Uma história de lobisomem

Raimundo de Assis Holanda

A Lua prateava a bagaceira. A natureza silenciava. O silêncio, às vezes, era cortado pelo pio da coruja. De vez em quando, o vento assobiava nas folhas das mangueiras e dos cajueiros. De longe, vinham os latidos dos cães.

Já era meia-noite e tudo parecia crer que ali teríamos mais uma noite de paz, de sono tranqüilo. Em um dado momento, a Lua escondera-se por entre as nuvens e fez-se escuro. Uma rasga-mortalha deu um vôo rasante sobre o telhado da casa. Todos dormiam, menos Hermenegildo. Seu coração palpitava que algo estranho iria acontecer naquela noite. Levantou-se, abriu a janela que dava para o quintal, tudo, porém, continuava calmo. Mas era meia-noite.

Assim que cerrou a janela, ouviu um uivo estrondoso, vindo das bandas de uma mangueira. Saiu ao quintal, fitou os olhos em direção à árvore e viu duas tochas de fogo que o miravam.

Hermenegildo ficou estático ao fitar aqueles olhos de fogo. Sentiu um calafrio e concluiu: é um lobisomem. E era mesmo.

Era um animal peludo, queixudo, de unhas grandes. Este ciscou as folhas secas da mangueira e partiu em direção ao nosso homem que saiu em desabalada carreira, pulando uma cerca, de nove cintas de arame farpado. Quanto mais gritava e corria, mais o bicho dele se aproximava. O povoado todo acordou aos gritos de Hermenegildo: é um lobisomem.... é um lobisomem...

As crianças se aconchegavam no colo das mães; as mulheres, de camisola, abraçavam seus filhos, com medo de o bicho comer o fígado de cada um, pois lobisomem gosta de fígado de criança.

Nosso personagem, quando parou, as calças estavam um pirão. O coitado estava todo borrado e desmaiou, mas logo foi socorrido e tornou a si.

Dez homens saíram em perseguição ao monstro. Uns, com pedaços de pau; outros com espingarda de cartucho; e outros com espingarda socadeira.

Nas folhagens da mangueira, viram o rastro, idêntico ao de um jumento. Seguiram as pegadas na areia, até a cerca, onde encontraram, cravados no arame, pêlos do animal, do bicho-fera. Depois da cerca, as pegadas já não mais existiam.

Quando olharam a Lua, esta reacendera seu brilho, anunciando o desencanto do animal.

De manhãzinha, o comentário era um só: a aparição de um lobisomem na propriedade de seu Hermenegildo.

Gabriel, porém, um caboclo corajoso, disse consigo: - vou descobrir quem é este lobisomem. Saiu, espiando moita por moita quando, de repente, deu um passo atrás. Seu Graciliano dormia a sono solto, embaixo de uma moita de cipó. Qual não foi o espanto do caboclo: as costas de Graciliano estavam marcadas pelos riscos do arame farpado.

Todo o povoado ficou sabendo que seu Graciliano virava lobisomem. As crianças corriam com medo, quando avistavam o bom velhinho.

E ele se orgulhava desse poder sobrenatural.

Contei esta história a seu Raimundo, que não acreditava em lobisomem.

Raimundo de Assis Holanda Holanda
Enviado por Raimundo de Assis Holanda Holanda em 24/03/2007
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