O princípio da presunção de inocência

Diante do cenário conturbado que se avoluma, permiti-me estabelecer algumas reflexões (jurídicas) sobre a questão fulcral do momento: o princípio da presunção de inocência.

Em se tratando de princípio (e não de regra), insculpido no Art. 5º, LVII da Constituição Federal, a presunção de inocência quer significar, ipsis litteris, que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Em outras palavras, o constituinte de 1988 estatuiu, numa hermenêutica gramatical, que a formação de culpa, na esfera criminal, somente ocorrerá se houver o esgotamento de todas as instâncias jurisdicionais.

No entanto, a doutrina constitucionalista mais sólida entende que não se pode interpretar o texto constitucional tomando seus termos individualmente e gramaticalmente. O texto constitucional é uno e formalmente superior aos demais. Logo, deve ser considerado em conjunto e sem hierarquias internas.

Excetuando-se os intricados debates doutrinários acerca do tema, é patente a necessidade de ponderação sobre qual princípio deve prevalecer no caso concreto, não havendo, como nas regras, exclusão ou primazia de um sobre os outros. Os princípios (constitucionais) não operam dessa forma, de modo que se pretende a ponderação, o equilíbrio, a concordância prática entre eles.

Na questão em análise, o princípio da presunção de inocência deve ser equilibrado a outros princípios constitucionais, notadamente aqueles inerentes aos próprios direitos fundamentais do cidadão. Ora, uma hermenêutica extremada, irrestrita desse princípio levaria a óbvios conflitos com outros valores elementares.

Um deles é o próprio direito de ação, o direito ao provimento jurisdicional, inscrito no mesmo Art. 5º (inciso XXXV). "A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". A formação de culpa somente em última instância constitui óbvio ataque a esse princípio, uma vez que a ameaça ou lesão a direito pode nunca ser coibida ou reparada, em virtude de impossibilidades materiais claras da atividade jurisdicional. Ademais, uma visão irrestrita do princípio atenta, inclusive, contra a garantia do inciso XLI, segundo o qual a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, tendo em vista a possibilidade de ineficácia das respectivas leis protetivas.

Embora se possa argumentar que somente com a formação de culpa é que se observa quaisquer lesões e discriminações, o sistema jurídico-constitucional de culpabilidade criminal se dá na conclusão da segunda instância. Após esta, não se pode mais contestar questões de fato. Mesmo que o direito seja debatido nas instâncias superiores, ocorre a preclusão da matéria relativa à culpa. Há trânsito em julgado em relação à culpabilidade penal.

Portanto, a interpretação isolada, irrestrita, de tal princípio, atenta diretamente contra outros bens constitucionais, sendo verdadeira hermenêutica inconstitucional.