CARROFURTADO NA “ZONA AZUL” GERA INDENIZÇÃO!

CARRO FURTADO NA “ZONA AZUL” GERA INDENIZÇÃO!

QUANDO UM CARRO ESTACIONADO NA “ZONA AZUL” É FURTADO OU ROUBADO, TEM O PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO DIREITO À INDENIZAÇÃO DO ESTADO??

O tema aqui desenvolvido se deve a algumas colocações feitas por pessoas, sendo elas profissionais do Direito ou não, até porque, é bem de ver, trata-se de um tema recorrente e por demais interessante.

O caso diz respeito a ocorrência de furto/roubo de veículos estacionados nas ‘zonas azuis’ e, nestes casos, é possível a responsabilização civil e, se positivo, de quem é a tal responsabilidade.

É bem de ver que a maioria dos julgados inclinam pela irresponsabilidade do Estado, logo não passível de indenização. Poucas são as decisões em sentido oposto, isto é, responsabilização do Estado e sua obrigatoriedade em indenizar a vítima proprietária do veículo.

Mas, então vamos ao tema.

A COBRANÇA DO ESTACIONAMENTO NA ZONA AZUL

Mas afinal: porque nos é cobrado para estacionar em determinados pontos da via pública? A via não é pública, ou seja, não pertence a todos? Então porque cobrar alguma tarifa por isso?

Os estacionamentos rotativos, mais conhecidos como “área azul” ou “zona azul”, são instituídos por Órgão da Gestão Pública (entidades que cuidam do executivo de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição), em locais de sua propriedade, onde atribuem à empresas privadas o direito de cobrar valor pecuniário para que se possa estacionar seu veículo naquele local, por meio da chamada Concessão. (art. 24, X do CTB). Tal previsão encontra-se, como dito, no art. 24, inciso X do Código Brasileiro de Trânsito, determinando que “Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição,… implantar, manter e operar sistema de estacionamento rotativo pago nas vias”.

Este Ato Administrativo é regulado pelo artigo 175 de nossa Carta Magna, nos seguintes termos: "Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos."

O processo para que se instale o estacionamento rotativo passa por uma licitação, onde irá vencer a empresa a qual oferece o serviço que atenda as necessidades da Administração Pública ao melhor preço, sendo comum que como contraprestação esta empresa deva efetuar melhorias e a manutenção das áreas em que for explorar seus serviços.

Não são raras as discussões acerca da inconstitucionalidade deste tipo de serviço, sempre fundadas no argumento de que os locais são públicos, e, portanto não seria permitida a cobrança pelo uso da vaga de estacionamento.

Quanto a isso, devemos nos atentar aos motivos os quais levaram o CTB e a CF à fazerem menção à tal ato. A justificativa da zona azul nas cidades é a seguinte: Exatamente por se tratar de um espaço público, não seria justo que poucas pessoas fizessem uso longo e contínuo das vagas de estacionamento, tomando de outros cidadãos o direito ao uso.

A cobrança é realizada EXATAMENTE por ser a via pública. Por serem locais de alta rotatividade (regiões centrais, de comércio, de alta rotação em geral), o Estado utiliza da cobrança de valores para “estimular” os condutores a não “abandonarem” o carro nas vias. Em outras palavras, estimula-se a rotatividade das vagas. Ninguém quer ficar pagando para estacionar nas ruas. Portanto, tendo de pagar, o condutor usa o local apenas pelo tempo necessário, e desocupa, para que outro veículo possa ali estacionar.

O pagamento pelo espaço público se dá através da compra de um bilhete a ser preenchido, onde serão preenchidos o dia, a hora e o número da placa do veículo. Este papel deverá ficar afixado na parte interna do carro, onde possa ser claramente visto pelos fiscais. Se o condutor não pagar, a fiscalização multará o veículo infrator.

Outra discussão que vem tomando conta dos Fóruns e Tribunais diz respeito ao cabimento do Direito indenização do usuário que tiver seu veículo furtado, ou sofrer algum dano enquanto o automóvel esteve estacionado em local de cobertura da área azul.

Com o crescimento do número de cidades onde as Prefeituras adotam este sistema de estacionamento em suas vias públicas, este vem sendo um problema recorrente. Cumpre salientar o fato de que mesmo sendo um serviço concedido e prestado por à empresa privada, ele não perde sua natureza de serviço público.

Isto se dá pelo fato de que a Administração Pública possui competência para explorá-lo, ou “repassá-lo” para quem lhe faça, ou seja, mesmo que não seja ela a exploradora do serviço de estacionamento pago nas vias, este é um serviço seu, e jamais perderá tal caráter.

Quando colocamos nosso carro num estacionamento, celebramos um contrato de depósito com o estacionamento, onde fica determinado que o veículo será guardado durante determinado tempo, mediante determinada quantia em dinheiro.

A obrigação de quem estaciona é pagar o preço. Do estacionamento, é cuidar do bem, e entregá-lo no mesmo estado em que se encontrava no momento em que ali foi estacionado. Esta obrigação do estacionamento também denomina-se DEVER DE GUARDA. Se houver algum dano, furto ou roubo do veículo, o estacionamento deverá reparar o dano e ressarcir o dono do veículo. É isso que determina a lei.

E uma observação prática importante: mesmo que um contrato escrito não seja assinado nestes termos quando você deixa o carro no estacionamento, predomina o chamado contrato tácito, ou seja, um contrato presumido obrigando o estacionamento a cuidar do bem. Essa presunção favorece o dono do veículo, e impede que os estacionamentos digam que não havia nada combinado neste sentido. Independentemente de um contrato escrito ou verbal, o DEVER DE GUARDA prevalecerá.

Ainda quanto ao dever de guarda trata-se de instituto jurídico, comum em contratos com estacionamentos privados, o qual obriga o contratado a zelar pela guarda do veículo, e entregá-lo no mesmo estado em que se encontrava no momento em que ali foi estacionado.

Este tipo de contrato é sinalagmático, ou seja, causa obrigações à ambas as partes celebrantes, afinal, o contratado deve guardar o bem depositado, tendo como contraprestação o pagamento efetuado pelo contratante.

Na mesma esteira de pensamento quando o Estado cobra uma tarifa para que os cidadãos estacionem, resta presumido um contrato de depósito, que acarretaria em dever de guarda, no caso, do estado, ao veículo estacionado.

E no caso de um furto de veículo estacionado na zona azul, como fica? Pois é exatamente essa a fundamentação do dilema.

De um lado sustenta-se que, quando o Estado cobra uma taxa para que os cidadãos estacionem, resta PRESUMIDO UM CONTRATO DE DEPÓSITO, QUE ACARRETARIA EM DEVER DE GUARDA, NO CASO, DO ESTADO, AO VEÍCULO ESTACIONADO!

O Estado não cobra pelo espaço físico ocupado pelo veículo? Então, ASSIM COMO OS ESTACIONAMENTOS, estará recebendo o pagamento do condutor, e assim sendo, terá a obrigação de guarda ao veículo. Em casos de furto, roubo ou danos, se comprovado que o veículo estava estacionado em área de “zona azul”, teria o condutor direito a receber indenização do Estado (no caso, o responsável pelo “estacionamento público”).

Reforçando este entendimento, lembramos que a Responsabilidade Civil da Administração Pública é objetiva, ou seja, obrigação de reparar os danos ou prejuízos de natureza patrimonial ou extrapatrimonial que uma pessoa cause a outrem, independentemente de culpa.

Conforme leciona o brilhante Luiz Fernando BOLLER, Desembargador do TJ-SC: “Mesmo ao Estado é dada a obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos”.

SÍLVIO RODRIGUES em “Direito Civil”, Volume IV, Editora Saraiva, 19ª Edição, São Paulo, 2002, p. 10, assevera: “Na responsabilidade objetiva a atitude culposa ou dolosa do agente causador do dano é de menor relevância, pois, desde que exista relação de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e o ato do agente, surge o dever de indenizar, quer tenha este último agido ou não culposamente.

A teoria do risco é a da responsabilidade objetiva. Segundo essa teoria, aquele que, através de sua atividade, cria risco de dano para terceiros deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e seu comportamento sejam isentos de culpa. Examina-se a situação, e, se for verificada, objetivamente, a relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima, esta tem direito de ser indenizada por aquele."

Consagrando esta esteira de raciocínio, preconiza o artigo 37, § 6º da Constituição Federal: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…) § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

Desse modo, resta caracterizado que, uma vez em que o cidadão fez uso do estacionamento público, arcando com sua obrigação de pagar pela área azul, este se encontra coberto pelo amparo estatal,sendo que caso ocorra qualquer dano ou perda do veículo, será demonstrada a má qualidade na prestação de serviço de caráter administrativo, situação a qual irá gerar ao Estado o dever de indneizar.

Se o Agente Público opta por instalar o estacionamento rotativo em suas vias, ele deve estar ciente de que a partir do momento em que se inicia a cobrança pelo uso do serviço, será gerado o dever de guarda pelo bem do usuário, com responsabilidade pelos danos ali ocorridos.

Por outro lado, o Estado se defende, alegando que não há previsão legal que o obrigue ao Dever de Guarda do veículo, e que a taxa somente é cobrada para que haja circulação de veículos nas áreas de “zona azul”. Sustentam ainda que a arrecadação é convertida em benefícios para a sociedade, não havendo que se falar em contrato de depósito.

A municipalidade afirma que o serviço se presta somente a garantir a rotatividade de veículos em locais público, no entanto, tal ato restringe o direito fundamental de ir, vir e permanecer, garantido pela Constituição Federal em seu artigo 5, inciso XV, pois impõe aos cidadãos a obrigação de arcar com determinado preço para terem a permissão de estacionar seus automóveis nas vias públicas.

Assim pode-se afirmar que ao optar pela cobrança de remuneração de estacionamentos em vias públicas de uso comum do povo, o Poder Público, tem o dever de vigiá-los, com responsabilidade por danos ali ocorridos.

O serviço público prestado pelas empresas permissionárias permite a aplicação do CDC (Código de Defesa do Consumidor), visto que a cobrança dos valores referentes ao estacionamento consiste não somente na fiscalização dos veículos deixados sob sua GUARDA.

Conforme aponta o artigo 22 da Lei 8.078/90, as pessoas jurídicas de direito público, e as de direito privado prestadoras de serviço público, podem ser responsabilizadas juridicamente na forma da lei, por se tratar de uma relação de consumo, da seguinte forma: art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.

Deste modo, as empresas permissionárias respondem de forma direta e objetiva pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, visto que a relação ocorrida pode ser classificada como RELAÇÃO DE CONSUMO, e estando sob as regras do Código de Defesa do Consumido e por isso não havendo a necessidade comprovar sequer culpa ou dolo, bastando somente fazer prova da ocorrência do dano e do nexo causal (relação de causa e efeito) entre o fato e a empresa que tinha o dever de vigilância.

Verifica-se que o sistema judiciário mesmo que de forma não unanime, vem seguindo o entendimento pelo direito ao ressarcimento para os casos onde se constataram furto ou dano a automóveis estacionados em vias públicas sob o domínio de empresas permissionárias de parqueamento.

Assim vejamos alguns julgados: RESPONSABILIDADE CIVIL - FURTO DE VEÍCULO EM VIA PÚBLICA - ZONA AZUL - ADMINISTRAÇÃO FEITA POR EMPRESA PERMISSIONÁRIA - PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO - REMUNERAÇÃO FEITA POR MEIO DE TARIFAS - PERMISSÃO BILATERAL - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - ARTIGO 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - PRESCINDIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE CULPA - DANO E NEXO CAUSAL CONFIGURADOS - DEVER DE RESSARCIR” (TJ-SC - AC: 195688 SC 2003.019568-8, Relator: Dionizio Jenczak, Data de Julgamento: 23/11/2004, Primeira Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação cível n., de Joinville.) (grifamos)

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA – INEXISTÊNCIA DE CULPA E SINALIZAÇÃO EM CONFORMIDADE COM O CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO – IRRELEVÂNCIA – NEXO CAUSAL EVIDENCIADO – TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO – INTELIGÊNCIA DO ART. 37, § 6º, DA CF. “A responsabilidade civil da empresa concessionária de serviço público é objetiva, eis que fulcrada na teoria do risco administrativo, consubstanciada no art. 37, § 6º, da CF e corroborada pela doutrina e jurisprudência, independentemente de culpa, bastando para caracterizá-la o nexo causal entre a atividade desempenhada pela empresa e o dano causado ao particular.” (ACV nº 02.026942-0, de Blumenau, rel. Des. Wilson Augusto do Nascimento).

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO. “A remuneração do serviço de parqueamento, sob regime de preço público, é de responsabilidade da empresa permissionária, com aplicação da responsabilidade objetiva, que se distancia de simples falha de segurança pública, respondendo pela ocorrência de furto de automotor em estacionamento destinado a esse fim. O serviço de estacionamento prestado por empresa permissionária não se esgota na venda do talão, mas se estende à garantia de rotatividade e à fiscalização do sistema. A cláusula de ‘não indenizar’, constante dos cartões de estacionamento, é tida como ineficaz, e, por conseguinte, nula de pleno direito, ante a legislação de proteção ao consumidor. A comprovação de furto de veículo se faz por registro policial e pelo controle de rotatividade mantido pela empresa permissionária, não se exigindo prova escorreita de dúvida, o que levaria a impossibilitar tal indenização. “ (TJMG, AC 254.187-7, 3ª C. Civ. Rel. Juiz Dorival G. Pereira, DJMG de 23.09.1998). (grifamos)

Ademais, frisa-se o julgamento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul acerca do tema: “A operadora de área de parqueamento concedida pelo município tem a obrigação de reparar o dano decorrente de furto de veículo ali estacionado, dever que advém do descumprimento do contrato independentemente da indagação de culpa (art. 14 do Código de Defesa do Consumidor). Se o veículo é recuperado em mau estado, em razão de avarias, impõe-se sua completa recuperação, independentemente de seu valor de mercado, pois o lesado não está obrigado a aceitar sua substituição por outro. Recursos desprovidos”. (TJRJ – AC 1.689/99, Rel. Des. Carlos Raymundo, 5ª C. Civ. J. Em 16/03/99).

Seguindo assim, o uso do estacionamento público pelos cidadãos, que pagam pela utilização das vagas em área de zona azul, se encontra amparado pelo direito de que caso ocorra qualquer dano ou perda do veículo, acarretará na responsabilidade do Estado com o dever de indenizar pela má qualidade na prestação do serviço de caráter administrativo, neste caso, na figura da empresa permissionária.

Conclui-se deste modo que, embora não seja o entendimento unânime dos tribunais, há total cabimento para um pedido de ressarcimento a um eventual dano ou furto de veículo estacionado em via pública sob a responsabilidade de estacionamento rotativo, também denominado de “Zona Azul”, haja vista todos os requisitos e argumentos acima elencados.

Guaranesia, 03/10/23.

Milton Biagioni Furquim

Juiz de Direito

Milton Furquim
Enviado por Milton Furquim em 03/10/2023
Código do texto: T7900370
Classificação de conteúdo: seguro