Um pouco de filosofia do Iluminismo.

 

A verdade é que a esperança tem duas filhas, a indignação e a coragem. A indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão e, a coragem, a mudá-las. No início do século XX, escrevendo sobre a história da pedagogia, o sociólogo francês Émile Durkheim enfatizou bem a diferença entre antigos e modernos, tomando como tema a religião.

A percepção moderna com a individualidade e a subjetividade, não encontra nos mesmos moldes no mundo antigo. E, foi vista pelo sociólogo como fruto das transformações geradas pelo cristianismo.

A religião pagã era objetiva, isto é, acreditava que os deuses se comunicavam com os mortais por meio de sinais físicos e eventos naturais e não naturais. Assim, o voo de um pássaro, a notícia dada pela pitonisa ou até uma reunião festiva, por exemplo, eram elos entre as divindades e os mortais.

Com a entrada do cristianismo essa relação objetiva entre os mortais e os deuses fora alterada. E, os homens foram progressivamente ensinados a cultivar sua alma, a se arrepender de faltas, a rezar em voz baixa, orando diretamente a deus, enquanto pai.

Os séculos do cristianismo se coadunaram com a vida monástica, solitária, abaulando o interior de cada homem e de cada mulher no Ocidente. Quando a política liberal começou a angariar os intelectuais, a partir do final do Renascimento, o cristianismo havia dado tudo de si para que cada um, ainda que humildes, se achassem importantes, enquanto pessoas cuja alma podia entrar em contato com Deus.

Foi quando Lutero empurrou essa disposição original do cristianismo mais adiante, uma vez que re-liberou o contato entre Deus Pai e seus filhos, na medida em que desafiou a autoridade papal, fazendo de cada homem um leitor individual da Bíblica, tida como Sagrada Escritura.

Uma história semelhante foi contada por Nietzsche, porém, com o sinal trocado, posto que avaliada negativamente. Em meados do século XX, tendo lido Hegel, Nietzsche, o filósofo Heidegger formulou sua própria geral visão da história da filosofia, como a época de reinado dos processos de subjetivação. Deixando de lado,

as conclusões que ele tirou dessa sua visão geral da filosofia moderna, não é difícil encontrar concordância com vários outros filósofos a respeito do núcleo central de sua formulação.

Enquanto os antigos elegeram o que é real. Os modernos preferiram questionar o que é o conhecimento do real. E, passou a considerar uma instância entre o conhecimento e o conhecido.

E, essa instância foi denominada de subjetividade. Heidegger viu a filosofia moderno como aquela filosofia que subjugou a discussão sobre as substâncias e o real à discussão sobre a mente e o saber do real, ou seja, atrelou a metafísica à epistemologia.

Evidentemente, a filosofia, sempre se preocupou com os mecanismos pelos quais se pode afirmar que o chamado senso comum traduz antes a ilusão do que o real.

Os modernos inovaram tornando o real uma representação produzida por uma instância especial, o campo subjetivo. E, na esteira dos séculos de cristianismo, aceitaram que a ilusão e erro eram mais fáceis de imperar do que a verdade e o acerto, eles não sentiram dificuldades em acreditar que a melhor explicação sobre os equívocos intelectuais e morais seria mesmo aquela que descrevesse o funcionamento do aparato subjetivo.

Assim, as investigações sobre conhecimento se transformaram em pesquisas sobre os mecanismos pelos quais a instância chamada sujeito vinha a produzir ou descobrir o objeto.

Aliás, a própria dualidade sujeito-objeto, tão presente na epistemologia do século XX nasceu a partir do século XVIII e XIX, dentro do contexto da virada da filosofia em prol dos estudos em epistemologia.

Então, a tarefa dos filósofos passou a ser, em grande medida, a de criadores de modelos de sujeito ou de subjetividade. E, cada um deveria explicar como ocorre o conhecimento e, enfim, como as ilusões e erros são produzidos. 

Assim, a prática filosófica passou a mostrar os detalhes da relação sujeito-objeto, uma dualidade que tanto caracteriza os tempos modernos, principalmente, o funcionamento da maquinaria interna do sujeito.

Cogita-se que Descartes seria o criador da filosofia do sujeito ou, como na denominação de Heidegger, a metafísica da subjetividade. E, todavia, talvez Descartes e Agostinho devessem ser considerados os avós da filosofia do sujeito, deixando a paternidade para Rousseau e Kant. O primeiro, se preocupou com o eu a partir da individualidade e dos sentimentos.

Já o segundo criou um eu mais distanciado do ego individual, colocando a subjetividade em um plano universal e necessário, que veio a ser conhecido como campo transcendental.

Conta-se que um francês, um inglês e um alemão foram encarregados de um estudo sobre o camelo.

E, dessa forma, o francês foi ao zoológico, entrevistou o guarda, jogou comida para o camelo, cutucou o animal com seu guarda-chuva e, uma vez em casa, mandou para o jornal um artigo curto, mas repleto de afirmações picantes e espirituosas sobre o camelo.

Por sua vez, o inglês foi até o Oriente, instalou-se, confortavelmente no deserto, com inúmeros instrumentos de pesquisas e acompanhado de vários serviçais. Depois de três anos, trouxe para seu editor, um livro denso recheado de informações factuais sobre o camelo que, embora não tivessem nenhuma ordem ou conclusão, era um volume de grandioso valor documental.

E, por derradeiro, o alemão que tinha grande desprezo pela frivolidade do francês, e a falta de concatenação dos conceitos do britânico, não foi a lugar algum. Trancou-se em seu escritório e passou a redigir uma obra, prevista para doze volumes, com o título: "A ideia de camelo deduzida da concepção do Eu".

A referida anedota nos faz, perceber que a modernidade nos ensina rir dela, em tudo que pode fornecer de bom humor e de realidade.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 23/11/2023
Código do texto: T7938664
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