria mister, enfim, que houvesse razões mais fortes para banir um cidadão acusado pela primeira vez do que para condenar a essa pena um estrangeiro ou um homem que já tivesse sido chamado à justiça.

Mas, deve aquele que se bane, que se exclui para sempre da sociedade de que fazia parte, ser ao mesmo tempo privado dos seus bens? Essa questão pode ser encarada sob diferentes aspectos.

A perda dos bens é uma pena maior que a do banimento. Deve, pois, haver casos em que, para proporcionar a pena ao crime, se confiscarão todos os bens do banido. Em outras circunstâncias, só será despojado de uma parte de sua fortuna; e, para certos delitos, o banimento não será acompanhado de nenhuma confiscação.

O culpado poderá perder todos os seus bens, se a lei que pronuncia o banimento declara rompidos todos os laços que o ligavam à sociedade; porque desde então o cidadão está morto, resta somente o homem; e, perante a sociedade, a morte política de um cidadão deve ter as mesmas conseqüências que a morte natural. Segundo essa máxima, dir-se-á talvez que é evidente que os bens do culpado deveriam reverter para os herdeiros legítimos, e não para o príncipe;

Não é nisso, porém, que me apoiarei para desaprovar as confiscações. Se alguns jurisconsultos sustentaram que as confiscações punham um freio às vinganças dos particulares banidos, tirando-lhes o poder de ser nocivos, é que não refletiram que não basta uma pena produzir algum bem para ser justa.

Uma pena só é justa quando necessária. Um legislador não autorizará nunca uma injustiça útil, se quer prevenir as invasões da tirania, que vela sem cessar, que seduz e abusa pelo pretexto falaz de algumas vantagens momentâneas, e que faz de perecer em pranto e na miséria um povo cuja ruína prepara, para espalhar a abundância e a felicidade sobre uma minoria de homens privilegiados.

O uso das confiscações põe continuamente a prêmio a cabeça

do infeliz sem defesa, e faz o inocente sofrer os castigos reservados aos culpados. Pior ainda, as confiscações podem fazer do homem de bem um criminoso, pois o levam ao crime, reduzindo-o à indigência e ao desespero. E, além disso, não há espetáculo mais hediondo que o de uma família inteira coberta de infâmia, mergulhada nos horrores da miséria pelo crime do seu chefe, crime que essa família, submetida à autoridade do culpado, não poderia prevenir, mesmo que tivesse os meios para tanto.

A infâmia é um sinal da improbação pública, que priva o culpado da consideração, da confiança que a sociedade tinha nele e dessa espécie de fraternidade que une os cidadãos de um mesmo país.

Como os efeitos da infâmia não dependem absolutamente das leis, é mister que a vergonha que a lei inflige se baseie na moral, ou na opinião pública. Se tentasse manchar de infâmia uma ação que a opinião não julga infame, ou a lei deixaria de ser respeitada, ou as idéias aceitas de probidade e de morai desapareceriam, mal grado todas as declamações dos moralistas, sempre impotentes contra a força do exemplo. Declarar infames ações indiferentes em si mesmas é diminuir a infâmia das que efetivamente merecem ser designadas desse modo.

Bem necessário é evitar que se punam com penas corporais e dolorosas certos delitos fundados no orgulho e que fazem dos castigos uma glória. Tal é o fanatismo, que só pode ser reprimido pelo ridículo e pela vergonha. Se humilhar à orgulhosa vaidade dos fanáticos perante uma grande multidão de espectadores, devem esperar-se felizes efeitos dessa pena, pois que a própria verdade tem necessidade dos maiores esforços para se defender, quando é atacada pela arma do ridículo.

Opondo assim a força a força e a opinião a opinião, um legislador esclarecido dissipa no espírito do povo a admiração que lhe causa um falso princípio, cujo absurdo lhe foi dissimulado com raciocínios especiosos. As penas infamantes devem ser raras, porque o emprego demasiado freqüente do poder da opinião enfraquece a força da própria opinião.

A infâmia não deve cair tão pouco sobre um grande número de pessoas ao mesmo tempo, porque a infâmia de um grande número não é mais, em breve, a infâmia de ninguém. Tais são os meios de harmonizar as relações invariáveis das coisas e de atender à natureza, que, sempre ativa e jamais sujeita aos limites do tempo, destrói e revoga todas as leis que se afastam dela.

Não é só nas belas-artes que é preciso seguir fielmente a natureza: as instituições políticas, ao menos aquelas que têm um caráter de sabedoria e elementos de duração, se fundam na natureza; e a verdadeira política não é outra coisa senão a arte de dirigir para o mesmo fim de utilidade os sentimentos imutáveis do homem.

Quanto mais pronta for à pena e mais de perto seguir o delito, tanto mais justa e útil ela será. Mais justa. Porque poupará ao acusado os cruéis tormentos da incerteza, tormentos supérfluos, cujo horror aumenta para ele na razão da força de imaginação e do sentimento de fraqueza. A presteza do julgamento é justa ainda porque, a perda da liberdade sendo já uma pena, esta só deve preceder a condenação na estrita medida que a necessidade o exige.

Se a prisão é apenas um meio de deter um cidadão até que ele seja julgado culpado, como esse meio é aflitivo e cruel, deve-se, tanto quanto possível, suavizar-lhe o rigor e a duração. Um cidadão detido só deve ficar na prisão o tempo necessário para a instrução do processo; e os mais antigos detidos têm direito de ser julgados em primeiro lugar.

O acusado não deve ser encerrado senão na medida em que for necessário para o impedir de fugir ou de ocultar as provas do crime. O processo mesmo deve ser conduzido sem protelações. Que contraste hediondo entre a indolência de um juiz e a angústia de um acusado!

De um lado, um magistrado insensível, que passa os dias no bem-estar e nos prazeres, e de outro um infeliz que definha, a chorar no fundo de uma masmorra abominável. Os efeitos do castigo que se segue ao crime devem ser em geral impressionantes e sensíveis para os que o testemunharam; haverá, porém, necessidade de que esse castigo seja tão cruel para quem o sofre?

Quando os homens se reuniram em sociedade, foi para só se sujeitarem aos mínimos males possíveis; e não há país que possa negar esse princípio incontestável. Eu disse que a presteza da pena é útil; e é certo que, quanto menos tempo decorrer entre o delito e a pena, tanto mais os espíritos ficarão compenetrados da idéia de que não há crimes sem castigo; tanto mais se habituarão a considerar o crime como a causa da qual o castigo é o efeito necessário e inseparável.

É a ligação das idéias que sustenta todo o edifício do entendimento humano. Sem ela, o prazer e a dor seriam sentimentos isolados, sem efeito, tão cedo esquecidos quanto sentidos. Os homens sem idéias gerais e princípios universais, isto é, os homens ignorantes e embrutecidos, não agem senão segundo as idéias mais vizinhas e mais imediatamente unidas.

Negligenciam as relações distantes, e essas idéias complicadas, que só se apresentam ao homem fortemente apaixonado por um objeto, ou aos espíritos esclarecidos. A luz da atenção dissipa no homem apaixonado as trevas que cercam o vulgar. O homem instruído acostumado a percorrer e a comparar rapidamente um grande número de idéias e de sentimentos opostos, tira do contraste um resultado que constitui a base de sua conduta, desde então menos incerta e menos perigosa.

É, pois, da maior importância punir prontamente um crime cometido, se quiser que, no espírito grosseiro do vulgo, a pintura sedutora das vantagens de uma ação criminosa desperte imediatamente a idéia de um castigo inevitável. Uma pena por demais retardada torna menos estreita a união dessas duas idéias: crime e castigo.

Se o suplício de um acusado causa então alguma impressão, e somente como espetáculo, pois só se apresenta ao espectador quando o horror do crime, que contribui para fortificar o horror da pena, já está enfraquecido nos espíritos.

Poder-se-ia ainda estreitar mais a ligação das idéias de crime e de castigo, dando à pena toda a conformidade possível com a natureza do delito, a fim de que o receio de um castigo especial afaste o espírito do caminho a que conduzia a perspectiva de um crime vantajoso. É preciso que a idéia do suplício esteja sempre presente no coração do homem fraco e domine o sentimento que o leva ao crime.

Entre vários povos, punem-se os crimes pouco consideráveis com a prisão ou com a escravidão num país distante, isto é, manda-se o culpado levar um exemplo inútil a uma sociedade que ele não ofendeu.

Como os homens não se entregam, a princípio, aos maiores crimes, a maior parte dos que assistem ao suplício de um celerado, acusado de algum crime monstruoso, não experimentam nenhum sentimento de terror ao verem um castigo que jamais imaginam poder merecer. Ao contrário, a punição pública dos pequenos delitos mais comuns causar-lhe-á na alma uma impressão salutar que os afastará de grandes crimes, desviando-os primeiro dos que o são menos.

Não é o rigor do suplício que previne os crimes com mais segurança, mas a certeza do castigo, o zelo vigilante do magistrado e essa severidade inflexível que só é uma virtude no juiz quando as leis são brandas. A perspectiva de um castigo moderado, mas inevitável causará sempre uma forte impressão mais forte do que o vago temor de um suplício terrível, em relação ao qual se apresenta alguma esperança de impunidade.

O homem treme à idéia dos menores males, quando vê a impossibilidade de evitá-los; ao passo que a esperança, doce filha do céu, que tantas vezes nos proporciona todos os bens, afasta sempre a idéia dos tormentos mais cruéis, por pouco que ela seja sustentada pelo exemplo da impunidade, que a fraqueza ou o amor do ouro tão freqüentemente concede.

Às vezes, a gente se abstém de punir um delito pouco importante, quando o ofendido perdoa. É um ato de benevolência, mas um ato contrário ao bem público. Um particular pode bem não exigir a reparação do mal que se lhe fez; mas, o perdão que ele concede não pode destruir a necessidade do exemplo.

O direito de punir não pertence a nenhum cidadão em particular; pertence às leis, que são o órgão da vontade de todos. Um cidadão ofendido pode renunciar à sua porção desse direito, mas não tem nenhum poder sobre a dos outros. Quando as penas se tiverem tornado menos cruéis, a demência e o perdão serão menos necessários. Feliz a nação que não mais lhes desse o nome de virtudes!

A demência, que se tem visto em alguns soberanos substituir outras qualidades que lhes faltavam para cumprir os deveres do trono, deveria ser banida de uma legislação sábia na qual as penas fossem brandas e a justiça feita com formas prontas e regulares.

Essa verdade parecerá dura apenas aos que vivem submetidos aos abusos de uma jurisprudência criminal que concede a graça e o perdão necessários em razão mesmo da atrocidade das penas e do absurdo das leis. O direito de conceder graça é sem dúvida a mais bela prerrogativa do trono; é o mais precioso atributo do poder soberano; mas, ao mesmo tempo, é uma improbação tácita das leis existentes.

O soberano que se ocupa com a felicidade pública e que julga contribuir para ela exercendo o direito de conceder graça, eleva-se então contra o código criminal, consagrado, mal grado seus vícios, pelos preconceitos antigos, pelo calhamaço impostor dos comentadores, pelo grave aparelho das velhas formalidades, enfim, pelo sufrágio dos semi-sábios, sempre mais insinuantes e mais escutados do que os verdadeiros sábios.

Sendo a clemência virtude do legislador e não do executor das leis, devendo manifestar-se no Código e não em julgamentos particulares, se deixar ver aos homens que o crime pode ser perdoado e que o castigo nem sempre é a sua conseqüência necessária, nutre-se neles a esperança da impunidade; faz-se com que aceitem os suplícios não como atos de justiça, mas como atos de violência.

Quando o soberano concede graça a um criminoso, não será o caso de dizer que sacrifica a segurança pública à de um particular e que, por um ato de cega benevolência, pronuncia um decreto geral de impunidade?

Sejam, pois, as leis inexoráveis, sejam os executores das leis inflexíveis; seja, porém, o legislador indulgente e humano. Arquiteto prudente dê por base ao seu edifício o amor que todo homem tem ao próprio bem-estar, e saiba fazer resultar o bem geral do concurso dos interesses particulares; não se verá, assim, constrangido a recorrer a leis imperfeitas, há meios pouco refletidos que separam a cada instante os interesses da sociedade dos cidadãos; não será forçado a elevar sobre o medo e a desconfiança o simulacro da felicidade pública.

Filósofo profundo e sensível terá deixado aos seus irmãos o gozo pacífico da pequena porção de felicidade que o Ser supremo lhes concedeu nesta terra, que não é mais do que um ponto no meio de todos os mundos.

Serão justos os asilos? E será útil o uso estabelecido entre as nações de permutarem entre si os criminosos? Em toda a extensão de um Estado político, não deve haver nenhum lugar fora da dependência das leis. A força destas deve seguir o cidadão por toda a parte, como a sombra segue o corpo.

Há pouca diferença entre a impunidade e os asilos; e, como o melhor meio de impedir o crime é a perspectiva de um castigo

certo e inevitável, os asilos, que representam um abrigo contra a ação das leis, convidam mais ao crime do que as penas o evitam, do momento em que se tem a esperança de evitá-los.

Multiplicar os asilos é formar pequenas soberanias, porque, quando as leis não têm poder, novas potências se formam de ordem comum, estabelece-se um espírito oposto ao do corpo inteiro da sociedade. Vê-se, na história de todos os povos, que os asilos foram à fonte de grandes revoluções nos Estados e nas opiniões humanas. Pretenderam alguns que, cometido um crime num lugar, isto é, um ato contrário às leis teria estas em toda parte o direito de punir. Será a qualidade de súdito, nesse caso, um caráter indelével? Será o nome de súdito pior que o de escravo? E admitir-se-á que um homem habite um país e seja submetido às leis de outro país?

Que suas ações fiquem ao mesmo tempo subordinadas a dois soberanos e a duas legislações muitas vezes contraditórias? Ousou-se dizer, assim, que um crime cometido em Constantinopla podia ser punido em Paris, porque aquele que ofende uma sociedade humana merece ter todos os homens por inimigos e deve ser objeto da execração universal.

No entanto, os juízes não são vingadores do gênero humano em geral; são os defensores das convenções particulares que ligam entre si certo número de homens. Um crime só deve ser punido no país onde foi cometido, porque é somente aí, e não em outra parte, que os homens são forçados a reparar, pelo exemplo da pena, os funestos efeitos que o exemplo do crime pode produzir.

Um celerado, cujos crimes precedentes não puderam violar as leis de uma sociedade da qual não era membro, pode bem ser temido e expulso dessa sociedade; mas, as leis não podem infligir-lhe outra pena, pois são feitas somente para punir o mal que lhe é feito, e não o crime que não as ofende. Será, pois, útil que as nações permutem reciprocamente entre si os criminosos?

Certamente, a persuasão de não encontrar nenhum lugar na terra em que o crime possa ficar impune seria um meio bem eficaz de preveni-lo. Não ousarei, porém, decidir essa questão, até que as leis, tornando-se mais conformes aos sentimentos naturais do homem, com penas mais brandas, impedindo o arbítrio dos juízes e da opinião, assegurem a inocência e preservem a virtude das perseguições da inveja; até que a tirania, relegada ao Oriente, tenha deixado a Europa sob o doce império da razão, dessa razão eterna que une com um laço indissolúvel os interesses dos soberanos aos interesses dos povos.

Dr João Evangelista
Enviado por Dr João Evangelista em 18/03/2016
Código do texto: T5577515
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