Comentários a Medida Provisória 927/2020



Resumo:
O modesto texto aborda genericamente as principais orientações trazidas pelo referido diploma legal. Não obstante já tenha o artigo 18 sido revogado pela MP imediatamente posterior. Entende-se que a pretendida flexibilização das regras trabalhistas almeja preservar empregos e proteger empregados diante da pandemia do coronavírus.
Palavras-Chave: Direito do Trabalho. Contrato de Trabalho. Princípios do Direito do Trabalho. Pandemia. Força Maior. Fato do Príncipe.



Um instituto foi fatalmente ferido depois de tantas idas e vindas da regulação incidente a pandemia do Coronavírus, ou COVID-29. Inicialmente a MP 927/2020 previa a possibilidade de suspensão de contrato laboral por quatro meses sem salários.

Nessa segunda-feira, dia 24 de março de 2020 a revogação de tal dispositivo fora publicada no Diário Oficial da União . Doravante ainda que preveja a suspensão de contratos laborais, faz a ressalva de haver pagamento parcial de salários pelo empregador e outra parcela a título de complementação pelo governo brasileiro. A ideia ab initio é que o salário venha a ser cortado em até 50% e o governo pague 25%. Portanto, a perda ou redução salarial seria de 25% para o trabalhador.

Em excepcionais hipóteses é admitida a franca flexibilização da irredutibilidade salaria por meio de acordo ou convenção coletiva pode ser realizadas nos seguintes casos, a saber: motivo de força maior, mudança na conjuntura econômica, programa de proteção de emprego (PPE) e acordo em plano de recuperação judicial.

Conforme bem prevê nossa velhusca e cautelosa CLT, em casos de força maior ou prejuízo comprovado, é admissível realizar redução salarial de até 25% do salário original. Além de ser limitada tal redução deverá ser geral, ou seja, aplicável a todos os trabalhadores da empresa devem ter seus salários reduzidos. Cessados os motivos que originaram a redução salarial, deverá a empresa restabelecer a antiga realidade axiológica dos salários praticados.

Cumpre igualmente destacar que existem benefícios obrigatórios e facultativos que podem ser concedidos pelo empregador. Os primeiros são aqueles que decorrem da própria legislação trabalhista, ou ainda de acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho.

E, são estes, o vale transporte, décimo-terceiro salário, férias remuneradas, acrescido de um terço, o salário de família, o complemento de auxílio doença, o salário maternidade, o adicional noturno e o auxílio-creche, o plano de saúde ou ainda ticket alimentação ou refeição.

Em verdade, a pretendida flexibilização das regras trabalhista diante da pandemia trata-se de medida protetiva dos vínculos trabalhistas, e também, protetiva das empresas, notadamente as pequenas e médias empresas que serão as mais impactadas pela força maior e, ainda, fato do príncipe ( quando o governo determinou a lista de serviços essenciais e o fechamento de outros setores, tais como shopping centers e, etc.) .

Lembrando que o conceito fato do príncipe, previsto no artigo 486 da CLT, ocorre quando a Administração Pública impossibilita a execução da atividade do empregador e, por conseguinte, o contrato de trabalho, de forma definitiva ou temporária, por intermédio de lei ou ato administrativo.

Convém salientar que as listagens do que sejam serviços essenciais não congruentes, de sorte que a União, o Estado e o município dispõem diferentemente. Criou-se uma declaração para facilitar o trânsito dos cuidadores de idosos e enfermos conforme consta em abaixo .

Durante o período de suspensão do contrato laboral, deverá o empregador oferecer qualificação online e manter os benefícios tais como plano de saúde, ticket alimentação e, etc. Se não oferecer tal qualificação online, o empregador deverá pagar salários e também encargos sociais e, submetendo-se as eventuais penalidades previstas na legislação trabalhista. A MP em comento não prevê o pagamento de bolsa de qualificação profissional.

Inicialmente, durante o período de suspensão do contrato laboral poderá o empregador conceder ajuda compensatória sem natureza salarial, conforme valor avençado entre as partes.

Defende-se igualmente que não podem faltar recursos financeiros para ajudar o trabalhador e ainda a manutenção de seguro-desemprego para quem tiver o contrato de trabalho suspenso.

Cumpre advertir que não será preciso alterar o contrato de trabalho quando se instituir o home office. Aliás, nesse caso, não há jornada de trabalho rigidamente estabelecida. Todavia, o empregado deverá ser informado da mudança com antecedência mínimo de quarenta e oito horas. E, tal pode ser realizado virtualmente (meio eletrônico) ou por escrito (seja e-mail ou whatsapp) .

Infelizmente a MP não definiu o tipo de trabalhador que poderá ficar em home office, e ainda acrescentou que tanto estagiários como aprendizes também poderão realizar o teletrabalho .

Ressalte-se que o mesmo dispositivo legal ainda adverte que caso o trabalhador não tiver os equipamentos tecnológicos e toda a infraestrutura indispensável para tanto, o empregador poderá fornecê-lo in natura ou então pagar pelos gastos necessários, tais como o uso de internet, de telefone (seja celular ou fixo). Porém, tal ajuda de custo não pode ser caracterizada como salário.

Prevê ainda a dita MP que o banco de horas poderá ser implantado, ou então, modificado para o regime especial de compensação de jornada laboral. E tais definições, naturalmente, poderão advir de acordo individual ou coletivo, mas é indispensável que seja realizado formalmente.

Com relação à compensação poderá ser feita no prazo de até dezoito meses, contando-se da data do término do estado de calamidade pública. E, até o dia 31 de dezembro, ou enquanto durar a calamidade pública, poderá o empregador dar as folgas para serem compensadas por um banco de horas especial.

Evidentemente, em razão das regras trabalhistas a eventual compensação poderá ser realizada por meio de aumento da jornada de trabalho em até duas horas por dia, até o limite de dez horas diárias .

Sobre a eventual antecipação de férias vencidas ou proporcionais, também o empregado deverá ser avisado com 48 horas de antecedência e, poderão ser concedidas mesmo que o trabalhador ainda não tenha completado o tempo para o período aquisitivo.

Sendo igualmente possível que empregador e empregado negociem a antecipação de futuros períodos de férias, conforme acordo individual escrito. Porém, não poderá haver tratamento diferenciado entre os empregados da mesma empresa.

A MP também prevê que o pagamento do adicional de um terço das férias poderá ser pago posteriormente das férias, até a data-limite para pagar a gratificação natalina ou décimo-terceiro salário (que é, atualmente, 20 de dezembro).

Poderá a empresa empregadora conceder férias coletivas sem necessidade de comunicar antes o Ministério da Economia ou sindicato da categoria profissional. Igualmente os empregados deverão ser comunicados no mínimo com 48 horas de antecedências.

O FGTS devido pelo empregador dos meses de março, abril e maio poderá ser recolhido em junho e, o pagamento mesmo com atraso, poderá ser feito, sem a incidência de multas e encargos.

E, ainda aduz a MP que tais valores poderão ser pagos em até seis parcelas mensais, com o vencimento no sétimo dia de cada mês, a partir de julho de 2020. Para quem for demitido nesse período sem a justa causa, permanece com os mesmos direitos às verbas rescisórias inclusive o direito de sacar o FGTS acrescido da multa de quarenta por cento sobre o valor.

Sendo possível que os empregadores poderão antecipar os feriados que não sejam religiosos, e a regra vale tanto para os feriados federais, estaduais, distritais e municipais. O descanso nestas datas antecipadas poderá igualmente ser compensado com o saldo de banco de horas.

O referido aproveitamento de feriados dependerá de acordo entre empregador e empregado que poderá ser individual ou coletivo, desde que seja coletivo. A MP prevê que durante o período de calamidade pública, os hospitais e clínicas poderão prorrogar a jornada de trabalho e adotar escala de horas suplementares, mas é indispensável garantir o descanso semanal remunerado. A supressão total de férias de todos empregados da saúde poderá acarretar maior insalubridade e até atentar contra a sua saúde tanto física como mental, portanto, deve-se atender ao princípio da razoabilidade.

Importante ainda ressaltar que a falta de EPIs -Equipamentos de Proteção Individual - para os trabalhadores da área da saúde poderá implicar em impedimento para realização do trabalho, podendo o empregado manifestar por escrito sua recusa justificada pela falta de equipamento essencial para exercício laboral.

Em verdade, as novas regras dividiram opiniões dos juristas da área. A MP terá cento e vinte dias para ser transformada em lei, tais mudanças justificam-se para conter ou mesmo evitar demissões em massa devido à crise gerada pela pandemia do COVID-19.

Em razão da extinção da empresa empregadora por força maior ou fato do príncipe, as verbas rescisórias a serem pagas será o saldo de salários, férias vencidas, férias proporcionais, décimo-terceiro salário, FGTS mais multa de 20%. Não caberá o pagamento de aviso prévio. Vide o artigo 503 da CLT. Porém, existe situações que haverá apenas a redução do tamanho da empresa e, não propriamente, a extinção total. E, nesse caso novamente deve-se flexibilizar as normas trabalhistas.

Mesmo em hipótese emergencial, segundo a Doutora Vólia Bomfim, admitir por meio de acordo individual do trabalho permitir uma redução superior ao 25% do salário. O Art. 58-A CLT torna o acordo coletivo para redução proporcional da jornada laboral, assim reduzindo proporcionalmente o salário. Aconselhou a doutrinadora a utilização do artigo 617 da CLT para pactuar uma negociação com uma comissão eleita pelos empregados sobre redução de salários, jornada laboral e, outros direitos (parcelamento de pagamento de verbas rescisórias). Deixando claro que o silêncio importa em recusa.

A proteção trabalhista pretende evitar o abuso do poder econômico, pois analisar redução salarial do empregado, deve-se mitigar o poder da vontade excepcionalmente em razão da situação de calamidade pública. Paira uma dúvida séria entre os empregadores, se futuramente, a Justiça do Trabalho não poderá invalidar a referida flexibilização das normas trabalhista em razão da pandemia, em razão de força maior ou mesmo fato do príncipe. Talvez fosse recomendável a otimização dos meios para acordos coletivos de trabalho.

A irredutibilidade de salários é uma das mais importantes garantias do trabalhador. é importante destacar que nem todas as verbas integram o salário. A CLT, após a reforma trabalhista de 2017, traz a seguinte composição: Contraprestação fixa pelo serviço (que também recebe o nome de salário, soldo, provento, vencimento etc.); Comissões; Gratificações legais.

Já os valores excluídos do salário e, portanto, não cobertos pela mencionada restrição são os seguintes: ajuda de custo; auxílio-alimentação; diárias para viagem; prêmios e abonos; valor de plano de saúde e despesas médicas; demais verbas de indenização ou custeio do serviço (verba para comprar equipamentos, por exemplo).

Cumpre igualmente, frisar que a irredutibilidade salarial não equivale à proteção do poder econômico do salário. Os efeitos da inflação não alteram a quantidade de dinheiro recebido pelo colaborador, tampouco existe a obrigação de efetuar a correção monetária do salário.

Não é considerada uma diminuição ou violação da irredutibilidade salarial. O colaborador pode receber uma quantia menor no mês atual do que em um mês anterior, sem problemas. São casos semelhantes: adicional noturno; adicional de periculosidade; adicional de insalubridade; adicional de transferência, entre outros como a perda de cargo de confiança.

Em tempo, o artigo 2º da aludida MP traz uma grave incongruência traduzindo conflito de princípios de direito, se verificarmos o artigo 611-A CLT que preconiza que as normas coletivas prevalecem sobre as leis ordinárias, e o artigo segundo afirma que o acordo individual escrito prevalecerá sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição .

Dentro da tendência já introduzida com a Reforma Trabalhista de que o acordado prevalece sobre o legislado. Esse aparente confronto de fontes de direito. Já temos no RJ três Convenções Coletivas do Trabalho vigentes flexibilizando suspensão do contrato laboral, redução salarial, redução de jornada do trabalho

A anulação de acordo ou convenção do trabalho pode ocorrer através da Justiça do Trabalho quando realizados em prejuízo do empregado. Tem-se como entendimento de que a redução salaria é medida emergencial para preservação dos empregos, devendo ser devidamente pactuada com certo número de contrapartidas, ou seja, benefícios futuros, redução de jornada e, etc. Se houver um acordo desproporcional, será possível a anulação e, consequentemente, surge o dever de o empregador pagar as diferenças salariais.

Qual a fonte de direito prevalecerá? E, a solução é possivelmente é a ponderação de valores em prol da sobrevivência das empresas e dos empregados. Se não for comprovada a existência de coação. Deverá prevalecerá o acordo individual escrito, excepcionando o que prevê a CLT.

Os casos de estabilidade de emprego em razão de gestação, por conta de extinção por força maior do empregador. A estabilidade se extingue também e, por isso, não é paga. E, poderá ter seu contrato extinto, ou até suspenso mediante acordo. Nem mesmo a estabilidade acidentária. No caso da doméstica em estabilidade de gravidez. Não se aplica a extinção do empregador por força maior. Salvo se entender pela flexibilização das regras trabalhistas, mediante acordo individual por escrito, em face a falta de salários para pagamento da empregada.

Já o dirigente sindical há uma exceção, o se existir outra local na empresa, ele poderá apenas sofrer uma transferência. Mas, não existindo, também terá seu contrato laboral extinto e receberá as devidas verbas rescisórias sem contar com a dita estabilidade.

Importante frisar que a MP se aplica a todos indistintamente, até quem não é empregado, conforme é o caso do estagiário. Todas as regras de flexibilização são aplicáveis indistintamente.

De qualquer maneira, parece-me a clara intenção em preservar empregos através da flexibilização das normas trabalhistas, maculando inclusive a irredutibilidade salarial.

O fato de o empregado contrair o coronavírus não significará doença ocupacional ou por estar trabalhando. No entanto, no caso dos trabalhadores da área da saúde parece que presumivelmente foi contaminado em razão do exercício da atividade laboral, principalmente na ausência de EPIs. Essa regra foi descrita para trabalhador em geral, pois havendo a demonstração do nexo de causalidade com a contaminação com o exercício laboral, não há como não caracterizar uma doença ocupacional.

Acredita-se que até a próxima quarta-feira, teremos nova Medida Provisória prevendo com maiores detalhes o artigo que fora revogado e que admitia suspensão de contrato laboral sem salários. Aguardemos e permaneçam em casa para evitar o contágio.

Referências:

CASSAR, Vólia Bomfim; BORGES, Leonardo Dias. Comentários à Reforma Trabalhista. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017.
DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. Comentários à Lei 13.467/2017.
FELICIANO, Guilherme Guimarães. Curso crítico do direito do trabalho. Teoria geral do direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2013.
JORGE NETO, Francisco Ferreira; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Direito do Trabalho. 9ª edição. São Paulo: Atlas, 2019.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho. 11.ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
MATEUS DA SILVA, Homero Batista. CLT Comentada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.

 
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 01/05/2020
Código do texto: T6934508
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