ESTÓRIAS DE VAQUEIROS, VAQUEJADAS, SERTANEJOS...-III-

O cheiro do cafésinho que passei, está percorrendo a sala onde me encontro, e o café, está gostoso, venham comigo, tomar um café, e vamos caminhar até aquela outra sala de onde viemos, lá no interior da Bahia...

Tio "Júlio" nos espera, em sua rede. Tem mais coisas para nos contar...

O EMBATE -

Êle dizia da fuga de bois bravios, que em desabalada carreira, correndo em meio à Caatinga, quebrando paus, abrindo caminhos, por entre espinhos, corria, com a sua força incontida. No entanto, tinham que ser contidos e trazidos de volta para junto dos outros da boiada, e continuar o seu trajeto, até o seu local de entrega.

O vaqueiro nordestino, ao que eu sei, quando está nessa função, a de conduzir sua boiada, melhor dizendo, a boiada do seu patrão, é muito responsável. Não pode deixar faltar nenhum boi, até o destino final, da entrega da boiada...Dá a sua própria vida, para que isso aconteça. É ponto de honra, é o seu nome que está sendo testado. É uma tradição secular, a sua honestidade, não pode ser posta em jôgo. Não há que se duvidar de um vaqueiro que se preza, como verdadeiro e autêntico sertanejo...Não se duvida da palavra de um vaqueiro! Jamais!

Então os bois, terão que serem contados novamente, quando chegarem ao seu destino e não pode faltar nenhum. Isto posto, aí está o motivo, da desabala carreira, a fuga, sendo contida, o colocar-se a "careta", o "cambão', e o retorno do boi fujão, para a boiada.É um cuidado e um zelo total para com os bois...

Aqui, onde esse "escriba" está, no silencio dessa madrugada, mais um gole do café...

E lá na sala do tio "Julio", mais uma baforada de seu cigarrinho de palha, uma pequena pausa na sua narrativa, e então, ao prosseguir com sua fala pausada, êle assim nos dizia:

" - É meu filho! mas tem boi que é muito bravo!

E na sua braveza, na sua altivez, não se entrega, e não foge mais..."

E escolhido o local, da arena para a luta, vira-se, ficado parado, e com olhos mortíferos e ódio, olha e enfrenta o seu perseguidor . É como se falasse:

" Agora acabou! vou enfrentá-los, vocês não desistem e nem eu também!!!"

Naquêle instante de enfrentamento, de perigo iminente, no silêncio da Caatinga, frente a frente um ao outro, perseguidor e perseguido, homem e animal enfurecido, alí naquele espaço de chão, tendo o céu como testemunha, o destino traça sôbre a vida e a morte...

" - O que acontece então, meu tio?"

Então meu filho:

" - É ESPERÁ ACONTECÊ!!"

Sua fala de homem simples e nordestina, lá do interior da Bahia, soando como música para os meus ouvidos, estão até hoje, guardadas em meu coração.

Sua voz ecoa suave em meus ouvidos.

" Então é esperar acontecer!"

Calado minha pergunta chega até êle:

" - Esperar acontecer o que?"

Sua narrativa continuou, como se advinhando minha pergunta que não saiu de minha boca...

Sua resposta prontamente ali estava, dizendo aos seus ouvintes:

" - Um dos dois tem que morrer" Ou o boi, ou o vaqueiro, Um vai ter que morrer!!!"...

Essa é a sentença final, na lei do sertão, entre bois e vaqueiros...

A luta é mortal, o boi não se entrega, e o vaqueiro tem suas responsabilidades, e agora, não tem como voltar atrás, a decisão fora do animal enfurecido, o qual, cansado de correr fugindo, fizera a sua opção...

A luta vai começar!

Então o vaqueiro, tem o seu ritual e armas, para o combate!

O boi apenas, ou melhor dizendo, é uma montanha de músculos, força e chifres ponteagudos, e a sua ira, aliadas à firme convicção.

" Não vou me entregar!"

As suas armas são essas, e é com essas armas que vai lutar até o fim!

O vaqueiro, conta com a presteza de seu fiel amigo, o seu cavalo...

Recorre então, de uma espécie de lança pequena, um pau, com uma ponta de ferro, onde tem nessa ponta, três marcas, dando-lhe um espaço entre uma e outra.

O boi arremete pra cima do cavalo e cavaleiro, seus chifres tentam atingir mortalmente o seu objetivo, mas o cavalo é mais ligeiro, foge numa curva rápida para o lado, e então o vaqueiro, crava sua lança até a primeira marca, no lombo do boi...Frente à frente de novo, um olha para os movimentos do outro...Nova arremetida, e novo espetar da lança, assim por três vêzes, o boi é "convencido" a se entregar...

Mas não! Êle continua e como um teimoso, avança novamente num gesto de loucura indomável...

Então ao vaqueiro, só resta uma alternativa. Tira da sua perneira, uma faca longa, feito aquele punhal usado pelo "lampião e Maria Bonita" figuras do folclóre nordestino. Sim! Um longo punhal, o qual com maestria e precisão, deve ser usado pelo vaqueiro, na próxima arremetida do boi.

Quando isso acontece e que o cavalo foge rápidamente para o lado, em fração de segundos, um golpe certeiro é desferido pelo vaqueiro, entre a cabeça e o pescoço do boi enfurecido e entrando fundo, vai atingir-lhe local mortal...

Alí acaba a luta, a fuga, do boi. Toda aquela tensão do vaqueiro, felizmente para êle, acaba bem!

Alí naquêle instante, o vaqueiro se vê livre de uma possível morte, solitário lá no meio da Caatinga...

" Um tem que morrer"...Dizia tio "Julio!

Nessa nossa estória, felizmente para nós foi o boi...

Para o sobrevivente, o vaqueiro, outro trabalho o aguarda...Tem que retalhar o boi em pedaços, para trazê-lo para fora da Caatinga, Não se esqueçam de que êle, é um homem de palavra, e ao ser contada a boiada, no seu lugar de entrega, restará dizer...

"Patrão a boiada está certa! estão todos aí, o senhor pode contar!"

" - Tem apenas esse que, não se entregou, e não teve geito, tive que trazê-lo assim! dessa forma..."

É!!! quem vê isso assim descrito, não pode perceber, o quanto da emoção, no rosto do seu narrador, o vaqueiro "Julio", muito respeitado e festejado pelos seus amigos, vaqueiros dignos como êle também!!

Cheguei a ouvir por aquelas bandas, êsse sim é que foi um vaqueiro digno, respeitado e competente...

Tio "Julio" já nos deixou, deve estar contando bois, lá no céu , onde possívelmente esteja conduzindo suas boiadas, coisa na qual era um mestre.

Seu "aboio" uma espécie de cantiga, para induzir os bois a segui-lo em seu cavalo, pode ser ouvido, naquelas tardes quentes nordestinas, tem destino certo, a boiada precisa chegar lá e completa. E êle é um homem muito honrado, zeloso de sua função.

É um vaqueiro muito querido por aquelas bandas lá no CÈU!

Penso que o seu "paramento" seja o mais bonito daquelas bandas também. E, como o seu cavalo ligeiro e fiel amigo, daqueles que "colam o focinho na anca do boi fujão", não pode haver outro igual...

Tenho certeza disso.

FIQUEM COM DEUS!

ATÉ A PROXIMA ESTÓRIA.

abraços.

jorê

jorê
Enviado por jorê em 12/02/2012
Reeditado em 12/02/2012
Código do texto: T3494356