AINVEJA NOSSA DE CADA DIA
Mal que mancha e nos altera
muda e estraga o nosso humor,
nasce, esconde e nos espera
embutido em nossa dor.
Morador intermitente
do volúvel coração,
que se vendo descontente
não segura a emoção.
Todo mundo que eu conheço
diz que a inveja lhe atrapalha,
não importa o endereço
nem o sítio onde trabalha.
Perfeição ninguém assume
na evidência dos defeitos:
Ódio, raiva mais ciúme
perto dela são perfeitos.
Velha praga ninguém quer
sob o sol, escancarada,
faz de nós o seu affair
nos devora e nos degrada.
Eu confesso aos quatro ventos
que esse mal é de assustar...
Vive em nós e os seus intentos
ninguém sabe onde vai dar...
Poderosa e coisa e tal
nos convence a cobiçar
as vitórias que o “rival”
buscou tanto conquistar.
Vez ou outra ela se esconde
parecendo derrotada,
mas do nada, sei lá donde,
ela dobra em si somada.
Uma fera que se inventa
onde houver alguma caça,
o inimigo ela atormenta
e o amigo ela desgraça.
Como flecha, é disparada,
saturada de venenos,
busca o alvo que lhe agrada
e do mais faz muito menos.
Ela é minha, sua e nossa,
um pecado original,
é um buraco, uma fossa...
É o pai e a mãe do mal.
Perigosa e sorrateira
ela ataca disfarçada,
se mostrando companheira
ouve a queixa interessada...
Outro dia alguém me disse:
“A inveja eu desconheço”,
escutei como se visse
a mentira e o seu avesso.
Claro está que não dei bola
porque sei como é sofrido
aceitar em nós, de sola,
esse mal, esse bandido.
Ciumento ou permissivo
avarento, mentiroso;
arrogante e negativo
tudo... Menos invejoso.
Pois dos males é o pior,
joga sujo e traiçoeiro,
seu caminho sei de cor
reconheço pelo cheiro.
Ao lutar contra esse mal
tem um passo que é o primeiro:
Vê-lo em nós como normal
e segui-lo em seu roteiro.
Quando pronto o seu garrote
ponha espelho em seu olhar,
mostre a ele que o seu bote
vai bater e vai voltar...
Meia volta, volta e meia,
volta forte a desfazer
o caminho que norteia
o sentido do viver.
Não se pode renegá-lo
nem cair em sua mão,
quando muito, amansá-lo,
como faz um bom peão.
E quem tem religião
reze e peça pro seu santo
ensinar-lhe uma oração
que o proteja em seu recanto.
Para o ateu, digo resista,
e o convença a se hibernar,
mas, com ele sempre à vista,
para o caso de acordar.
As vitórias devem ser
pouco a pouco reveladas
caso queira jamais ver
suas glórias derrotadas.
A inveja não se deve
encará-la frente a frente,
pelas bordas, bem de leve,
e uma pose de demente...
...Não há louco invejado
nem por mim, nem por ninguém,
a não ser que bafejado
pelo amor, fama ou vintém.
Como artista, ponho em tela,
cores fortes que eu espremo,
mostro a inveja em aquarela
invejando o ser supremo.
Gostaria de pensar
que os humanos são bacanas,
mas se o amor não se espalhar
venha a nós mais umas “canas”.
Não se leve tão a sério
nem se faça de rogado,
grite logo um impropério
rejeitando esse rimado...
Sabedor que o mal é “meu”
poderei desvencilhar,
o fantoche que sou eu,
desses fios a puxar.