Um abismo de sonhos escondidos

A tua despedida lançou-me nas poeiras de um perfume e, desde aquela época, passou existir um espaço entre eu e minha sombra. E foram tantas as vezes que me apegava no teu cheiro em meus lençóis, tantas e tantas foram as procuras tua pelos corredores estranhos, ausentes. Tantas foram as tardes vazias sem pôr-do-sol em minha janela, e a tentativa de te encaixar nas casas de meus botões – sempre vãs tentativas.

E me entreguei inteiramente, intimamente àquelas noites, as quais as fronhas foram cúmplices de minhas lagrimas até quando a lua virasse sol. Qualquer música de amor ao rádio era sobre mim que falava, e procurava um refugio de mim e de ti em filmes, livros, quadrinhos, amigos, mas neles havia qualquer coisa que me afastava de mim e me aproximava de ti.

E as fotografias se tornaram reflexos do meu espelho e aqueles papéis amarelados de tuas cartas de amor foram os ingredientes fundamentais de minha dieta, meu corpo se perdia nas larguras de meus vestidos.

Quão patética época! Até os rótulos das minhas compras de supermercado eram os de tua preferência, embora mofavam na minha prateleira. As calças foram aposentadas como roupas de inverno, pois já não sabia se eram elas que não me cabiam ou eu não me cabia a elas e assim meus sentimentos não se atreviam a beber um copo d’água, pensamentos anorexos me regrediam a cada instante. Enquanto as lembranças se triplicavam a ponto de estarem em qualquer lugar, fazendo o que for.

E o motivo estava sempre ali entre conta-gotas e cápsulas de conforto que passei a tomar todas as manhãs, tardes, noites e madrugadas – um diagnostico patológico foi constado, embora para a cura não houve reversão, mas os comprimidos dos fracos me ajudavam a dormir e acordar, eu ainda estava ali.

O efeito colateral de todo esse coquetel de experimentos, de tentativas frustradas , proporcionou-me essa tranqüilidade, um dormir a canção de ninar, como quem dorme sobre nuvens de algodão-doce, enquanto uma mãe conta uma historinha ao filho para que ele não tenha medo do bicho do armário durante as noites de tempestades.

E agora me pedes pra voltar com lágrimas ingênuas nos olhos de menino! Me pedes para que retorne, choramingando delicadamente, enquanto segura minha mão nesta sala fria. E só agora, quando todos choram por mim, neste meu dormir um sono que não é de sonhar, um sono de não adormecer. Só agora me pedes para retornar desta eterna vida transcendental? – Agora não posso meu bem, mas tenha sempre contigo: “As lembranças são atemporais, já que as estrelas não têm o mesmo tempo que o teu”.

Sophia Welcker.