CANTIGAS DE CAMPONESA ( I )

1

Camponesa de carteira,

meu galope é desbravar,

para mim não tem fronteira

que eu não possa atravessar!

2

Eu me lembro, com saudade,

da madrugada de outrora,

mamãe, na extrema bondade:

-“ Filha acorda, está na hora.”

3

Com pincel remanescente

que a saudade me legou,

pinto a vida sem presente

que o passado me roubou.

4

Na paineira do sertão,

muito longe da cidade,

sabiá, na solidão,

canta o choro da saudade.

5

O mal nunca vence a vida,

mesmo que ele a desarrume,

mesmo a rosa fenecida,

Deus recolhe o seu perfume.

6

Revivendo antiga cena,

nas tardes cheias de sonhos,

bebo a saudade serena

dos meus dias mais risonhos.

7

Se eu pudesse rasgaria

a cortina da saudade,

que me impede, noite e dia,

de viver a minha idade.

8

Um grande amor escondido

em cada estrofe não lida,

em cada verso um pedido:

- Não me tranque eu sou a VIDA!

9

Alargue seu horizonte,

empregue sua alegria,

atravesse a sua ponte

e renasça em poesia!

10

No silêncio do meu grito

ouço a voz da solidão...

Nos meus versos deixo escrito

como está meu coração.

11

Tive o trem como uma escolta

da esperança preso ao trilho;

bem mais tarde ele me volta,

no brinquedo do meu filho.

12

Ponha luz no seu caminho,

pinte a estrada de alegria,

deixe um rastro de carinho,

faça um mundo de poesia!

13

No caminho dessa vida,

vivo a tropeçar, confesso,

porém, é na dor sofrida

que permeia o meu sucesso.

14

Como o pingo da goteira

a despencar fora de hora,

eu carrego, a vida inteira ,

os sonhos que o peito chora.

15

Essa luz que me alumia

arranquei foi na coragem,

ao resolver, certo dia,

assumir minha bagagem!

16

Quisera ser a roseira,

com espinho e lapidada,

que em sua essência altaneira

sempre volta renovada!

17

Folhas migradas de outono,

tais quais meus sonhos trincados,

num chão dormente, sem sono,

vagam, buscando outros prados...

18

No meu rosto que envelhece

vejo um sorriso brilhando;

toda mudança é uma prece

que em jovem se faz chorando.

19

Se pergunto o que é saudade

quem dela sabe responde:

uma dor com caridade,

ora vem ora se esconde.

20

Fui dando tudo que tinha

e, como o surrar de um sino,

a dor foi somente minha,

nunca culpei o destino.

21

Com farrapos de esperança,

de cortar o coração,

o idoso, feito criança,

mendiga nossa atenção.

22

Eu abri muitos espaços,

apontei mil diretrizes,

na armadilha desses laços

sufoquei minhas raízes.

23

O meu rancho de capim,

onde vivi com meus pais,

trago, bem dentro de mim,

aqui, nas Minas Gerais.

24

À noite a cortina cai,

o mundo fica lá fora,

toda armadura se vai

e o nosso “eu”, no peito chora...

25

Nas minhas noites vazias

faço poemas de amor,

eu arranco, em nostalgias,

rimas e versos de dor.

26

Tendo vez e tendo voz

podemos tudo vencer,

mas o que será de nós

se não tivermos saber?

27

“Café com pão”, eu ouvia.

Mamãe, no fogão, gritava:

- “Ó meu Deus, Virgem Maria!

Venham ver!”- E o trem passava...

28

Recordo o meu pai, calado,

carpindo a roça de milhos

e mamãe, sempre do lado,

cuidando dos sete filhos.

29

No gemer da serenata,

solitária, aqui na rua,

vejo a lua cor de prata

chorando saudade sua.

30

Sou camponesa valente,

na raça traço meu trilho,

mato a presa com meu dente

e o chicote é meu gatilho.

31

Na escuridão dos meus dias

misturam dias e noites,

noites e manhãs tão frias,

doloridas como açoites.

32

Me disperso em devaneios,

vou andando por andar,

sem começo, fim ou meios...

sem rastros, não sei voltar.

33

Tudo é muito passageiro,

tudo passa feito o vento,

o que não passa ligeiro

é este meu sentimento.

34

Um lenço acena no cais,

um grito geme no peito,

é adeus para nunca mais,

é saudade, não tem jeito!

35

Baixa a noite sem piedade,

pintando a vida de escuro;

Chora a mãe na velha idade,

geme a fome de um futuro.

36

Sem a luz ele penetra,

se enrosca feito novelo,

tem nossa chave secreta:

o seu nome? – Pesadelo!#

37

Não tem hora, não tem dia,

nem minuto, mês ou ano

que não chegue a nostalgia

querendo mudar meu plano...

38

Depois que os sonhos se vão

vem um tempo de tristeza;

sempre, após uma paixão,

vem o luto, com certeza.

39

Ao constatar um vazio

que descia peito afora,

chorei lágrimas de um rio

ao ver um filho ir embora.

40

Foi de cacos recolhidos

que refiz a minha história,

foi com golpes atrevidos

que te arranquei da memória.

41

Serenata tão singela

para mim, ao fim do dia,

fez um sabiá, na janela,

celebrando a nostalgia.

42

A montanha sempre erguida

mostra, em sua forma bruta,

que o segredo desta vida

é não se cansar da luta!

43

Às vezes meu Deus se esquece

e veste a vida de frio,

logo depois se enternece

esquentando o meu vazio.

44

Meu coração velho e otário,

carregando sonhos tantos,

mesmo sendo solitário

traz o riso em vez de prantos.

45

Às vezes fico pensando

nos sonhos que foram meus,

mas acabo acreditando

que o sonhador era Deus.

46

Trabalhei o meu querer,

plantei sonhos com cautela,

acordei no amanhecer,

colhendo-os pela janela.

47

Quando a tristeza me invade,

o passado abre a janela,

solta as peias da saudade

e me faz entrar por ela.

48

Às vezes cambaleante,

outras vezes dei guinada,

de mim mesma fui amante,

por mim mesma fui amada.

49

Plantei um bobo sorriso,

inventei o meu jardim,

rabisquei o paraíso,

fiz meu Deus perto de mim.

50

O vento bate mais forte

em telhado de algodão;

Nunca brinque com a sorte,

mantenha seus pés no chão.

51

Vejo o sertão, em delírio,

velha casa em cantaria...

Doce infância, (que martírio!)

se pudesse eu voltaria.

52

Desenhei o meu futuro,

Jogo força em cada passo,

sou a luz do meu escuro,

é na raça que eu me faço.

53

O entardecer lá na roça,

de tão bonito que ele era,

pintava nossa palhoça

nas cores da primavera.

54

Da minha terra encantada

eu guardo a estação mais bela,

o canto da passarada

e os meus sonhos de janela!

55

Sobre o mundo da agonia

eu me calo e escrevo em verso,

porque sei que a poesia

bota mais cor no Universo.

56

A mim mesma eu inventei

jogando flores na estrada,

meus espinhos eu quebrei

dentro da carne sangrada.

57

Quem quiser ser meu amigo

calce o meu velho sapato ,

respeite meu jeito antigo

e seja amigo, de fato.

58

Bebo o fruto do meu sonho,

navego em prosperidade,

nesse curso a sorte eu ponho

que plantei na mocidade.

59

Com um braço faço o remo

e com o outro eu traço a meta,

com meu Deus eu nada temo,

com a fé me faço atleta.

60

No horizonte da esperança

o Céu beija nosso chão;

nesta vida sempre alcança

quem tem determinação.

61

Prenda o mal com sua dor,

faça do fraco o seu forte,

transforme um espinho em flor,

plante a vida onde haja morte.

62

O chão me foge dos pés,

a água pula de um bueiro,

salta um beijo do convés...

Que saudade, ó Canoeiro!

63

Abrindo trilhos de prata,

o Vapor joga sinais

muito longe, além da mata,

vai o amor, não volta mais...

64

Ao longe avista-se o riacho

onde em criança brinquei...

A juriti geme baixo,

sentindo que suspirei.

65

Ladrilhando o meu futuro,

com as pedras da humildade,

pude ver no meu escuro

um mundo de claridade!

66

Com mãos macias, a brisa

vem trazer-me um novo encanto;

com seu carinho ela alisa

meu rosto e seca o meu pranto.

67

No grande circo da vida

me considero palhaça

que, para a vida sofrida,

dá seu sorriso de graça.

68

Marquei encontro comigo,

dentro de minhas raízes,

para matar o inimigo

que furta os dias felizes.

69

Não devemos fazer troça

do menor abandonado,

que amanhã pode ser nossa

aquela vaga ao seu lado.

70

Mudanças eu fiz milhões!...

Tantas vezes eu mudei

para quebrar meus grilhões

e buscar o que sonhei.

71

As flores do seu jardim,

os versos de sua história,

trouxeram, também a mim,

uma canção à memória.

72

Na manhã cinzenta e fria,

um lenço acena no cais...

Vejo alguém de mão vazia

colhendo, ao vento, os meus ais.

73

Por ironia da vida,

aprendi tarde demais:

quando encontrei a saída,

eu não precisava mais.

74

Sem ver campo, sem ver serra,

no asfalto bruto me esbarro;

sem sentir cheiro de terra,

sofro sem meu chão de barro.

75

Sempre em seu andar astuto,

vem o tempo, sorrateiro,

cobrar da gente um tributo

com seu saber verdadeiro.

76

Desde o despontar do dia,

entre rocha, musgo e lua,

vou te fazendo poesia,

morta de saudade tua.

77

Bem cedo, ao raiar da aurora,

um passarinho cantou

e dentro de mim, nessa hora,

uma criança acordou.

78

Quem vive a vida com amor,

dos sonhos jamais se cansa,

que o mundo só perde a cor

quando se perde a esperança.

79

A vida é uma escola de arte

onde o tempo é o professor

e cada etapa é uma parte

para o artista encher de cor!

80

Se te julgo, ó meu amigo,

eu pratico o preconceito:

busco o que tenho comigo

para medir teu defeito.

81

Com o andar cambaleante

fiz a trilha verdadeira;

não sei dar passo gigante,

porém sei chegar inteira.

82

Para você trago flores,

amarelas cor do trigo;

posso perder mil amores,

mas jamais um grande amigo.

83

Deito o meu olhar na terra,

busco em sonhos a menina

que voava pela serra,

parecendo bailarina.

84

Um velho chapéu de palha,

uma bota já rasgada,

isso é toda minha tralha

que preciso nesta estrada.

85

Poesia é resistência,

vai contra a banalidade,

é núcleo de nossa essência

quando somos a verdade.

86

O chão me foge dos pés,

um lenço acena no cais,

salta um beijo do convés:

- vem da boca de meus pais!

87

Saudade, barco vazio,

abrigo sem proteção:

esquenta fazendo frio,

é presença sem visão!

88

Tem que existir o conflito

para discernir a paz;

não há silêncio sem grito

nem ordem sem capataz.

89

A gente sempre se engana,

muitas vezes eu falhei,

esquecia que era humana

e em meu limite esbarrei.

90

Meu filho tome cuidado,

dome as tuas atitudes;

a disciplina é cajado,

assegurando as virtudes.

91

Saudade não tem tamanho,

não tem peso e nem medida,

porém, o que eu acho estranho

é também não ter saída.

92

Vai dizer que não sabia?

por um lado sou razão,

sou pura filosofia,

eu sou investigação.

93

Sou de fases como a lua;

sou escuro e sei brilhar,

sei vestir-me e ficar nua,

sei sorrir e sei chorar.

94

Gosto de filosofar,

comer carne, roer osso,

descobrir e transformar,

mergulhar fundo no poço.

95

Me conformo, sou normal,

mas normal dos anormais,

pegar pronto me faz mal,

sou do tipo: quero mais.

96

Tenho meu lado emoção,

passo a vida versejando;

sou magia, sedução...

meu viver é estar amando.

97

Passo meu tempo alinhando,

uso agulha da bondade,

ponto a ponto costurando

o vestido da verdade.

98

Vou lhe contar um segredo:

- Às vezes meu riso aflora

para esconder o meu medo

que dentro do peito chora.

99

Não basta ser aprendiz,

é preciso inovações,

não basta criar raiz,

tem que colher emoções.

100

A noite rasga a cortina

que cobre a manhã dourada,

descobre nova menina,

pela vida enamorada.

Dáguima Verônica de Oliveira
Enviado por Dáguima Verônica de Oliveira em 11/09/2010
Reeditado em 15/10/2011
Código do texto: T2491553