PRINCÍPIO UTILITARISTA DA ARGÜIÇÃO DE SUSPEIÇÃO POR QUESTÃO DE FORO ÍNTIMO.

Todo chamado é grande quando perseguido grandemente. Oliver Wendell Holmes, Jr.

Reza o artigo 135 do Código de Processo Civil:

“Art. 135”. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando:

I - Amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;

II - alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou colateral até o terceiro grau;

III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes;

IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio;

V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.

Parágrafo único. Poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo." (g.n.).

I – INTRODUÇÃO.

Nesta seara específica deve-se ter em mente que trata-se de uma faculdade concedida ao magistrado que dela deverá valer-se em situações muito bem determinadas a fim de evitar o surgimento de questionamentos mais controvertidos acerca de sua decisão, desde a parcialidade até mesmo a preguiça. O que pretendemos nas próximas linhas significa um esforço no sentido de tentar desvendar quais os motivos e razões que levam o magistrado a emitir declaração de suspeição por foro íntimo, bem como discernir se tal declaração deva ou não ser motivada.

Na mesma vertente, ousamos ainda a compreensão de sobre a possibilidade de tal declaração conduzir a um desvirtuamento de sua finalidade, a qual queremos também compreender, posto que a mera argüição de suspeição por questão de foro íntimo sem que esta venha acompanhada de uma cabível justificativa, encerra, em seu interior, dúvidas e incertezas que afetarão não apenas aqueles envolvidos na lide objeto da argüição, mas também ao longo de todo o sistema jurídico, gerando aquela indesejável sensação de insegurança que não pode, nem deve, se sustentar sob pena de causar efeitos nocivos a toda a sociedade.

A faculdade em tema encontra-se elencada no artigo 135, § único do Código de Processo Civil vigente, bem como na Consolidação das Leis do Trabalho em seu artigo 801, muito embora este artigo não possua em seu bojo o item relativo à faculdade atribuída pelo parágrafo único do citado artigo do Código de Processo Civil. Tal argüição fundada no foro íntimo permite ao magistrado, quando dela valer-se, eximir-se de prosseguir atuando naquele feito, e estabelecendo que outro o faça, posto que tanto na condução como na apreciação da lide o magistrado originalmente chamado a apreciá-la, se nele prosseguir estará, sem qualquer sombra de dúvida, comprometendo a imparcialidade de tal condução, bem como o resultado final, cujo teor estará eivado de erro e vício em sua essência.

Ou seja, na lição contida na doutrina pátria temos que: "O juiz, ao declarar-se suspeito por motivo íntimo, afasta-se da causa que deve ser remetida a seu substituto automático. Não é necessário que mencione qual motivo íntimo que o levou a afirmar suspeição." (Art. 135, nota 8. Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 4. ed., São Paulo: RT, 1999).

Observe-se que a questão da fundamentação encontra-se escoimada pelo texto constitucional, visto que tal argüição reveste de ato administrativo unilateral e, por esta natureza específica, exige que venha ao conhecimento de todos de forma motivada e justificada com a necessária carga de enunciados que tornem válida não apenas às partes, mas também ao mundo jurídico as razões que o levaram a tomar tal posicionamento, evitando que sua ação cause a menor sombra de insegurança, haja vista que, se assim não o for, estará o magistrado agindo de forma autoritária, ensejando dúvidas, incertezas e, até mesmo, críticas quanto às demais atuações em que aquele magistrado agiu, pressupondo-se que todo o seu trabalho anterior também estivesse comprometido em face da imparcialidade e neutralidade que dele se espera.

Apenas para que não pairem dúvidas quanto ao que foi até aqui exposto, ressalte-se que é comezinho na prática forense o conhecimento de que a neutralidade do juiz está comprometida em face de sua natureza humana, posto que este não é um super-homem, ou seja, um indivíduo destituído de sentimentos, emoções e sensações como qualquer outro, e, por outro lado, sua imparcialidade estará sempre comprometida pelos fatos que lhe foram trazidos a conhecimento, já que a verdade real é quase sempre uma quimera perseguida pelo ideal de justiça. A razão destas colocações devem-se ao fato de que não se deseja qualquer espécie de generalizações ou de conhecimento comum acerca de um tema tão complexo. A suspeição argüida em razão do foro íntimo envolve, via-de-regra, questões mais profundas originária dos anseios e das dúvidas que vicejam na penumbra da alma do magistrado, envolvido com questões humanas ilícitas, imorais e amorais que, por sua própria natureza encerram celeumas que nem mesmo a psicologia e a sociologia, até o presente momento não conseguiram explicar, ou mesmo justificar ações brutais, iradas e que, na sua origem, contém um amálgama de reações hipoteticamente conceituadas e que, todavia não encontram amparo em qualquer tese energicamente comprovada pelo mundo da ciência.

Assim, atribuir a uma pessoa toda esta carga de expectativas é o mesmo que deixar ao cargo de apenas um homem toda a responsabilidade por evitar um evento que, por sua própria grandeza, inevitabilidade e ameaça, seja capaz de exterminar toda a raça humana. Ademais, têm-se na jurisprudência corrente, farto cabedal de informações que justificam o fato de o magistrado, e somente ele, ser capaz para argüir suspeição por foro íntimo quando assim a situação o exigir, em especial aquela que colhemos e que abaixo segue:

"O afastamento do magistrado em razão de suspeição por motivo íntimo é circunstância que se esconde em sua alma e só a ele pertence, mesmo que sua origem se possa presumir em certos fatos processuais ocorridos. Para a administração da Justiça isso é mais conveniente do que obrigar o juiz a um esforço de autocontrole que nem sempre e nem todos podem alcançar. Assim de deduz do CPC, art. 135. A declaração de suspeição apenas é eficaz processualmente para cada uma das ações em que se lançar despacho expresso; mas é injurídica quando generalizante para processos presentes ou futuros e até para advogados inominados. Nesse aspecto administrativo, de organização dos serviços públicos, a medida correcional por não atingir o procedimento é competente e elogiável. Mandado de segurança concedido apenas para os autos onde a suspeição tenha sido expressamente declarada" (TRT/SP, MS 136/87-P, Rel. Juiz Valentin Carrion; apud Valentin Carion, Comentários à consolidação das leis do trabalho, 25ª ed., Saraiva, p. 592).

Reputamos que as assertivas acima trazem à baila um sem-número de discussões, críticas e ideologias dotadas, cada uma delas, de suas próprias justificativas e não existe qualquer razão para afirmar-se que elas estejam incorretas ou incoerentes, posto que contém em seu interior questionamentos originários da própria alma humana, guardando anseios e expectativas que a todos nós atormenta e que não podem ser meros objetos de estudos científicos que não estejam imbuídos da intenção equânime de encontrar não apenas respostas, mas também meios e instrumentos que possam municiar o magistrado na sua árdua tarefa de julgar as lides que tornam a existência humana cada vez mais complexa e menos compreensível.

II – UMA BREVE DIGRESSÃO.

Retornando ao início, verificaremos ainda que o ato pelo qual o magistrado argüi sua própria suspeição por foro íntimo, deve, necessariamente, ser justificada, muito embora a jurisprudência vigente assim não o entenda, posto que por sua natureza de intimidade da alma do magistrado apenas a ele interessa o fulcro da suspeição, sendo absolutamente dispensável qualquer justificativa para sua decisão.

Entretanto, consideremos que tal ato praticado pelo magistrado, aquém de uma sentença, posto que não põe fim à lide por qualquer meio jurisdicional concebido, reveste-se da natureza essencial de ato administrativo, cujo conceito extraímos das lições do insigne professor Hely Lopes Meireles, que assim o define:

Ato (jurídico) administrativo é toda manifestação de vontade do Estado, por seus representantes, no exercício regular de suas funções, ou por qualquer pessoa que detenha nas mãos fração de poder reconhecido pelo Estado, que tem por finalidade imediata criar, reconhecer, modificar, resguardar ou extinguir direitos e obrigações sob o regime jurídico-administrativo.

É todo ato praticado, segundo a lei, pelo agente administrativo, capaz de criar, modificar ou extinguir direitos na esfera da administração pública. (01).

Da mesma forma, o insigne jurista também esclarece que: “Ato administrativo é toda manifestação unilateral da vontade da Administração Pública, que agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados e a si própria.” (02).

Ora, parece cristalino que a decisão do juiz de argüir sua suspeição por foro íntimo, reveste-se de toda a característica elencada pelo conceito acima descrito, objetivando tão somente declarar sua suspeição e suspender o feito que será, por meio automático ou a ofício deste, a outro magistrado que possa instrumentalizar, instruir e julgar o referido feito.

Nesta análise, sabemos ainda que o ato administrativo reveste-se de cinco requisitos fundamentais, a saber: competência, objeto, forma, motivo e finalidade, sendo certo que os que mais nos interessam neste estudo são o motivo e a finalidade do respectivo ato.

MOTIVO – É o pressuposto de fato e de direito que serve de fundamento ao ato administrativo. Pressuposto de direito é o dispositivo legal em que se baseia o ato e o pressuposto de fato corresponde ao conjunto de circunstâncias, de acontecimentos, de situações que levam a administração a praticar o ato. A ausência de motivo ou a indicação de motivo falso invalidam o ato administrativo. Ex. de motivos: no ato de punição de servidor, o motivo é a infração prevista em lei que ele praticou; no tombamento, é o valor cultural do bem; na licença para construir, é o conjunto de requisitos comprovados pelo proprietário.

Motivação – Motivação é a demonstração por escrito de que os pressupostos de fato realmente existiram. A motivação diz respeito às formalidades do ato, que integram o próprio ato, vindo sob a forma de "considerandos". A lei 9.784/99 em seu art. 50 indica as hipóteses em que a motivação é obrigatória. Segundo José dos Santos Carvalho Filho, pela própria leitura do art. 50 da Lei 9.784/99 pode-se inferir que não se pode mesmo considerar a motivação como indiscriminadamente obrigatória para toda e qualquer manifestação volitiva da Administração. Ainda segundo ele, o art. 93, X, não pode ser estendido como regra a todos os atos administrativos, ademais a CF fala em "motivadas", termo mais próximo de motivo do que de motivação. Já para Maria Sylvia Zanella Di Pietro a motivação é regra, necessária, tantos para os atos vinculados quanto para os discricionários já que constitui garantia da legalidade administrativa prevista no art. 37, caput, da CF. (03).

Muito provavelmente, a esta altura de nossa digressão, deixam de subsistir quaisquer incertezas acerca de efetiva necessidade de que a argüição de suspeição por foro íntimo esteja devidamente motivada, mesmo quando se parte do pressuposto que de seja ato discricionário do magistrado, dispensado de qualquer motivação, não apenas pelo seu conteúdo, mas também pela sua natureza de ordem processual.

Além do mais, não podemos deixar de frisar que todo e qualquer ato administrativo encontra-se sujeito à teoria dos motivos determinantes, pela qual todo o ato administrativo deve guardar estreita relação com a situação de fato que o gerou, persistindo, assim, a necessidade do ato estar devidamente motivado com o intuito de evitar sua absoluta ilegalidade.

Repisando o que já foi dito, temos que sempre que o magistrado argüir suspeição por foro íntimo, não lhe basta apenas a argüição, devendo ele, necessariamente, justificá-lo e motivá-lo com o intuito finalístico de evidenciar que não se tratou de mero ato discricionário, motivado apenas por questões de ordem emocional que não encontram guarida no mundo jurídico, mas sim que encontra-se plenamente justificado dentro de uma esfera de valores de ordem moral e também judicial que o tornam impedido de atuar naquele feito sem que tal mister redunde em uma decisão eivada de erro e vício.

A pergunta que fica ecoando no ar refere-se as quais motivos e fundamentos pelos quais o magistrado pode argüir sua suspeição por foro íntimo que não esbarrem em justificativas de ordem pessoal que não possam ser agasalhadas pelo ordenamento jurídico vigente, nem mesmo motivadas com base na doutrina e jurisprudências disponíveis?

Diz AGRÍCOLA BARBI: "a falta de controle dos motivos de abstenção, pelo órgão disciplinar, pode ensejar abusos por parte de juízes menos amigos do trabalho. Terão eles um cômodo expediente para se afastarem dos volumosos e complexos casos de ação de divisão ou de prestação de contas", sempre existindo o risco, ademais, "de juízes de menor coragem se afastarem de causas em que receiem ter de decidir contra pessoas poderosas no meio." Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, nº 744, p. 567.

A primeira resposta que vem à mente é que inexistem tais justificativas, posto que qualquer que sejam suas origens estarão, necessariamente, ligadas ao íntimo do magistrado e, deste modo, não poderão encontrar sustentação no mundo jurídico. Qualquer que seja a argüição impetrada pelo juiz para respaldar sua suspeição por foro íntimo, ela estará inexoravelmente condenada à absoluta ausência de fundamentação e conseqüente motivação, eivando o ato administrativo, assim considerado, de nulidade insanável sob qualquer aspecto.

Todavia, encontramos dentro da jurisprudência, algumas seletas que podem servir de bom indicativo de como se pensa a respeito do assunto. Senão vejamos o trecho abaixo extraído do site do Ministério Público do Estado do Piauí, onde lê-se:

“As hipóteses do CPC 135 podem ser ampliadas para abarcar casos semelhantes ou análogos aos ali descritos, com é o caso do prejulgamento, como causa de suspeita da parcialidade do juiz (TJRS, 5ª, Câm. Cív., EI 585036759, rel. Des. Rosado de Aguiar, j. 10.12.1985, RJTJRS 114/295)”.

“Considera-se suspeito para julgar, devendo ser afastado do processo, o juiz que, categórica e inequivocamente, antecipa o julgamento em favor de uma das partes. (RJTJRS 114/295)”.

Ora, o caso acima descreve a exata situação em que o magistrado deveria agir de ofício e argüir sua suspeição por foro íntimo, fundada na mera possibilidade de pré´-julgamento, antecipando suas considerações antes mesmo de encerrada a instrução processual, indicando para partes e seus procuradores que além de já ter firmado o seu convencimento, estabelece as bases de sua sentença, tolhendo o direito de ampla defesa e de contraditório das partes.

De todo o modo, a falta de fundamentação pelo juiz quando da argüição de suspeição por foro íntimo, induz ao fato de que pode ele estar se usando deste instituto com finalidade diversa daquela para o qual foi o referido trazido ao mundo do Direito Processual, permitindo interpretações das mais diversas, inclusive aquelas que de forma excessivamente descarada instiga à possibilidade de estar o magistrado se obliterando de suas responsabilidades jurisdicionais, insinuando uma postura preguiçosa e avessa ao trabalho duro, até mesmo porque, não se pode admitir que qualquer agente político se esquive de seus compromissos constitucionalmente investidos por um motivo tão torpe e tão destituído de valores morais e éticos.

III – A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO UTILITARISTA.

Seguindo-se esta mesma vertente, porém adotando-se outro ponto de vista, devemos atentar para o fato de que, também se valendo do mesmo instituto, pode estar o magistrado atendendo à um interesse maior que o seu próprio, um interesse traduzido pelo interesse geral da sociedade que segue um princípio filosófico amplamente difundido no século XIX e difundido às escâncaras nos dias atuais: o utilitarismo.

Em Filosofia, o utilitarismo é uma doutrina ética que prescreve a ação (ou inação) de forma a otimizar o bem-estar do conjunto dos seres sencientes. O utilitarismo é então uma forma de conseqüencialismo, ou seja, ele avalia uma ação (ou regra) unicamente em função de suas conseqüências.

Filosoficamente, pode-se resumir a doutrina utilitarista pela frase: “Agir sempre de forma a produzir a maior quantidade de bem-estar” (princípio do bem-estar máximo). Ela se define então como uma moral eudemonista, mas que ao contrário do egoísmo, insiste no fato de que devemos considerar o bem-estar de todos e não o bem estar de uma única pessoa.

Antes de quaisquer outros, foram Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873) que sistematizaram o princípio da utilidade, e conseguiram aplicá-lo às questões concretas – sistema político, legislação, Justiça, política econômica, liberdade sexual, emancipação das mulheres, etc.

Em Economia, o utilitarismo pode ser entendido como um princípio ético no qual o que determina se uma decisão ou ação é correta, é o benefício intrínseco exercido à coletividade , ou seja, quanto maior o benefício, tanto melhor a decisão ou ação. (fonte: Wikipédia).

Muito embora possa parecer uma afirmação ambígua ou antagônica, uma consideração mais detida demonstra que isto não condiz com a realidade, posto que a atuação do magistrado em uma lide revela-se fundamental para o seu deslinde e, consequentemente, a restauração do equilíbrio e da paz social, meta fundamental estabelecida por qualquer constituição vigente em qualquer país deste planeta, razão pela qual constata-se que a responsabilidade deste indivíduo investido de poder de julgar sobre as pessoas possui tal dimensão que não pode ser evitada, distorcida ou ainda desconstituída por quaisquer motivos sejam eles de qualquer ordem ou grau de importância.

Tomando-se este pano de fundo como elemento crucial para a definição e destino de qualquer grupo social, devemos ter em mente a necessidade de entender que a argüição de suspeição por foro íntimo revela-se um mecanismo disponível ao magistrado com a finalidade de impedir que o resultado de sua atuação seja objeto de eventuais medidas recursais cabíveis e pertinentes adotadas apenas e tão somente fundadas no ato de julgar efetivamente realizado pelo juiz. Ou seja, assim que se publica uma decisão jurisdicional, o juiz se desincumbe de seu mister. Pelo menos, esta era a interpretação do artigo 463 do Código de Processo Civil, recentemente modificado, mas que encerra em seu interior ainda o mesmo entendimento anterior com relação à sentença e não ao processo que somente se encerra quando o bem da vida é entregue à aquele ao qual foi auferido o direito pela sentença.

Este ato jurisdicional exige do magistrado uma postura eticamente correta e dotada dos maiores cuidados a fim de evitar-se excessos ou abusos de direito, razão pela qual, a todo o momento em que o magistrado perceber que seu convencimento encontra-se eivado por sentimentos, sensações ou impressões que tenham sido capazes de distorcer sua visão em face da lide que lhe foi proposta, deve ele, necessariamente, argüir a suspeição por foro íntimo com a finalidade precípua de preservar não apenas o direito das partes, mas principalmente o Direito enquanto instituição primordial para a coexistência humana em comum.

A razão mais aprofundada deste questionamento encerra-se nesta premissa de que o magistrado não pode, nem deve, exercer seu “múnus público” de maneira indevida, ou ainda abusiva, na exata medida em que deve ele sempre ter em mente que sua decisão afetará não apenas as vidas dos envolvidos no processo, mas ainda mais a forma com que os demais indivíduos passarão a compreender suas relações no mundo social alteradas por uma decisão que lhe influencia no cotidiano.

Assim considerado, o tema em apreço demonstra de forma inequívoca que a ação do magistrado deve também permear-se pelo princípio utilitarista, buscando sempre a melhor solução para todos, mesmo que esta não seja a melhor solução para determinada lide, já que o interesse coletivo precede e se eleva em relação ao interesse individual. A proposta do utilitarismo não apenas coincide, mas também se confunde com a tarefa do magistrado na prolação da sentença, razão pela qual, sendo necessário não apenas ao processo, mas também para a manutenção do Sistema Jurídico Positivado, impõe-se ao magistrado a locução disposta pelo artigo 135 do Código de Processo Civil, plenamente justificável em sua essência, e garantidor de situações superficiais necessárias para o pleno funcionamento do sistema social.

Aliás, neste sentido devemos nos ater ao teor do artigo 125 do Código de Processo Civil que explicitamente declara:

Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:

I - assegurar às partes igualdade de tratamento;

II - velar pela rápida solução do litígio;

III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça;

IV - tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes.

Do seu inteiro teor extraí-se uma das razões pela qual pode o magistrado valer-se do parágrafo único do artigo 135, argüindo sua suspeição por foro íntimo com o intuito precípuo de evitar que sua atuação possa ser comprometida na exata medida em que, atuando sem a fiel observância do disposto no artigo 125 fica evidenciada a sua suspeição, uma vez que sem ter em mente os preceitos estabelecidos pelo artigo em comento, o resultado esperado, além de pífio encontrar-se-á ínsito de erros de avaliação e de convencimento, conduzindo, fatalmente, à insegurança jurídica, evento que deve, a qualquer custo ser evitado e até mesmo repelido de modo resolutivo.

IV – UMA EXPECTATIVA CONCLUSIVA.

Desta forma, entendemos que a argüição de suspeição por questão de foro íntimo deve, sempre que possível, ser fundamentada a fim de evitar-se eventuais comentários ou outros questionamentos sobre o caráter desta decisão, induzindo à uma absoluta falta de vontade ou ainda, e talvez muito mais insidioso, dúvidas sobre a capacidade do magistrado de lidar com a tarefa que lhe foi imposta pelo texto constitucional.

De outro modo, porém seguindo-se a mesma linha de raciocínio, a argüição de suspeição deve servir de instrumento regulador e orientador da atividade praticada pelo Juiz, e que deve ser sempre acompanhada das orientações e premissas estabelecidas pelo artigo 125, que além de um indicador da atividade jurisdicional, também deve ser encarado como o perímetro além do qual não deve o magistrado ousar, posto que o resultado será, inevitavelmente, desastroso não apenas para o processo ou para a lide, mas sim para todo o Sistema Jurídico Positivado, inserindo em seu seio a insegurança jurídica tantas vezes combatida, repelida e poucas vezes totalmente eliminada, uma vez que, valendo-se do conceito do utilitarismo, deverá o magistrado – em todas as vezes que atuar em um determinado processo – atentar, além da boa ordem processual, se o resultado estabelecido pelos limites de seu julgado atendem não apenas o interesse privado contido na lide, mas de forma absoluta e nunca relativa o interesse geral que, além de ultrapassar os limites da boa ordem processual, estabelece o ritmo com o qual processo, partes e julgador se enquadram dentro do intrincado quebra-cabeças que é o sistema social pelo qual indivíduos se relacionam, convivem e buscam, diuturnamente, uma harmonia mais que necessária, mais que fundamental, mais que crucial para a sua própria existência: uma harmonia sem a qual nenhum sistema jurídico, nenhuma lei, nenhum texto constitucional suportaria sua manutenção por seus próprios meios, até mesmo porque são eles apenas meios pelos quais o homem atinge o seu próprio fim, a existência fundada na paz social.

Fiquemos com o seguinte pensamento:

"O juiz é o intermediário entre a norma e a vida: é o instrumento vivo que transforma a regulamentação típica imposta pelo legislador na regulamentação individual das relações dos particulares; que traduz o comando abstrato da lei no comando concreto entre as partes, formulado na sentença. O juiz é a viva vox juris". (FRANCESCO FERRARA).

V – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

(01). Cfe. HELY LOPES MEIRELES, Direito Administrativo Brasileiro, 1989, p. 126, apud LUIS HENRIQUE MARTINS DOS SANTOS, Manual de Direito Administrativo, p. 124.

(02). http://pt.shvoong.com/law-and-politics/1656030-atos-administrativos-seus-requisitos/.

(03). http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6722.