Estilística da Morbidez - "ou melhor: faça tudo ao contrário do que já lhe disseram sobre como escrever um romance"

Subtítulo: Velocidade, lacunas e plurisignificados de um conto

Arrisco-me a dizer que estou tentando imaginar, ou recriar, os conceitos de um conto.

Não, não sou nenhum especialista, nem sou atrevido o bastante para dizer que sou um gênio, mas é interessante me expressar sobre a técnica e o estilo que o conto de suspense tem exigido atualmente para ser, de uma forma ou de outra, “atraente”.

Para ser rápido e pouco entediante, vou resumir a três itens. Concentre-se!

"Não faça o que você não quer, e não precisa, com sua maravilhosa idéia."

Você já deve ter visto os Matrix. Em minha humilde opinião, eu creio que esta tenha sido a pior trilogia do cinema. Começou muito bem, tem uma ótima “virada” no meio e um ótimo conceito final, mas peca vertiginosamente nas conexões destes três trechos.

O primeiro filme foi um clássico, com a platéia pedindo bis. Isso não significa que ele tinha que ter a tal da continuação. Conseqüência: pegaram os três pontos (início, clímax e desfecho bons), colocaram um monte de salsicha de cadernos de política e economia de algum jornal no meio e jogaram na platéia. (Tenho certeza que não fui o único a implorar para sair do cinema durante o segundo e, ferozmente, do terceiro).

A maioria dos escritores “amadores” sonha em fazer um romance, não é? Aquela idéia brilhante, aquele clímax que ninguém imaginaria e por fim a conclusão arrepiante. Mas eu também tenho certeza que a empolgação termina logo que a décima página sai com dificuldade dos dedos cansados. Ninguém, ou a grande parte dos humildes seres humanos, não consegue desenvolver um romance sem ter uma enorme dificuldade. A famosa frase se faz jus: 20% criatividade, 80% esforço. Ou em proporções ainda piores.

Por isso mesmo, incentivo-nos, nós, os humildes, a escrever contos, pois eles não são limitados a número de páginas e não precisam de uma enorme história para se desenvolver. Basta ter começo, meio e fim. Daí vem a velocidade.

A velocidade do texto depende principalmente deste detalhe. É possível você escrever um ótimo texto, curto, que acabará por explorar perfeitamente a sua idéia; sem embromações, sem detalhes desnecessários – a não ser que você faça um conto policial, que você deve enche o leitor de falsas pistas.

Um conto depende muito da velocidade para ser atraente, já que na atualidade o termo “tempo livre” se reduz à academia e a dormir. Então, se a cultura quer entrar em algum momento, que seja rápida, imediata e impactante. Daí surge a necessidade do segundo ponto.

"Roubando do tempo livre"

Dentre os metidos a cult, e principalmente entre os realmente cultos, Machado de Assis foi o maior escritor brasileiro. Apesar de me encaixar na primeira classificação, acabei aprendendo uma única coisa do mestre: o leitor não deve parar de pensar no texto. Ou seja, deixe-o matutando sobre aquele misero “por que? O quê? E se…?”. As lacunas.

Desde que Machado não respondeu se Capitu realmente traiu Bentinho, fazendo com que todos seus leitores se perguntassem e ficassem pensando sobre essa bendita pulga, aprendemos que o texto não precisa terminar na última linha.

Faça a mocinha da esteira perder o ritmo e cair patética no chão se perguntando: por que ele matou a mulher? Por que eles terminaram? Por que a mulher se vingou? Nunca, jamais dê as respostas que eles mais anseiam.

Se você quer falar do fracasso da humanidade em se desenvolver sem se autodestruir, ou sobre a motivação de um assassinato, faça um texto sobre um acontecimento em si, específico. Demonstre que o personagem está fazendo aquilo por um motivo, mas não diga exatamente qual (se essa análise amadora está prestando, leia “Alguém tocando um violão e o gato preto” para avaliar o que estou tentando dizer).

Fale, disfarce, faça tudo acontecer, mas não dê o gostinho de saber as motivações, os nomes ou outros detalhes que se tornam obrigatórios para se desenvolver ou concluir o texto. E isso pode ser feito em qualquer momento.

Observação: eu gosto de esconder motivações, mas isso não significa que as lacunas se resumem a isso. Como Machado, você pode esconder a resposta que todos querem ler. O que vale é isso: prenda o leitor, deixe-o sem as respostas do conto.

É deste ponto que surge o terceiro e último ápice de um conto de suspense.

continua!