POLICIAIS BRASILEIROS PODEM ADVOGAR SIM: INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 28, V DA LEI 8.906/94

POLICIAIS BRASILEIROS PODEM ADVOGAR SIM: INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 28, V DA LEI 8.906/94

No Brasil existem muitas incongruências em relação à atividades profissionais e o exercício destas, principalmente no ambiente público. Um brocardo popular prevalece: Farinha pouca, meu pirão primeiro. Ocorre que, nas interpretações infinitas e muitas vezes injustas das normas, criou-se privilégios funcionais em detrimento de outra carreiras. O objetivo não é o trabalho e sim aquilo que aquela ou outra função pública pode corroborar com interesses de governantes. Razão pela qual, o Judiciário muitas vezes levanta a “venda” dos olhos para uns e para outros, a lei.

Um outro jargão do povo faz sentido no tema que ora apresento: “ O pau que dá em Chico tem que dá em Francisco”. No entanto, não é uma realidade, pois na ótica organizacional, muitas vezes são criadas escalas de importância. Por exemplo: Delegado é melhor do que agente ou escrivão de polícia. Promotor de Justiça é melhor do que delegado. Juiz de Direito é melhor do que Promotor de Justiça. Todos nós sabemos que não é verdade do ponto de vista jurídico e legal, pois todos exercem funções importantes e específicas em suas atribuições (independentemente de vencimentos ou valores de subsídios), porém, no aspecto cultural, da nossa sociedade arcaica, mesmo que o escrivão de polícia trabalhe mais que o delegado, ou que delegado seja mais diligente que o promotor de justiça, ou que este seja mais probo que o juiz de direito, no final das contas, uma frase emblemática surgirá: “juiz é juiz, não erra, se atrapalha. Você é que precisa fazer a coisa certa”.

Pois bem, já contamos com quase 200 anos que este país vem sendo normatizado por constituições próprias, porém as interpretações legais sempre prestigiam cargos, ditos da cúpula da Administração Pública. Com isso, erros e mais erros vêm sendo arbitrariamente aceitos, tendo em vista a proteção aos cargos, independentemente de que os ocupe. Não preciso nem cita nomes, que na sua cabeça virá nomes de corruptos que ocupam cadeiras no Judiciário, Executivo e Legislativo.

No caso em tela, o presente estudo tem a finalidade de apresentar uma questão pontual. A equivocada interpretação ou a inconstitucionalidade do artigo 28, inciso V, da Lei 8.906/94, que regulamenta a Ordem dos Advogados do Brasil. Porém é importante trazer a informação do artigo 27 da mesma lei, que define que a incompatibilidade determina a proibição total, e o impedimento, a proibição parcial do exercício da advocacia. Maravilhoso este dispositivo. Mais fantástico ainda foi a ideia da redação dos artigos 28 a 30, vejamos:

Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades:

I - chefe do Poder Executivo e membros da Mesa do Poder Legislativo e seus substitutos legais;

II - membros de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais, da justiça de paz, juízes classistas, bem como de todos os que exerçam função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública direta e indireta;

III - ocupantes de cargos ou funções de direção em Órgãos da Administração Pública direta ou indireta, em suas fundações e em suas empresas controladas ou concessionárias de serviço público;

IV - ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a qualquer órgão do Poder Judiciário e os que exercem serviços notariais e de registro;

V - ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza;

VI - militares de qualquer natureza, na ativa;

VII - ocupantes de cargos ou funções que tenham competência de lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e contribuições parafiscais;

VIII - ocupantes de funções de direção e gerência em instituições financeiras, inclusive privadas.

§ 1º A incompatibilidade permanece mesmo que o ocupante do cargo ou função deixe de exercê-lo temporariamente.

§ 2º Não se incluem nas hipóteses do inciso III os que não detenham poder de decisão relevante sobre interesses de terceiro, a juízo do conselho competente da OAB, bem como a administração acadêmica diretamente relacionada ao magistério jurídico.

Art. 29. Os Procuradores Gerais, Advogados Gerais, Defensores Gerais e dirigentes de órgãos jurídicos da Administração Pública direta, indireta e fundacional são exclusivamente legitimados para o exercício da advocacia vinculada à função que exerçam, durante o período da investidura.

Art. 30. São impedidos de exercer a advocacia:

I - os servidores da administração direta, indireta e fundacional, contra a Fazenda Pública que os remunere ou à qual seja vinculada a entidade empregadora;

II - os membros do Poder Legislativo, em seus diferentes níveis, contra ou a favor das pessoas jurídicas de direito público, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas, entidades paraestatais ou empresas concessionárias ou permissionárias de serviço público.

Parágrafo único. Não se incluem nas hipóteses do inciso I os docentes dos cursos jurídicos.

Na prática, em apenas breve leitura dos dispositivos acima, já verificamos que na realidade, muito do que foi positivado não se aplica em muitas carreiras, mas....deixemos para outro debate.

Vale registrar que, como o foco do estudo é exclusivamente sobre a pertinência do direito dos policiais brasileiros advogarem, logo não adentraremos no mérito de Procuradores dos Estados que advogam muitas vezes contra o próprio Estado que os remunera, não diretamente, explicitamente, mas através de seus escritórios ou defendendo corruptos que lesaram os cofres públicos do próprio Estado; muito menos de tratar de advogados que ingressaram Judiciário pelo quinto constitucional ou por nomeação direta ao Supremo Tribunal Federal e continuaram com seus escritórios advocacia em pleno vapor, apenas com uma singela mudança de nome, etc, etc, etc.

Assim, em sede de preliminar, gostaria de aplicar a exegese do dispositivo ora combatido, qual seja: “ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza”. Bem, em breve interpretação gramatical, podemos abstrair que os Secretários de Segurança Pública nunca poderiam ser advogados. Ao assumir este cargo em comissão, pois o ocupante do cargo de Secretário está diretamente ligado ao comando de todas as polícias estaduais, civis, militares e corpos de bombeiros, neste caso, já existiria o impedimento. No entanto, quando isto ocorreu em todo o Brasil, não só foi sustada a nomeação ao cargo, como também os mesmos não se afastaram dos processos que atuaram, pelo menos a grande maioria que estiveram nesta situação. Particularmente não vejo nada demais isto ocorrer, pois por ser um cargo político, muitas vezes o advogado já possui uma grande experiência no âmbito penal e ao assumir o comando da polícia saberá lidar com a gestão daquela pasta com muita proficiência (muitos destes advogados foram ex-policiais).

Vamos ao mérito do tema. A atividade policial do texto legal é extremamente relativo, pois segurança pública vai deste os elencados do artigo 144 da Constituição Federal, bem como guarda municipais, integrantes das polícias legislativas, etc. Aliás, o termo hoje em dia ganhou uma nova característica e um novo conceito, muito bem transcrita no Decreto nº 9.797, de 21 de maio de 2019, que trata da seguinte matéria: Altera o Decreto nº 9.785, de 7 de maio de 2019, que regulamenta a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, para dispor sobre a aquisição, o cadastro, o registro, a posse, o porte e a comercialização de armas de fogo e de munição e sobre o Sistema Nacional de Armas e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas, e o Decreto nº 9.607, de 12 de dezembro de 2018, que institui a Política Nacional de Exportação e Importação de Produtos de Defesa, do atual presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, quando trata de órgãos ou funções de segurança para a obtenção da posse e do porte de arma. Importante registar que entre as carreiras ditas como de atividades profissionais de risco está a do advogado. Corretíssimo o teor deste decreto, porém não adentraremos aos aspectos polêmicos, pois também não é o foco do estudo.

Voltemos ao tema. Como vimos, o conceito da atividade policial é absolutamente relativo, principalmente na prática. O “X” da questão está apenas em um conceito: “atividade policial de qualquer natureza”. Antes, porém, mister trazer o pensamento do atual Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Dias Toffoli, quando da análise da ADI 3.541, julgada em 12/02/2014:

"A vedação do exercício da atividade de advocacia por aqueles que desempenham, direta ou indiretamente, serviço de caráter policial, prevista no art. 28, inciso V, da Lei 8.906/1994, não se presta para fazer qualquer distinção qualificativa entre a atividade policial e a advocacia. Cada qual presta serviços imensamente relevantes no âmbito social, havendo, inclusive, previsão expressa na Carta Magna a respeito dessas atividades. O que pretendeu o legislador foi estabelecer cláusula de incompatibilidade de exercício simultâneo das referidas atividades, por entendê-lo prejudicial ao cumprimento das respectivas funções. Referido óbice não é inovação trazida pela Lei 8.906/1994, pois já constava expressamente no anterior Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, Lei 4.215/1963 (art. 84, XII). Elegeu-se critério de diferenciação compatível com o princípio constitucional da isonomia, ante as peculiaridades inerentes ao exercício da profissão de advogado e das atividades policiais de qualquer natureza." (DJE de 24-3-2014.)

A transcrição deste verbete, demonstra um lado apenas do conceito da atividade, bem como do que foi descrito como prejudicial o exercício simultâneo das atividades, o que, com a devida vênia, discordo.

Como vimos, o conceito de atividade policial é relativo, bem como o termo “atividades profissionais de risco”, também traz em seu bojo, um novo debate.

Determinadas categorias vem ganhando a oportunidade em advogar, que em tese estão relacionadas a atividade policial, v.g., os peritos forenses e aqueles cargos, muitos em extinção, porém que na prática exercem a atividade fim de polícia, como motorista, maqueiros, operadores de rádios, etc. Justo, pois aos olhos da legislação, estes cargos não são atividades policiais em espécie. Vejam que neste caso, entraríamos em outro debate, pois estaríamos tratando ao que seria ou não atividade fim da polícia, que por sinal, tecnicamente, é o perfeito cumprimento do mandamento constitucional em matéria penal e das leis infraconstitucionais, em especial, o Código de Processo Penal, que já vai com mais de 70 anos de existência.

O polícia daquela época não era a mesma desta em que vivemos. As funções e atividades mudam com o tempo. Que o diga a legislação trabalhista, em especial a recente e importante reforma laboral (várias ocorridas no ano de 2017), que tratou de inserir e melhorar muitos dos conceitos da relação empregatícia.

Outra questão deve ser saneada antes da continuidade deste enfrentamento jurídico. Para obter o título de bacharel em direto, é necessário a conclusão em curso em qualquer instituição de ensino superior brasileiro. Em seguida, mister a aprovação do exame de ordem, que por sinal, a cada ano, número de reprovados aumenta, cujos percentuais oscilam entre 17 a 47 % (por cento) de aprovados. Ou seja, o policial que queira ser advogado terá que concluir um curso de direito e ser aprovado no exame de Ordem. Perfeito.

Neste sentido, o texto legal quis trazer o impedimento, ou seja, a impossibilidade plena da advocacia para aqueles que estivessem em atividade policial de qualquer natureza. No entanto, é necessário uma interpretação lógica e teleológica do presente conceito.

Há que se fracionar o termo em debate, tendo em vista que existem hoje, inúmeras entidades e cargos vinculados à atividade dita policial ou de risco. Quando tratamos de natureza jurídica de uma atividade profissional, não podemos tratar da mesma forma hoje como foi em 1994 e muito menos do que foi 1941, por exemplo. Não muito longe, em 1994, era impossível tratar de uma área voltada para crimes cibernéticos, muito menos para a responsabilidade civil por danos morais na internet, ou mais, de uma relação trabalhista por via do teletrabalho.

É injusto, unir em um único termo: atividade policial quando tiver o objetivo de inibir direitos, e aplicar uma exegese mais benéfica quando for para viabilizar a possibilidade de determinadas atividades, afastando-as daquilo que seria a atividade fim da polícia judiciária ou preventiva.

Identificamos segurança pública no âmbito Federal, estadual, municipal e distrital. Como também encontram os diversas áreas do direito, a exemplo do direito penal, civil, trabalhista, etc nos vários fóruns do Brasil.

Assim, aproveitado a interpretação mais benéfica, princípio este basilar ao direito do trabalho, que ora avoco por analogia, entendo que é perfeitamente possível o exercício advocacia por parte dos integrantes de qualquer atividade da segurança pública, policias, peritos, etc, porém, em áreas estranhas ao seu exercício, ou seja, temas jurídico cuja natureza seja de prevalência penal ou criminal, para estas, os policiaiss estariam impedidos de advogar. Em outras palavras, um policial federal pode advogar tanto na justiça do trabalho, federal ou estadual, desde que não atue no âmbito da competência criminal. Da mesma forma, os policias civis e militares, por exemplo, poderiam advogar na justiça estadual, federal, do trabalho e eleitoral, quando não fosse em material penal. No que tange às justiças militares, entendo que o impedimento seria exclusivo para os integrantes das polícias militares e dos corpos de bombeiro, face a legislação especial.

Entendo que estes direitos também estariam extensivos aos integrantes das forças armadas (cuja segurança defendida é a nacional).

Uma pergunta viria à tona, mas e o horário de trabalho?. Um servidor tem horário para exercer suas atividades, cada um buscaria o melhor consenso com os seus gestores de trabalho. Muitos com certeza mudariam de turno, optariam por plantão, etc, pois uma vez garantido o direito de advogar, todo aquele tivesse este título: advogado ou advogada, tentaria se adequar.

Muitos começariam a estudar direito, o nível seria melhor do servidor policial. Todos sairiam ganhando, principalmente a sociedade. Outra coisa, não seria só o médico público que poderia advogar, ou professor de universidade pública, entre tantas carreiras que gozariam deste direito. É preciso lembrar que também, para ser policial, mister passar em concurso, que diga-se de passagem, está cada vez mais difícil. Querem candidatos com alto nível intelectual e físico e no entanto, querem podar este servidor que cursou uma faculdade e foi aprovado num exame difícil de classe, em poder exercer a advocacia. É injusto e imoral.

Para a OAB seria maravilhoso, pois teria uma nova parcela de profissionais em suas cadeiras, não só procuradores da União, Estado ou municípios, ou defensores públicos, peritos criminais, et al, teriam agora também delegados, agentes, sargentos, soldados, capitães, escrivães de polícia, etc. A arrecadação seria aumentada e em qualidade também ganharia a Ordem. Vale recordar que tanto as polícias possuem Corregedorias, como existes nas OAB’s os Conselhos de Ética, que funcionam muito bem.

Por fim, espero que em todo o Brasil, a luta por este direito de advogar do policial, bacharel em direito, aprovado no Exame de Ordem, seja algo contínuo e que o êxito chegue por ser de Justiça.