1931-(I) TROVAS DOS PATRONOS (Cadeira 38 )DA ACADEMIA MINEIRA DE TROVAS–(Parte 20-I)-Entrevistada: Sílvia Araújo Motta

1931-(I) TROVAS DOS PATRONOS (Cadeira 38 )DA ACADEMIA MINEIRA DE TROVAS–(Parte 20-I)-Entrevistada: Sílvia Araújo Motta

CADEIRA*38-PATRONO NA

ACADEMIA MINEIRA DE TROVAS/BH/MG/BRASIL:

38-LILINHA FERNANDES

Do pomar da poesia,

os frutos que você trouxe,

coube à trova a primazia

por ser menor e mais doce.

Desejei fogo atear

ao mundo por onde trilho,

vendo uma cega indagar

como era o rosto do filho.

Tua ironia maldosa,

do amor não me, apaga o lume:

Procura esmagar a rosa,

vê se não fica o perfume.

Feliz nunca fui! Sem crença,

procuro a felicidade,

Como o cego de nascença

que quer ver a claridade.

"Que levas tu na mochila?"

Diz ao corcunda um peralta.

E o corcunda: - "A alma tranqüila

e a educação que te falta."

Quando tu passas na estrada,

dentro de casa adivinho:

é teu passo uma toada

musicando teu caminho.

São meus ouvidos dois ninhos

onde guardo, ao meu sabor,

um bando de passarinhos!

- Tuas mentiras de amor.

Na velha igreja te ouço

sino alegre ... Estás dizendo

que há muito coração moço

em peito velho batendo.

Eu não bebia... te juro!

Beijei-te, então, podes crer:

foi teu beijo, vinho impuro,

que me ensinou a beber.

Se ouvisse o homem da terra,

de Deus o conselho amigo,

em vez de campos de guerra

faria campos de trigo.

Velho em trajes de rapaz

dá a impressão, diz o povo,

de um livro antigo demais

encadernado de novo.

Que o mundo acabe, no fundo,

não me causa dissabor,

pois vivo fora do mundo,

no meu mundo de amor.

Amanhece... Vibra a terra!

O sol que em ouro reluz,

sai da garganta da serra

como uma trova de luz.

Vejo teu rosto, formosa,

e o corpo - graça profana -

como se visse lima rosa

num jarro de porcelana.

Chorei na infância insofrida

para na roda ir cantar.

Hoje, na roda da vida,

eu canto pra não chorar.

No trabalho em que me escudo,

lutando para viver,

tenho tempo para tudo,

menos para te esquecer.

O mar que geme e palpita

no seu tormento profundo,

é uma lágrima infinita

que Deus chorou sobre o mundo.

Minha netinha embalando,

da alegria sigo os passos.

Julgo-me o Inverno cantando

com a Primavera nos braços.

A modéstia não se ostenta,

se esconde e é pressentida:

a presunção se apresenta

e passa despercebida.

Dei-te amor sem falsidade.

- Uma floresta de amor!

E tu, só por crueldade,

te fizeste lenhador.

Sofres no céu, Mãe querida,

sentindo, ao ver minha sorte,

que me pudeste dar vida

e não me podes dar morte!

Minhas netas, sempre rindo,

são meu alegre evangelho.

Musgo verde revestindo

de esperança, um muro velho.

A Inveja dorme na rede

da Injustiça, sua amiga;

do Mal se alimenta, e a sede

mata na fonte da Intriga.

Sempre a tristeza se espanta

e se amenizam cansaços,

tendo trovas na garganta

e uma viola nos braços.

Quem não tem ouro disperso,

nem prata velha na mão,

paga com o níquel do verso

as contas do coração.

Partiste ... Ficou-me n'alma

tua voz suave e pura...

- Ave a cantar sobre a calma

da mais triste sepultura.

A aurora corou de pejo

naquele claro arrebol,

sentindo na face o beijo

da boca rubra do Sol.

Num vôo de pomba mansa,

quisera ir ao céu saber

qual o crime da criança

que é condenada a nascer.

Ao amor fiel, que não minta,

a palavra injuriosa

é como um borrão de tinta

manchando tela famosa.

É assim a boca do mundo

que vigia nossas portas:

esconde nossos triunfos,

propala nossas derrotas.

Se te vais, que dor imensa!

Mas se vens, meu grande amor,

ante a tua indiferença

cresce mais a minha dor.

Que eu tive felicidade,

minha saudade vos diz,

pois só pode ter saudade

quem já foi multo feliz!

O tempo passa voando ...

Mentira, posso jurar.

Se estou meu bem esperando,

como ele custa a passar!

Amei e não fui amada...

Minha alma encheu-se de dor.

E fui tão desventurada

que não morri desse amor.

Como é um facho de luz,

fosse de madeira a trova,

eu mesma faria a cruz

que irá marcar minha cova.

A um cego alguém perguntou

vendo-o só: - Que é de teu guia?

E ele sorrindo mostrou

a cruz que ao peito trazia.

Abelha que o favo, prova

é o trovador - velho ou novo

fabricando o mel da trova

que adoça a boca do povo.

Pra que acender a candeia

da minha choça? Pra quê?

Basta a luz que me incendeia

que há nos olhos de você.

A cordilheira hoje à tarde,

de um verde claro e bonito,

era um colar de esmeraldas

no pescoço do infinito.

Sua cruz que eu sei pesada,

minha mãe leva sozinha.

Mesmo assim, velha e cansada,

me ajuda a levar a minha.

Minhas trovas sem beleza,

se as dizes, são divinais!

Só por isso, com certeza,

elas serão imortais.

Que bom quando todos deixam

na casa o silencio agir,

e os dedos do sono fecham

meus olhos, para eu dormir.

Por te amar de alma inditosa,

não quero paga nenhuma:

o vento desfolha a rosa,

mesmo assim ela o perfuma.

Morreu o abade. O terror

do pecado, o clero invade:

era uma trova de amor

o escapulário do abade.

Minha casa pobre, é rica!

Mesmo no escuro tem brilhos;

porque o amor a santifica,

porque a iluminam meus filhos.

Num beijo fez imortal

o nosso amor sem ressábios:

um romance original

escrito por quatro lábios.

A trova é a alma da gente

desventurada ou feliz.

Em quatro versos somente,

quanta coisa a gente diz!

Vida e morte vão andando

no mesmo campo a lutar.

A primeira semeando,

para a segunda ceifar.

Pra que eu te esqueça, não tenhas

confiança em teu desdém:

quanto mais de mim desdenhas,

quanto mais te quero bem.

De idéias velhas ou novas,

eu faço trovas também.

Quem gosta de fazer trovas,

nunca faz mal a ninguém.

Não me odeias nem me queres...

Meu Deus! Que tortura imensa!

Mais do que o ódio, as mulheres

detestam a indiferença.

Da morta felicidade

guarda a saudade dorida,

pois quem tem uma saudade

tem muita coisa na vida.

Não peço um prazer sequer

à vida que à dor se iguala.

Já faz muito se me der

coragem pra suportá-la.

Eu canto quando a saudade

me fere com seu desdém.

O canto é a modalidade

mais bela que o pranto tem.

A definição exata

do remorso, está patente:

fino punhal que não mata

mas tira a vida da gente.

Para rimar com teu nome,

que é do céu a obra-prima,

mãe, não existe um vocábulo!

Nem mesmo Deus achou rima.

Saudade é assim como fado

lembrando quem vive ausente:

é um suspiro do passado

Na garganta do presente.

Meu amor foi acabando ...

Mas a saudade chegou:

chuva boa refrescando

o chão que o sol causticou.

És de beleza um portento,

no perfil, nas formas puras.

Mas beleza sem talento

é um palácio às escuras.

No meu viver triste e escuro,

na minha sede de amar,

és aquele que eu procuro

e não me quer encontrar.

Meus filhos! ... Minha alegria!

Dentro da minha pobreza,

nunca pensei ter um dia

tão opulenta riqueza!

Pensei fazer um feitiço

para esquecer-te, mas vi

que de tanto pensar nisso

é que penso mais em ti.

Nunca maldigas teu fado.

Confia em Deus, firmemente.

O arvoredo mais copado

já foi humilde semente.

Mãe: nem um tálamo nobre

esquecerei, sem mentir,

aquele bercinho pobre

que embalavas pra eu dormir,

Todo amante, em sua lida,

o espinho chama de flor,

porque a verdade da vida

é a mentira do amor.

Mãe: por mais que um filho aprenda,

sempre esquece que sois vós

a única fonte de renda

que paga imposto por nós.

Quem é do dever escravo

e não faz coisas a esmo,

pode dizer que é um bravo

e o próprio rei de si mesmo.

Embora em própria defesa,

é réu quem vidas destrói.

Mas na guerra, que tristeza!

quem mata se chama herói.

Na tua fronte bendita

dei um beijo, mãe querida!

Foi a trova mais bonita

que já fiz em minha vida.

Do nosso amor acabado

não pode esquecer a gente,

porque a saudade é o passado

que nunca sai do presente.

em vive em casa ou nas ruas,

chagas alheias curando,

nem se apercebe que as suas

foram sozinhas fechando.

Felicidade... Sonhá-la

é um mal de fundas raízes.

O desejo de encontrá-la

é que nos faz infelizes.

Manhã. O Sol é um botão

de fina prata dourada,

abotoando o roupão

todo azul da madrugada.

Esperança, és bandoleira,

mas és também sol doirado,

de luz a única esteira

na cela de um condenado.

Há muita gente cativa

neste mundo, como eu,

que vive porque está viva,

no entanto, nunca viveu.

Quem - seja nobre ou plebeu -

no Bem sua vida encerra,

sem estar dentro do céu,

está acima da terra.

De vergonha não se peja

quem em sua última viagem,

o ódio, o Remorso e a Inveja

não leva em sua bagagem.

Cantas! Minha alma te aprova

e eu choro - que coisa louca!

querendo ser uma trova

para andar em tua boca.

Lua e Saudade - rendeiras

da dor que com a ausência vem,

se vós não sois brasileiras,

pátria não tendes também.

Pra quem é mãe não existe

bem de mais funda raiz,

que o de viver sempre triste,

mas ver seu filho feliz.

"A traição é a própria vida."

É a violeta que assim fala,

porque se esconde e é traída

pelo perfume que exala.

Chamas-me louca e eu não chamo

infamante a tua boca.

Quem ama como eu te amo

é muito mais do que louca.

Para ingratos trabalhando,

de santo prazer me inundo,

pois, perdendo vou ganhando

a maior glória do mundo.

O vento que atro zunia,

queria a noite açoitar;

e a noite, calma, dormia

no regaço do luar.

O amor que brinca com a sorte,

que é sempre chama incendida,

é o que vai além da morte!

- Não há dois em toda a vida!

Procurar-te, eu? que loucura!

Olha, eu te vou confessar:

de mim mesma ando à procura

e não consigo me achar.

De Cornélia, as jóias caras,

vêm ao pensamento meu

quando vejo outras mais raras;

as netas que Deus me deu.

Esses teus olhos rasgados,

muito azuis, muito leais,

são miosótis deitados

em vasos originais.

Podem subir os felizes!

Agarro-me ao solo, em festa.

- Se não fossem as raízes,

que seria da floresta?

Do orgulho, conforme vês,

tenho opinião formada:

é a senhora estupidez

com presunção de educada.

Pela saudade ferida,

minha musa se renova!

E eu abro o livro da vida

e escrevo nele uma trova.

Se o bem não podes fazer,

o mal não faças também,

que o bem já faz sem saber,

quem não faz mal a ninguém.

É a trova, em seu natural,

mordaz, alegre ou dolente,

lindo trecho musical

de quatro notas somente.

Do violão o segredo

de imitar os passarinhos,

é já ter sido arvoredo

e abrigo de muitos ninhos.

Dizem que o amor é feitiço,

é mágoa, alegria e dor.

- Mas se amor não fosse isso,

que graça teria o amor?

Sem ti, que treva cerrada

pelos caminhos que trilho!

Sou como a Lua apagada

que, sem o Sol, não tem brilho.

Morre o poeta. Em oração

se escutam vozes bizarras.

- É a missa que as cigarras

celebram por seu irmão.

Se a trova faz suicidas,

não sou eu quem a reprova.

- Vale uma trova mil vidas!

Não vale a vida uma trova!

Noel exclamou pesaroso

vendo a cidade: - Jesus!

Quanto cartaz luminoso

e quanto teto sem luz!

Quisera, de idéia nova

de teu amor presa aos laços,

fazendo a última trova,

morrer feliz em teus braços.

101-

Quando deixaste a cidade,

vi, -na fumaça do trem,

triste lenço da saudade,

a dizer-me adeus, também.

--***---

Silvia Araujo Motta
Enviado por Silvia Araujo Motta em 10/09/2008
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