Ele, Ela, Eles, Nós.

Ele, Ela, Eles, Nós...

CONFINAMENTO

Chegaste a meu coração,

Furtivo, premeditado, consciente,

Vieste te confinar,

Jovem, em minhas manhãs,

Belo, em meu quarto de solteira,

Livre, em meu querer desigual...

Se abres os olhos de sono profundo,

Me encontras delicada,

Servindo pedaços de realidade,

Num banquete só para dois...

Se te dou cinco estrelas,

Meu apreço, meus confins,

Pedes alguém a mais para teu bel-prazer...

Me envenena o ciúme,

Me amarga o fel,

Discordamos, ordeno: vai embora!

Peço, suplico: vai agora!

Pago tua passagem,

Carrego tua mala,

Espero o trem partir,

Dou adeus da plataforma...

Mas hás de ouvir meu lamento,

Ao aviso do chefe da estação:

Vai partir!... e estarás saindo

Para sempre de minha vida... (pág. 39)

COISAS DO AMOR

1

Tudo começou com a fagulha

Do atrito de pêlos e peles,

Que se alastrou ao capim seco de meu ser,

Incandescendo-o, enchendo-o de calor...

Não lutei contra esse incêndio,

Nada faço para aplacá-lo,

Só espero a estação das chuvas...

2

Quando dizes que vens,

Me afobo, me aflijo,

Me penteio, me perfumo,

Olho no espelho,

E me sinto menos fera,

Pobre do meu coração!

E depois de íntimos, quando partes,

Não vês quão bela fiquei,

Florescendo sensações em longos suspiros...

3

Quando brigo co você,

É a mim que ofendo,

Quando danço sem você,

A música atravesso,

Quando gozo sem você,

Desperdiço energia,

Quando fico sozinho,

Sinto que só você vale a pena:

Acho que isso é amor... (pág. 38)

Ó ESTRANHO!

Com ares de mouro,

Conquistador, afiado sabre,

Nas sombras passaste por mim;

Olhaste, reolhaste meu talhe,

Cativaste e me fizeste encantada,

Me despiste, me beijaste,

Entre frases enternecedoras,

Levaste-me à nova paixão...

Ah, que mistério é conhecer!

Ah, que sortilégio é entregar-se!

Ó estranho! Urge relação esmerilar,

Lacônica voz, grave, soante,

A prometer belos dias...

O que me fez te querer?

O que me faz te esperar?

Só o tempo dirá... (pág 62)

POEMA DA TRAIÇÃO

Ontem, tentando trair você, saí...

O ciúme é o veneno ou o perfume do amor?

Cruzei com bêbados, miseráveis, vigaristas,

Gente encantada pelas luzes da noite;

Alguém procurou levar-me para algum lugar,

Tinha cheiro diferente do seu,

Recusei, sem palavras, o convite...

Num bar olhos se voltaram para mim,

Garções rodopiando não deixavam copos vazios,

Música ruidosa fazia corpos dançarem:

Fuga de tristes entre sorrisos e abraços!

Hoje, sem trair você, voltei,

Encontrei nossas coisas no lugar:

Discos, quadros, roupas, livros,

Novas flores nas floreiras,

Quiçá você...

Sozinho, concluí que o pensamento

Está cheio de enganos... (pág 67)

Do livro No Lado Obscuro da Lua -1998-

Pablo Ribeiro