A instituição financeira responde objetivamente por falha na prestação de serviços bancários ao permitir a contratação de empréstimo por estelionatário

A instituição financeira responde objetivamente por falha na prestação de serviços bancários ao permitir a contratação de empréstimo por estelionatário

Imagine a seguinte situação hipotética: “João”, residente em Brasília, é correntista do Banco do Brasil há mais de 15 anos. Durante esse período, ele nunca fez qualquer empréstimo com a instituição financeira. Determinado dia, “João” recebeu uma ligação do telefone 4003-3001. O interlocutor se identificou como gerente do Banco do Brasil e disse que o correntista deveria ir a um caixa eletrônico para aumentar o limite de transações, afirmando que a conta ficaria bloqueada caso o procedimento não fosse realizado, o que o impediria de fazer as transações cotidianas. Confiando que a ligação era, de fato, do Banco do Brasil, uma vez que o número era usado pela instituição financeira, “João” realizou todos os procedimentos solicitados. Vale ressaltar que, em momento algum, ele forneceu sua senha bancária ao suposto gerente. Para a sua surpresa, no dia seguinte, o correntista recebeu uma ligação do Banco do Brasil, informando que haviam sido realizadas transações atípicas em sua conta corrente e que havia sido contratado um empréstimo no valor de R$ 59.183,00, bem como efetuados pagamentos que somaram o total de R$ 8.820,80. Pelo extrato foi possível verificar que as transações estavam relacionadas com dívidas contraídas na cidade de São Paulo. Imediatamente, “!João” foi até o Banco relatar o ocorrido. A instituição financeira abriu um procedimento interno para averiguação. Ao final, contudo, o Banco negou o estorno (devolução) dos valores e considerou o empréstimo como válido.

Ação declaratória de inexistência de débitos cumulada com pedido de indenização.

Diante dessa situação, “João” decidiu buscar seus direitos e ajuizou ação declaratória de inexistência de débitos cumulada com pedido de indenização contra o Banco do Brasil. Argumentou que o banco negligenciou seu histórico financeiro e que, ao notar que as transações eram suspeitas, a instituição deveria ter bloqueado as movimentações até a confirmação dos correntistas de que eram legítimas.

O que decidiu o STJ? A instituição financeira é responsável por falhas na prestação de serviços bancários ao permitir a contratação de empréstimo por estelionatário.

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é aplicável às instituições financeiras (Súmula n. 297/STJ), as quais devem prestar serviços de qualidade no mercado de consumo.

O dever de segurança é noção que abrange tanto a integridade psicofísica do consumidor, quanto sua integridade patrimonial. Como consequência, é dever da instituição financeira verificar a regularidade e a idoneidade das transações realizadas pelos consumidores, desenvolvendo mecanismos capazes de dificultar fraudes perpetradas por terceiros, independentemente de qualquer ato dos consumidores.

Veja-se que, nas fraudes e nos golpes de engenharia social, geralmente são efetuadas diversas operações em sequência, num curto intervalo de tempo e em valores elevados. Em razão desta combinação de fatores, as transações feitas por criminosos destoam completamente do perfil do consumidor e, portanto, podem e devem ser identificadas pelos bancos.

A conduta das instituições financeiras de se manter inerte perante a ocorrência de diversas transações atípicas em poucos minutos concorre para permitir os golpes aplicados em seus correntistas. Assim, o nexo causal é estabelecido ao se concluir que poderia a instituição financeira ter evitado o dano sofrido em decorrência dos golpes, caso adotasse medidas de segurança mais eficazes.

No entendimento do Tema Repetitivo 466/STJ, que contribuiu para a edição da Súmula 479/STJ, as instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros como, por exemplo, abertura de conta corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno (REsp 1.197.929/PR, Segunda Seção, julgado em 24/8/2011, DJe 12/9/2011).

Mesma lógica se aplica à hipótese em que o falsário, passando-se por funcionário da instituição financeira e após ter instruído o consumidor a aumentar o limite de suas transações, contrata mútuo com o banco e, na mesma data, vale-se do alto montante contratado e dos demais valores em conta corrente para quitar obrigações relacionadas, majoritariamente, a débitos fiscais de ente federativo diverso daquele em que domiciliado o consumidor.

Em suma: A instituição financeira responde objetivamente por falha na prestação de serviços bancários ao permitir a contratação de empréstimo por estelionatário. STJ. 3ª Turma. REsp 2.052.228-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/9/2023 (Info 788).

Adendo: o que são golpes de engenharia social?

A engenharia social refere-se a técnicas que manipulam pessoas para obter informações confidenciais ou realizar ações específicas.

O golpista, em vez de tentar encontrar vulnerabilidades nos softwares ou sistemas dos bancos, usam engenharia social para explorar vulnerabilidades humanas e, com isso, obter acesso a informações, sistemas ou locais.

Aqui estão algumas características e exemplos comuns de golpes de engenharia social:

• Pretexto: o golpista cria uma história ou cenário fictício para obter informações de uma vítima. Por exemplo, ele pode se passar por um funcionário do banco e pedir detalhes da conta da vítima, alegando necessidade de “verificação”.

• Phishing: é uma das formas mais comuns de engenharia social online. Os atacantes enviam e-mails ou mensagens que parecem ser de instituições confiáveis, como bancos ou serviços populares, para enganar as vítimas a fornecer informações pessoais ou clicar em links maliciosos.

• Vishing (Voice Phishing): semelhante ao phishing, mas realizado por telefone. O golpista pode se passar por um representante de banco ou outra instituição e pedir à vítima para confirmar detalhes pessoais.

• Baiting: o atacante oferece algo atraente para a vítima, como um download gratuito de software, mas o “brinde” contém malware.

• Tailgating ou Piggybacking: o golpista segue alguém autorizado para entrar em um edifício ou área restrita.

• Quizzing e enquetes online: golpistas criam quizzes e enquetes falsas para coletar informações pessoais das vítimas.

• Ataques de “homem no meio”: o golpista intercepta a comunicação entre duas partes para roubar ou manipular informações.

Extremamente preocupado, 19/12/23.

1000ton

Milton Furquim
Enviado por Milton Furquim em 19/12/2023
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