Caminhos para a paz interior. Basta de Sofrer

Caminhos para a paz interior.

Basta de Sofrer

NHÂT HANH, Thich Caminhos para a paz interior. Petropolis/RJ. Vozes. 1989

A VIDA é cheia de sofrimento, mas é também cheia de maravilhas, como o céu azul, a luz do sol, os olhos de urna criança. basta de Sofrer! Nos te¬mos, também, de estar em contato com as mara¬vilhas da vida. Elas estão dentro de nos, em torno de nos, em todos os lugares e a qualquer hora.

Se não estamos felizes, não ficamos em paz e não podemos partilhar paz e felicidade com os demais, mesmo com aqueles que amamos, com aque¬les que vivem sob o mesmo teto. Se estamos em paz e felizes, podemos sorrir e nos abrir como uma flor, e todos em nossa família, a sociedade inteira se beneficiarão de nossa paz. Será que é preciso um esforço especial para desfrutar a beleza do céu azul? Será que temos de praticar para poder usufruí-la? Não! nos apenas usufruímos. Cada segundo, cada minuto de sua vida pode ser assim. Onde quer que estejamos, seja a que hora for, nós temos a capacidade de desfrutar da luz do sol, da presença de alguém, ou mesmo da sensação de nossa respiração. Não precisamos ir a Chi¬na para desfrutar do azul do céu; não precisamos viajar ao futuro para aproveitar nossa respiração. Podemos estar em contato com essas coisas aqui e agora. Seria urna pena estarmos conscientes ape¬nas do sofrimento.

Vivemos sempre tão ocupados que mal olhamos para as pessoas que nos são caras, mesmo as de nossa família; mal olhamos para nos mesmos. A sociedade está organizada de um jeito que, mes¬mo tendo tempo de lazer, não sabemos aproveitá-lo para entrar em contato conosco mesmos. In¬ventamos milhares de formas de desperdiçar esse tempo precioso: ligamos a TV, discamos o telefo¬ne, pegamos o carro para ir a qualquer lugar...

Não estamos acostumados a ficar conosco mes¬mos e agimos como se não gostássemos de nos, tentando escapar de nos mesmos.

Meditar é estar consciente do que está se passando: no nosso corpo, nos nossos sentimentos, em nossa mente e no mundo. A cada dia 40 mil crianças morrem de fome. As superpotências têm agora mais de 50 mil armas nucleares, o suficiente para destruir o planeta varias vezes. Ainda assim o nascer do sol é belo e a rosa desabrochada esta manhã em nosso jardim é um milagre. A vida é, ao mesmo tempo, terrível e maravilhosa. Praticar meditação é estar em contato com ambos os aspectos. Por favor, não pensem que precisamos ser solenes para poder meditar. Na verdade, para meditar bem temos que sorrir bastante.

Recentemente eu estava fazendo meditação sentada com um grupo de crianças e um menino chamado Tim sorria lindamente. Disse lhe então: - Tim, você tem um sorriso muito bonito. - Obrigado - respondeu ele. - Você não tem que me agradecer, eu é que tenho que Ihe agradecer por¬que com seu sorriso você torna a vida mais bela. Em lugar de dizer obrigado, você devia dizer: Não há de que- disse eu.

E importante o sorriso de uma criança, o sorriso de um adulto. Se na nossa vida diária formos ca¬pazes de sorrir, de ficar em paz e felizes, não apenas nos, mas todos os demais serão beneficiados com isso. Este é o mais básico tipo de trabalho pela paz. Torno-me muito feliz quando vejo Tim sorrindo. Se ele tiver consciência de que está fazendo os outros felizes, pode responder: não há de quê.

Para nos lembrar que devemos relaxar pode¬mos, vez ou outra, arranjar nossas coisas reser¬vando um tempo para um retiro ou um dia para alertar a mente. Um dia em que possamos andar lentamente, sorrir, tomar chá com algum amigo e desfrutar dessa oportunidade de estarmos juntos, como as pessoas mais felizes desta terra. Isso é retirar-se, é tratar-se. Durante a meditação andan¬do, durante o trabalho na cozinha ou no jardim, durante a meditação sentada, durante o dia todo, podemos praticar o sorriso. A principio você pode achar difícil sorrir, e nesse caso deve considerar o porquê. Sorrir significa que estamos sendo nós mesmos, que estamos tendo soberania sobre nós, que não estamos mergulhados no esquecimento. Esse tipo de sorriso pode ser observado na face dos budas e bodhisattvas . Eu gostaria de apresentar urna pequena poesia que você pode recitar mentalmente - de tempo em tempo - enquanto estiver praticando respiração e sorriso.

1. Inspirando acalmo meu corpo e mente.

2. Expirando eu sorrio.

3. Residindo no momento presente

4. eu sei que este é o único momento.

Inspirando acalmo meu corpo e mente. O efeito dessa frase é como beber um copo de água gelada: você sente o frescor permear seu corpo. Quando inspiro eu recito mentalmente esta linha, e re¬almente sinto a inspiração acalmando meu corpo, acalmando minha mente.

Expirando eu sorrio. Você conhece o efeito de um sorriso! Um único sorriso pode relaxar cente¬nas de músculos de sua face, pode relaxar seu sis¬tema nervoso. Um sorriso faz de você seu próprio mestre. E por isso que os budas e bodhisattvas estão sempre sorrindo. Ao sorrir você realiza a maravilha do riso.

Residindo no momento presente. Enquanto, sentado aqui, eu não penso em outro lugar; nem no futuro nem no passado. Sentado aqui, eu sei onde estou. Isso é muito importante! Nossa tendência é nos transportar para o futuro em vez de nos estabelecer no agora. Costumamos dizer: quando eu terminar meus estudos e ti ver me for¬mado, ai sim estarei realmente vivo. Quando conseguimos isso - que não é fácil - passamos a dizer: tenho que esperar até ter um bom emprego para estar realmente vivo. E depois do emprego o carro; depois do carro a casa... Não temos capacidade de estar vivos no momento presente. Nossa tendência é adiar a vida para o futuro, para o distan¬te futuro, sabe-se lá quando. Agora não é o mo¬mento de estarmos vivos. Podemos mesmo não estar vivos durante toda a nossa vida. Por isso a técnica - se é que se pode falar de urna técnica - é ser no momento presente, é estar consciente do aqui e agora. O único momento de estarmos vivos é no presente momento.

Eu sei que este é o único momento. Este é o úni¬co momento que é real. Estar no aqui e agora, des¬frutar o momento presente é a nossa mais impor¬tante tarefa. Acalmando, sorrindo, momento presente, único momento. Espero que vocês o tentem.

Mesmo a vida sendo dura; mesmo sendo difí¬cil, as vezes, é preciso sorrir... devemos tentar. Da mesma forma, quando desejamos bom-dia a alguém, este deve ser um bom-dia real. Ha pouco tempo urna amiga disse-me: como posso me forçar a sorrir se estou cheia de amarguras. Não é natural. Respondi, então, que ela deveria ser capaz de sorrir para a sua amargura, porque nos so¬mos mais do que as nossas dores. O ser humano é como um aparelho de TV com urna infinidade de canais. Se ligamos o canal de Buda, nos tornamos buda; se ligamos o canal da dor, nos tornamos dor; se ligamos o do sorriso, nos tornamos real¬mente sorriso. Não podemos deixar que só um ca¬nal nos domine. A semente de todas as coisas está em nos e temos que agarrar a situação em nossas mãos para recobrar nossa soberania.

Quando sentamos tranquilamente, respiran¬do e sorrindo, em plena consciência, estamos sen¬do nós mesmos, e temos soberania sobre nos. Quan¬do nos abrimos para um programa de TV, nos deixamos ser invadidos pelo programa. Às vezes é um bom programa, mas quase sempre é ruim. Mas, porque queremos que outra coisa que não seja nós mesmos entre em nós, permanecemos sentados, deixando que o mau programa de TV nos invada, nos devaste, nos destrua. Mesmo que nosso sistema nervoso se ressinta, não temos coragem de levantar e desligar o aparelho, porque, fazendo isso, temos que retornar a nos mesmos.

Meditação é o oposto. Ela nos ajuda a retornar a nós mesmos. Praticar meditação neste tipo de sociedade é muito difícil. Tudo funciona como que conspiradamente para nos tirar de nós mesmos. Temos milhares de coisas, como videoteipes e música que ajudam a nos ausentar de nós mesmos. Praticar meditação e estar consciente, sorrir e respirar. Isso se situa do lado oposto. Retornamos a nós mesmos para ver o que está se passando, pois meditar significa tomar consciência daquilo que está acontecendo. E isso é muito importante.

Suponhamos que você esteja esperando um bebê. Você precisa respirar e sorrir por ele. Não espere até que seu bebê nasça para começar a cui¬dar dele; mas precisa fazê-lo agora mesmo. Não conseguir sorrir é urna coisa muito seria. Você pode pensar: estou muito triste; não tem cabi¬mento sorrir. Talvez chorar ou gritar fosse o cor¬reto, mas seu bebê estará recebendo isso - qualquer coisa que você seja ou faça é por seu bebê.

Mesmo que você não tenha um bebê em seu útero, sua semente já existe. Mesmo que não seja casada, mesmo que seja um homem, você deveria estar consciente desse bebê; a semente das gerações futuras já existe. Não espere até que um mé¬dico lhe diga que vai ter um bebê para você começar a cuidar dele. Seu bebê recebe o que você é ou faz. Ele absorve qualquer coisa que você come, qualquer preocupação que tem em mente. Você é mesmo incapaz de sorrir? Pense no seu bebê e sorria por ele, pelas gerações futuras. Não diga que seu sorriso e sua dor são incompatíveis. É dor sua; mas, e o seu bebê? Não, é dor dele!

As crianças entendem muito bem que em cada mulher, em cada homem, existe urna capacidade para despertar, para compreender, para amar. Muitas crianças já me disseram que não podem apontar um só indivíduo que não tenha essa capa¬cidade. Todos a tem! Apenas alguns permitem que ela se desenvolva, outros não. Essa capacida¬de de despertar, de se tornar consciente do que está se passando nos seus sentimentos, no seu corpo, na sua percepção, no mundo, é chamada de natureza de Buda. Ou seja, a capacidade de com-preender e amar. Desde que o bebê desse Buda existe em nós, devemos dar-lhe uma chance. Sor¬rir é muito importante! Se não somos capazes de sorrir, o mundo não terá paz. Não é saindo para uma demonstração contra as bombas nucleares que podemos trazer paz ao mundo. É com a nossa capacidade de sorrir, respirar e de estar tranqüilos que podemos fazer paz.

Texto traduzido do espanhol por meu amigo Dr. Juan Miguel Batalloso Navas Autor do livro: Dimensões da Psicopedagogia Hoje - Uma Visão Transdisciplinar. Liber libros, 2011