INOVAÇÃO PROCESSUAL NA EXECUÇÃO DE JULGADO

Falemos de uma situação bem comum no meio judiciário: a execução do julgado. Refiro-me à grande massa de ações em que há condenação do pagamento de um valor, ou, em se tratando de prestações continuadas, que abrangem a quitação dos atrasados.

Desde logo desponta a questão da liquidação do julgado, seja a sentença monocrática, seja o acórdão depois que o feito, submetido a recurso, retorna para a fase de execução. Sempre que os cálculos sejam fundados em meras apurações aritméticas, devem ser apresentados pela parte interessada, abrindo-se o contraditório. Na prática equivale a dizer que o credor apresenta sua conta e o juiz manda a parte adversa se manifestar. Havendo discordância, é muito comum que o juiz busque valer-se de apoio técnico, notadamente a Contadoria Judicial, que promove a verificação dos cálculos e presta suas informações – é o despacho “Diga o Contador”.

Particularmente na Justiça Federal, na maioria dos casos o réu é um ente público tocado pela indisponibilidade de seus bens-interesses. Seja a própria União, sejam autarquias federais, como o INSS, o fato é que tais entidades não podem dispor de seu patrimônio pelo simples fato de serem patrimônios públicos. Então, digamos que o particular ganhou a ação perante a União e houve o edito condenatório de valor a ser quitado. O autor promove a liquidação da sentença apresentando os seus cálculos, pretendendo ver-se pago em R$ 50.000,00. De simples olhadela nos autos fica uma forte impressão de que a conta do autor projetou excessivamente o valor do débito. O juiz manda a União manifestar-se mas, pelas mais variadas circunstâncias, não ocorre a manifestação. Ou então, digamos que a União (insistimos, poderia ser o INSS ou outro ente público) concorde com o valor, apesar de ser muito grande a chance de ter ocorrido supervalorização. Patrimônio público é indisponível. Deve o juiz homologar o valor apresentado pelo autor da ação de cognição, ora exeqüente? O Judiciário, em situações que tais, torna-se um homologador automático, mesmo considerando-se a natureza indisponível dos bens do devedor? Mesmo que não houvesse a indisponibilidade, ainda assim estaria o juiz fadado inexpugnavelmente a homologar uma conta sob risco de aviltar o conteúdo econômico do julgado?

Cremos que não. Aliás, dificilmente imaginamos que alguém possa seriamente pressupor que em uma chicana legal derrape a finalidade última do Judiciário, que é dizer o direito, e não homologar contas em detrimento de um cochilo ou inoperância por falta de advogados públicos ou procuradores federais. Vale renovar a extensão do raciocínio aos casos entre particulares: derraparia o Judiciário em prejuízo do patrimônio de quem deve pagar o que foi fixado no julgado, compelindo-o sob o forte risco de uma quase espoliação institucionalizada?

Não. Não se pode fazer tábua rasa do Direito como laço lógico de linguagens de programação. “Se isso, faça aquilo; se aquilo, faça isso”. O Direito pressupõe análise e decisão. O caso concreto deve ser observado, não se prestando a regras que retirem da apreciação do Juiz eventual abuso que se pretenda homologar.

Partindo daí, mesmo com as inovações introduzidas no Código de Processo Civil recentemente, que levou o artigo 475 a desdobramentos estafantes, do alfa ao ômega, gravando o velho Codex com o tom violáceo da modernidade alheia à melhor técnica legislativa, mesmo assim o juiz deve efetivamente apreciar o conteúdo da valoração dada ao crédito que se pretende impor. A obrigatoriedade da parte interessada apresentar os cálculos desponta do artigo 475-B do CPC. O juiz pode (reafirmamos: deve) mandar os autos ao Contador Judicial para as averiguações - art. 475-B, § 3º, do CPC. Quando o auxiliar judiciário oferta os seus informes acerca da conta, é a parte “exeqüente” que é intimada a manifestar-se - art. 475-B, § 4º, do CPC. Curioso – e é melhor que assim se adjetive – o dispositivo que assevera prevalecer o valor dado pelo autor quando em discordância ao montante apurado pelo Contador. Curioso porque é como se dissesse “vamos fazer de conta que o autor é quem manda aqui”, sendo que, não obstante, logo adiante puxa rapidamente a colher com o doce, retirando-a da boca da criança, ao asseverar que, nesse caso, a garantia a se constituir com a penhora restringe-se ao quanto calculado pela Contadoria. Talvez haja quem veja aí um sistema de pesos e contrapesos. Na verdade, tem-se um arremedo de sistema, uma garatuja de mecanismo mal concebido que não traz solução alguma à questão da liquidação nem muito menos à efetiva apreciação do justo valor do crédito a executar-se. O que se ganhou com esse, vá lá, sistema? Se o autor disser-se credor de um milhão e o Contador o reputar merecedor de uma centena, de que adiantará penhorar uma centena para garantir um milhão? A coisa toda se toca de profundo tom de insanidade quando pensamos “bem, mas afinal é muito provável que um milhão fosse mesmo um exagero”. Nem se diga que, depois, chegar-se-á ao valor, inclusive porque a penhora se acompanha de avaliação. Parece a conhecida imagem do amigão que rosna, late, pula, e se agita lancinantemente correndo atrás do rabo, girando sem maiores propósitos. Ainda uma outra esquisitice: se não houver o pagamento já no início, o mandado de penhora deve abranger o valor do débito com acréscimo de 10% (artigo 475-J, § 4º, do CPC). Voillá! Dez porcento de multa pelo descumprimento do dever de obedecer ao julgado. Esse ônus torna-se estranho se o valor imposto pela parte for excessivo e o Contador, portanto, tiver apontado valor menor. O valor da garantia restringe-se ao valor menor – o que, diga-se, parece um pré-julgamento do caráter excessivo da conta – de qualquer forma com uma punição ao mal pagador – que, pasmem!, já recebe tal ônus antes da oportunidade de impugnar a conta!!! (artigo 475-J, § 1º, do CPC).

Enfim... Tentando extrair o que de melhor possa ser feito com base nas novas disposições normativas, fica a seguinte sugestão de despacho inicial para que o Judiciário ponha alguma ordem no rito inovador estatuído:

1. Apresente a parte interessada a conta de liquidação (art. 475-B).

2. Com o cálculo, encaminhem-se os autos ao Contador para verificação (art. 475-B, § 3º).

3. Verificada a conta, Intime-se a parte interessada para manifestação (art. 475-B, § 4º), considerando-se, na omissão, concordância com o Contador Judicial.

4. Intime-se o devedor para pagamento, em 15 dias (art. 475-J), do valor apresentado pela parte interessada, caso discorde do Contador, ou pelo valor fixado pela Serventia, restringindo-se, no caso de discordância, eventual penhora ao montante apontado pela Contadoria (art. 475-B, § 4º).

5. Ao final do prazo de pagamento:

5.1. Se houver o pagamento, diga a parte interessada em 5 dias, vindo depois à conclusão.

5.2. Se não houver pagamento, ou se for reputado insuficiente, diga o credor se tem interesse na execução (art. 475-J, segunda parte).

5.3. Se não for requerida a execução, aguarde-se por seis meses, arquivando-se em seguida (art. 475-J, § 5º).

5.4. Se for requerida a execução, deve a parte interessada requerer a expedição de mandado de penhora, para tanto devendo apresentar demonstrativo atualizado do débito (art. 475-J, segunda parte, c.c. art. 614, II), podendo indicar bens a serem penhorados (art. 475-J, § 3º). Expeça-se mandado de penhora e avaliação, com acréscimo de 10% sobre o total, no caso de não-pagamento, ou sobre o saldo remanescente, no caso de pagamento parcial (art. 475-J, § 4º). Elaborado o auto de penhora, intime-se o devedor para oferecer impugnação em 15 dias (art. 475-J, § 1º) restrita às matérias de que cuida o artigo 475-L do CPC.

5.4.1. Com ou sem impugnação, venham-me conclusos.

Marco Aurélio Leite da Silva
Enviado por Marco Aurélio Leite da Silva em 28/09/2007
Código do texto: T672009
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