"Um tempo"

Ao reparar coisas alheias perdia-me dentro dos próprios espelhos, adormecida em braços de girassol. Quanto mais colocava vidros nos olhos e livro na lingua, mais se abria o próprio labirinto de mim, como a quem pisa sobres os vácuos do abismo da humanidade.

Apresentava-me as lacunas de meus dedos em cada toque que se dava-me e prendia-me, perdia-me ingenuamente nos tantos eus, como tantos tu, sem poder atingir qualquer personalidade. E lá estava eu, em colchas de retalhos, rendas francesas, rede na varanda, casa de barro - por entre as quartas feiras de Mario Quintana, enquanto as palavras do meu estomago recitava angustiosamente as virgulas de Drummond. E o tempo ia passando e eu envelhecia, o meu tempo ia passando e tu ainda mais aparecias e, o tempo foi passando e eu não sabia o que era o tempo, mas o tempo foi, foi e foi ...E de mim e de ti o esperado foi o tempo que não veio e quando vi, já havia passado. E onde estavamos então? Entre dois tempos ou três? Ou se não ao tempo de qualquer literatura, um tempo dado a qualquer leitura que esqueci de fazer e tu não me lembrastes de ler... E tu, por que não dissestes que eu estava caminhando sobre os vácuos dos abismos de mim e não da humanidade? O tic-tac do relógio tornou-se meu trauma, minha fadiga, meu ouvir, meu olhar, meu melindrar, minha limitação. O tic-tac do relogio tornou-se o teu extratogema, a tua esperança, a tua alegria, o teu voar. Tic-Tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac...

Sophia Welcker