O Contrato de doação no Direito Civil Brasileiro – Parte 2

O Contrato de doação no Direito Civil Brasileiro – Parte 2

Como se fosse possível conceber ato nulo sem ser para todos os efeitos e em face de todas as pessoas interessadas.

A doação da totalidade patrimonial é nula por violar interesse público podendo a referida nulidade ser arrogada por qualquer pessoa a qualquer tempo, incluindo os eventuais credores do doador.

Analisando a expressão “para sua subsistência” será mensurada

conforme referir-se a pessoa física ou jurídica.

O direito brasileiro vigente expressamente prevê que no caso de doador comerciante haverá a ineficácia em sentido estrito da doação celebrada até dois anos antes do reconhecimento de sua insolvência (art. 129, IV da Lei de Falências, Lei 11.101 de 9/02/2005).

“Art. 129. São ineficazes em relação à massa falida, tenha ou não o contratante conhecimento do estado de crise econômico-financeira do devedor, seja ou não intenção deste fraudar credores:

(...)

IV - a prática de atos a título gratuito, desde 2 (dois) anos antes da decretação da falência;”

O legislador pátrio não equiparou a “subsistência” à “solvabilidade”, só protegendo o crédito sob a sanção da nulidade absoluta se o doador se desprover mesmo do mínimo para sua sobrevivência.

Há duas possibilidades de doação de totalidade de bens, é a reserva de renda suficiente para sua subsistência, o que operacionaliza pela constituição de usufruto em favor do próprio doador.

Retirando o doador o necessário para a subsistência de seus vencimentos, proventos ou subsídios ou de salário, havendo interpretação teleológica.Assim é possível e válida a doação universal, se o doador possui fonte de renda periódica, não afrontando o art. 548 do Código Civil. Mas, o entendimento não é pacífico.

“Art. 548. É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador.”

O art. 549 do Código Civil trata de doação inoficiosa pois é nula no excesso da legítima, avaliada no momento da sua celebração.

“Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.”

Sabe o doador que tem herdeiros necessários (lembrando da ampliação do rol em face do art. 1829 do Código Civil) que não pode doar mais do que a metade de seu patrimônio.

“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.”

O STJ assim tem entendido conforme atesta o acórdão Resp 5.325, 3ª T., Rel. Min. Waldemar Zveiter, julg. 20.11.1990, publ. DJ. 10.12.1990 e na RSTJ, vol. 31, p. 314 e, a decisão do Resp 112.254 (STJ, 4ª T. Rel. Min. Fernando Gomes, julg. 16.11.2004, publ. DJ 02.12.2004).

“REsp 5325 / SP - CIVIL - DOAÇÕES INOFICIOSAS - DOAÇÃO ANTENUPCIAL E TESTAMENTO - VIOLAÇÃO DA LEGITIMA.

I- A PARTE INOFICIOSA, PORQUE EXCEDENTE DA DISPONIVEL, TEM-SE COMO NULA A TITULO DE VIOLAÇÃO DA LEGITIMA DOS HERDEIROS NECESSARIOS, POR ISSO CABIVEL E TRAZER A COLAÇÃO TODOS OS BENS DA DOAÇÃO ANTENUPCIAL E DO TESTAMENTO, PARA EFEITO DO CALCULO DO QUE FICA COMO LIBERALIDADE (DISPONIVEL) E DO QUE VAI PARA O ACERVO PARTILHAVEL (PARA OS HERDEIROS NECESSARIOS).

II- RECURSO NÃO CONHECIDO.”

“REsp 112254 / SP - CIVIL. DOAÇÃO INOFICIOSA.

1. A doação ao descendente é considerada inoficiosa quando ultrapassa a parte que poderia dispor o doador, em testamento, no momento da liberalidade. No caso, o doador possuía 50% dos imóveis, constituindo 25% a parte disponível, ou seja, de livre disposição, e 25% a legítima. Este percentual é que deve ser dividido entre os 6 (seis) herdeiros, tocando a cada um 4,16%. A metade disponível é excluída do cálculo.

2. Recurso especial não conhecido.”

Alguns entendem ser válida a doação se ao tempo da abertura da sucessão, o valor doado não excedesse a parte disponível ao doador.

Severas são as críticas de Beviláqua que pontifica:

“O sistema que avalia a porção disponível no momento da abertura da sucessão, peca por injusto. Realmente poderia ser rico o doador, dar moderadamente, e depois empobrecer, por razão estranha à liberalidade.E não é razoável que os herdeiros, que tiveram herança escassa, por um acidente da vida, a enriqueça à custa do donatário de muitos anos passados.”

Numa solução temperada bem poderia sanção de nulidade perder sua razão de ser pela inexistência de prejuízo.

O famoso brocardo “ne pas de nullité sans grief’” não passou no Direito Civil o alcance que alguns lhe emprestam.

De sorte que se a ordem jurídica foi atacada, e o mecanismo sancionatário merece ser deflagrado posto o desrespeito à norma cogente e, depois porque o ordenamento cuida de por os bens jurídicos a salvo de qualquer lesão ou ameaça de lesão.

Ratifique que a referida nulidade é fenômeno originário e, portanto já nasce viciada a relação jurídica negocial.

Não se pode condicionar a aplicação da sanção ao acaso ou à sorte de a fortuna do doador vir a se modificar.

Será nula a doação na parte inoficiosa, deve ser alegada a referida nulidade pelas pessoas como, herdeiros necessários, por eventual e futura abertura da sucessão.

Também não é preciso aguardar o óbito do doador para se demandar a ação anulatória pois a extensão da legítima não é influenciada pelo número de herdeiros necessários, mas tão-somente pela existência de alguns deles.

Assim, se anterior a morte do doador, sendo procedente o pedido, os bens retornarão ao seu patrimônio, do contrário, os bens serão divididos entre os herdeiros necessários, sem que possam alegar direitos sobre estes credores.

O privilégio da revogação cabe aos herdeiros legitimados ou reservatários.

Doutrinadores outros sustentam pela anulação da doação por ocasião da abertura da sucessão.

Devendo a parte inoficiosa retornar ao espólio sem reservas, incindindo os créditos que terceiros tenham contra o de cujus ou contra o espólio.

Não possuem, no entanto, os creditores legitimidade para ajuizar a ação anulatória.

Por ser a doação negócio jurídico bilateral esta só se efetiva com a aceitação do donatário, o consentimento sedimentaliza-se a avença contratual.

Poderá o doador, conforme induz o art. 539 do Código Civil estipular prazo de manifestação sob pena do silêncio traduzir aceitação, no caso de doação pura.

“Art. 539. O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo.”

Diante da doação pura o silêncio funcionará com efeito aquisitivo de direito. Tal prazo fica ao critério do doador.

Nem sempre o silêncio significa abstenção sem efeitos na órbita do

Direito. Porém em inúmeras passagens, o silêncio labora sentido jurídico próprio.

Devotando-se à raízes romanas temos o silêncio como um nada, uma abstenção de pronunciamento e, portanto, não produz efeitos (ineficaz).

Mas no caso do mandato ligado à profissão ou ofício do mandatário o silêncio operará aceitação (art. 1193 do Código Civil de 1916, art. 659 do Código Civil de 2002), resultando do começo de execução.

“Código Civil/1916 – Art. 1.192 - O tutor ou curador poderá eximir-se do encargo, apresentando escusa ao juiz no prazo de 5 (cinco) dias. Contar-se-á o prazo:

(...)

Parágrafo único - Não sendo requerida a escusa no prazo estabelecido neste artigo, reputar-se-á renunciado o direito de alegá-la.”

"Código Civil/2002 – Art. 659. A aceitação do mandato pode ser tácita, e resulta do começo de execução.”

O novo codex civil emprestou maior significado jurídico ao silêncio quando, em seu art. 111 dispõe que importa anuência “quando as circunstâncias e os usos autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa”, vide abaixo:

“Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.”

Mas aconselha-se ponderação e, aquilatar em cada caso concreto, porém a ação negativa do silente, foi no sentido de ter querido seriamente obrigar-se principalmente a luz do princípio da boa-fé objetiva.

Obtém relevância ainda o silêncio como elemento de validade do negócio jurídico pois se o silêncio significar omissão dolosa, constitui causa de anulabilidade do negócio jurídico.

Principalmente nos atos bilaterais e se foi usado empregado para prejudicar a outra parte (art. 147 do Código Civil).

“Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, se restar provado que, sem ela o negócio não se teria celebrado.”

Não pode confundir silêncio com aceitação presumida onde o donatário realiza atos compatíveis com a idéia de aceitar, laborando presunção relativa, (juris tantum) cabendo prova em contrário.

O silêncio não pode ser confundido com a manifestação tácita ou implícita.

Posto que manifestação tácita significa aquela derivada de atos ou fatos que não comportassem outra explicação.

Curial esclarecer que a doação se aperfeiçoa pela aceitação e essa pode ser expressa, tácita ou presumida (art. 110 do Código Civil).

“Art. 539. O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo.”

E a lei dispensa a capacidade do aceitante como requisito inafastável de validade. Embora seja indispensável que o doador seja capaz sem sofrer das ilegitimidades que inibem, por exemplo, do homem casado doar bens para a sua concubina.

É possível que doação venha beneficiar pessoas absolutamente incapazes (art. 543 do Código Civil), ou até mesmo, o próprio nascituro (art. 542 do Código Civil).

“Art. 543. Se o donatário for absolutamente incapaz, dispensa-se a aceitação, desde que se trate de doação pura.

Art. 542. A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante legal.”

Pablo Stolze opina que deveria o absolutamente incapaz estar devidamente representado, no ato da doação, o mesmo valendo para o nascituro.

Evidentemente se o nascituro não nascer com vida, a doação estipulada será prejudicada e ineficaz, permanecendo o bem no patrimônio do doador.

Gustavo Tepedino em comento ao art. 539 do Código Civil esclarece que o consentimento ou a aceitação pode ser classificado em quatro espécies: expresso, tácito, presumido e ficto.

a) será expresso se o donatário declarar que aceita a doação;

b) tácito, quando se possa inferi-lo de uma conduta do donatário, por exemplo, na doação propter nuptias, casando-se o donatário;

c) será presumido que é o tratado pelo art. 539 do Código Civil, se findo o prazo para proferir a aceitação. Se este fica inerte, é presumível que aceitou;

d) será ficto o consentimento em doações puras feitas aos incapazes.

Ficção está necessária para conformar à dogmática que considera a doação em contrato, a possibilidade de pessoa que não é capaz de celebrar negócios jurídicos vir aceitar o ato de liberalidade, sem a participação de seus representantes ou assistentes legais.

Na doação pura, o encerramento do prazo faz surgir a presunção de acietação por parte do donatário.

Porém surge quid juris se o doador morrer antes do donatário expressamente aceitar a doação e depois de ter conhecimento de sua oferta?

Diverge a esse respeito a doutrina e a jurisprudência. Beviláqua defende que a doação deve resolver-se porque o contrato não chegou a se firmar.

Caio Mário da Silva Pereira, ao invés, entende que a morte não obstará à conclusão do contrato:

“porque a declaração de vontade do primeiro já se fizera, e o vínculo obrigacional aguardava tão somente a aceitação expressa ou presumida do segundo”.

Ao legislador português, mais acertada parece a solução sustentada por Beviláqua que foi consignada pelo Código Civil daquele país (art. 945, nº 1):

“ARTIGO 945º

(Aceitação da doação)

1. A proposta de doação caduca, se não for aceita em vida do doador.”

(CÓDIGO CIVIL PORTUGUÊS - Atualizado até à Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro – incorporando Declaração de Retificação 24/2006, de 17/04).

[http://www.portolegal.com/CodigoCivil.html] Acesso em 16/02/2008.

Quanto à morte do donatário antes do fim do prazo assinado pelo doador para que manifestasse sua recusa à oferta de doação, é pacífica a doutrina na vertente de que o negócio se resolve, não tendo sido formado o consenso.

Não prevalece a regra da aceitação para as doações modais ou com encargo. Como este, revela-se como ônus para o donatário, pode não ter qualquer interesse em assumi-lo, não cabendo a presunção de aceitação.

Coerente enxergar, que o encargo é um dever anexo à doação, sem descaracterizá-la, isto é, desde que não configure correspectividade ou contraprestação (apud Paulo Luiz Netto Lobo).

A norma prescrita no art. 544 do Código Civil deve estar em sintonia com a prevista no art. 1.829 e seguintes do Código Civil.

“Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança.”

A ratio do dispositivo é a mesma do art. 496 do Código Civil.

“Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.”

A relevante diferença de que, em tema de doação, não vige a restrição, presente na troca e na compra e venda, da necessidade do consentimento dos demais descendentes, vez que, se presume ex vi legis, o adiantamento da parte que cabe ao donatário por herança.

Será válida a doação até o limite que não invada a legítima dos demais descendentes.

A norma explícita do art. 544 do Código Civil é supletiva e poderá ser afastada por expressa declaração do doador, ao ratificar que a doação vem de sua parte disponível, não constituindo com isso adiantamento de legítima.

Já julgou o STJ:

“Recurso especial. Sucessões. Inventário. Partilha em vida. Negócio formal. Doação. Adiantamento de legítima. Dever de colação. Irrelevância da condição dos herdeiros. Dispensa. Expressa manifestação do doador.

- Todo ato de liberalidade, inclusive doação, feito a descendente e/ou herdeiro necessário nada mais é que adiantamento de legítima, impondo, portanto, o dever de trazer à colação, sendo irrelevante a condição dos demais herdeiros: se supervenientes ao ato de liberalidade, se irmãos germanos ou unilaterais. É necessária a expressa aceitação de todos os herdeiros e a consideração de quinhão de herdeira necessária, de modo que a inexistência da formalidade que o negócio jurídico exige não o caracteriza como partilha em vida.

- A dispensa do dever de colação só se opera por expressa e formal manifestação do doador, determinando que a doação ou ato de liberalidade recaia sobre a parcela disponível de seu patrimônio.

Recurso especial não conhecido.”

(STJ, 3ª T., Resp 730.483, Rel. Min. Nancy Andrighi, julg. 03.05.2005, publ. DJ 20.06.2005).

O que se pretende é preservar a legítima e não exatamente a igualdade dos quinhões hereditários da mesma espécie.

O limite cogente às doações é o respeito a intangibilidade das legítimas.

A doação propter nuptias, disciplinada no art. 546 do Código Civil é subordinada a condição suspensiva (a realização do casamento com certa e determinada pessoa).

Ficará sem efeito, se o dito casamento não se realizar. A aceitação é presumida, sendo esta relativa no que toca à doação feita por terceiro a um ou ambos os nubentes, já que o contemplado pode recusar a doação, embora venha a se casar, desde que o façam de forma expressa e inequívoca.

Extrai-se do silêncio o consentimento. Se a prole eventual for contemplada, os futuros donatários não poderão impugnar a liberalidade por falta de aceitação nos termos da expressa dicção legal.

Caio Mário entende que a celebração do casamento nessa peculiar doação é aceitação tácita.

É extremamente delicado o tema relacionado com doação mortis causa.

Opina Pablo Stolze pela inadmissibilidade desta por atentar contra o nosso sistema sucessório e, por haver instituto jurídico específico para tanto que é o testamento.

O testamento como é sabido, é negócio jurídico unilateral, essencialmente revogável e solene pelo qual o autor da herança (testador) dispõe acerca de transmissibilidade dos seus bens para depois da sua morte.

É de se frisar que será irrevogável no que tange o reconhecimento da filiação.

A possibilidade de doação mortis causa vir a ser aproveitada como legado, para beneficiar um legatário nessa mesma diretriz, seguem os Códigos Espanhol, Argentino e ainda o de Portugal (vide o art. 649, 1º e 2º).

“ARTIGO 946º

(Doação por morte)

1. É proibida a doação por morte, salvo nos casos especialmente previstos na lei.

2. Será, porém, havida como disposição testamentária a doação que houver de produzir os seus efeitos por morte do doador, se tiverem sido observadas as formalidades dos testamentos.”

(CÓDIGO CIVIL PORTUGUÊS - Atualizado até à Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro – incorporando Declaração de Retificação 24/2006, de 17/04).

[http://www.portolegal.com/CodigoCivil.html] Acesso em 16/02/2008.

Esse saneamento do negócio jurídico é denominado de conversão substancial, (art. 170 do Código Civil).

“Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade.”

A conversão é mais desenvolvida na seara processual e, constitui no Direito Civil medida sanatória do ato nulo e anulável.

Tem maior aplicação no âmbito dos atos anuláveis posto que, ratificáveis diferentemente dos atos nulos.

O art. 170 do Código Civil é expediente técnico avançado para aproveitar-se como outro ato jurídico válido aquele inválido, nulo ou anulável para o fim a que foi realizado.

É expediente técnico capaz de corrigir e exprimir a manifestação de vontade negocial, não obedientes, no entanto, a pressupostos ou a requisitos.

Entende-se por conversão o ato por força do qual, em caso de nulidade do negócio jurídico querido principalmente, abre-se às partes o caminho para fazer valer outro, que se apresenta como que compreendido no primeiro e encontra nos escombros (rovine) deste os requisitos necessários para a sua existência, de que seriam exemplos:

a) uma venda simulada, que poderia conter os requisitos de uma doação;

b) um ato público nulo, que poderia conter os requisitos de uma escritura privada;

É medida sanatória por onde se aproveitam os elementos materiais de um negócio jurídico nulo ou anulável, convertendo-o, juridicamente, e de acordo com a vontade das partes, em outro negócio válido e de fins lícitos.

Karl Larenz ensina que não se admite a conversão se o negócio perseguido pelas partes são fins imorais ou ilícitos.

Para ocorrer a conversão é preciso:

a) o pressuposto material – aproveitam-se os elementos fáticos do negócio inválido convertendo-o para a categoria jurídica do ato válido;

b) pressuposto imaterial – a intenção dos declarantes direcionada à obtenção de conversão negocial e conseqüente re-categorização jurídica do negócio inválido.

Exemplo:

Nota promissória nula IMPLICA EM confissão de dívida;

Doação mortis causa IMPLICA EM legado;

Contrato de compra e venda de bem valioso  promessa irretratável de compra e venda.

A origem da palavra inofficious é latina (officius, officum) e significa: quem não cumpre os deveres, os ofícios, aquilo que foge do dever de ofício. Doação inoficiosa é aquela que traduz violação da legítima dos herdeiros necessários.

Pelo Código Civil de 2002 entende-se por herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge (art. 1.845 do Código Civil) aos quais se reconhece direito à metade dos bens da herança, a denominada parte legítima (art. 1.846 do Código Civil).

Obedece o sistema pátrio a divisão necessária, pelo qual a vontade do autor da herança não pode afastar herdeiros necessários resguardando no mínimo a metade da herança (arts. 1.789, 1.845 e 1.846 do Código Civil).

“Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.

Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.”

(...)

“Art. 1.789. Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança.”

Tais sucessores podem deixar de ser sucessores, posto que excluídos da herança por vontade do testador (deserdação) ou por indignidade.

O baluarte do Direito Civil, Washington de Barros Monteiro nos ensina que:

“Essa legítima, tão combatida por Le Play e seus sequazes, porque contrária à ilimitada liberdade de testar, é fixa em face do nosso direito, ao inverso do que ocorre em outras legislações como a francesa, a italiana e a portuguesa, em que varia de acordo com o número de pessoas sucessíveis, e é sagrada, nesse sentido de que não pode, sob pretexto algum, ser desfalcada ou reduzida pelo testador”.

Pondera Pablo Stolze se essa limitação protetiva da legitima seria uma violação ao direito constitucional de propriedade. Agredindo frontalmente a faculdade real de disposição do doador.

Manteve o direito contratual brasileiro a preocupação com a preservação da legítima (arts. 544 e 549 do Código Civil).

“Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança.”

(...)

“Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.”

Para efeito de cálculo, deve se considerar o valor do patrimônio do disponente quando da alienação.

Porém outros importantes diplomas legais como o Código Civil argentino, português e francês colocam como parâmetro para cálculo da doação inoficiosa a abertura da sucessão.

Optou-se o Código Civil de 2002 por observar o valor do bem doado ao tempo da liberalidade (art. 2.004 do Código Civil).

“Art. 2.004. O valor de colação dos bens doados será aquele, certo ou estimativo, que lhes atribuir o ato de liberalidade.”

O patrimônio sofre flutuações de valor, ao longo do tempo, assim se a redução se der posteriormente à data da doação, comprometendo a legítima, a nulidade não será retroativa.

Por outro lado, se houve aumento do patrimônio, posteriormente ao momento da doação em excesso, não altera esse fato. A nulidade é cabível se nada poderia dispor no momento da doação, toda esta é nula.

Não é questão pacífica, há entendimento no sentido de se apurar o valor considerado ao tempo da doação, somente é sustentável se o bem não integrava o patrimônio do donatário quando da colação.

Nesse sentido ratifica o Enunciado 119 da Jornada de Direito Civil do CJF. A colação será efetuada com base no valor da época da doação (caput do art. 2.004 do Código Civil).

119 – Art. 2.004: para evitar o enriquecimento sem causa, a colação será efetuada com base no valor da época da doação, nos termos do caput do art. 2.004, exclusivamente na hipótese em que o bem doado não mais pertença ao patrimônio do donatário. Se, ao contrário, o bem ainda integrar seu patrimônio, a colação se fará com base no valor do bem na época da abertura da sucessão, nos termos do art. 1.014 do Código de Processo Civil, de modo a preservar a quantia que efetivamente integrará a legítima quando esta se constituiu, ou seja, na data do óbito (resultado da interpretação sistemática do art. 2.004 e seus parágrafos, juntamente com os arts. 1.832 e 884 do Código Civil).

[http://www.cjf.gov.br/revista/enunciados/IJornada.pdf].

Acesso em 16/02/2008.

Caso contrário, (o bem ainda integrar seu patrimônio), a colação se fará com base no valor do bem na época da abertura da sucessão (art. 1.014 do Código de Processo Civil).

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 26/02/2008
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