clóvis rossi

 
 
17/02/2013 - 07h51

A igreja, o papa e a democracia

DE ROMA
Suzana Singer, a competentíssima jornalista e ombudsman desta Folha, cobraram, na quinta-feira, em sua crítica interna: "Falta tentar mensurar o tamanho do poder do papa. Qual a sua real influência fora do mundo clerical?".
Coincidência, Suzana, mas eu vinha pensando nisso desde a segunda-feira em que a Folha me cortou as férias para cobrir a renúncia de Bento 16. Só sinto que minha soberba ainda não tenha chegado ao ponto de achar que posso responder.
Uma única resposta me parece óbvia: só uma instituição muitíssimo poderosa poderia resistir impávida a dois milênios de história, crises, confusões, guerras, paz e tudo o mais, segurando, hoje, 1,2 bilhão de fiéis. A mensagem, a Palavra, é, pois, tremendamente poderosa, ainda mais se se considerar que Cristo é também o eixo de sustentação de milhões mais que preferem outras denominações, e não a católica.
Mesmo as novas igrejas evangélicas, que estão roubando público do velho catolicismo, o fazem vendendo a sua interpretação da palavra de Deus -e o verbo vender vai mesmo sem aspas, que você me entende. Outra coisa, no entanto, é dimensionar "o tamanho do poder do papa". Eu não sei. Talvez nem seja mensurável.
Minha sensação, no entanto, é a de que os papas vêm perdendo apelo contínua e crescentemente. OK, sensações são traiçoeiras, mas já escrevi bastante tempo atrás, em outro espaço desta Folha, que viagens de João Paulo 2º ao Brasil, por exemplo, podem ser um enorme sucesso de público, atos de "pop star", mas seus efeitos desaparecem assim que o papa sobe as escadas do avião para ir-se embora.
Se ele convertesse os não crentes, o número de fiéis subiria no Brasil, em vez de cair, antes e depois das várias visitas do anterior e do atual papa. Por quê? É tema para sociólogos e antropólogos, não para meros repórteres.
A minha sensação -e, repito, sensações são traiçoeiras- é a de que algo tem a ver com democracia, com a arquicitada frase "Roma locuta est, causa finita est", ou seja, com o espírito predominante na hierarquia católica segundo o qual, se Roma falou, não cabe mais discutir questões doutrinárias.
O avanço da ideia das liberdades públicas tornou obsoleto esse "diktat" imperial, erroneamente atribuído a santo Agostinho. O próprio Bento 16 produziu uma frase, na audiência com os párocos de Roma, na quinta-feira, que renega essa verticalidade tão absoluta: "Nós, cristãos, somos todos o corpo vivo de Cristo".
Corpos vivos querem participar, querem ter voz em tudo o que diz respeito às suas vidas e às de suas comunidades. De alguma forma, o Concílio Vaticano 2º, que está completando 50 anos, abriu a igreja para esse caminho, mas ele foi fechado nas décadas seguintes, especialmente com João Paulo 2º e Bento 16.
Resta saber se o Colégio de Cardeais preferirá a inércia de acreditar que o que durou dois milênios durará para sempre do jeito que está ou reabrirá o caminho para que os fiéis deixem de ser súditos e se sintam de fato parte do "corpo vivo de Cristo".
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Então . . .  a noção de que a Igreja Católica está encolhendo não é totalmente correta. Segundo a BBC o declínio verificado na Europa e Américas tem sido compensado pelo crescimento na África e Ásia. 
Por isso, a possibilidade de que o novo Papa seja negro não pode ser descartada.
Quando se fala da inércia temos que levar em conta que a Renovação Carismática Católica no Brasil, que imita os evangelistas norte-americanos, surgiu, nos últimos anos, figuras carismáticas católicas de grande prestígio midiático. Os mais conhecidos são os padres cantores, os fundadores de organizações e os pregadores de TV ou rádio.
Mas existem, e vão constituindo uma verdadeira rede, pregadores leigos, bandas musicais e organizadores de shows que se tornaram bastante conhecidos tanto entre os carismáticos quanto em outros segmentos católicos e não católicos. São evangelizadores que atravessam as fronteiras das paróquias e dioceses, duas balizas tradicionais do mandato de pregar e da jurisdição dentro da Igreja Católica.
O católico médio, hoje em dia, dificilmente saberá o nome do Presidente da CNBB, mas todos sabem quem é o Pe. Marcelo.

elaenesuzete
Enviado por elaenesuzete em 21/02/2013
Reeditado em 22/02/2013
Código do texto: T4151798
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