CONTOS DO ANDARILHO O INESPERADO

Eram duas horas da tarde o homem estava deitado debaixo da sombra de uma frondosa árvore, os pensamentos borbulhavam em sua mente, o homem tentava desviar o pensamento, mas era impossível.

A mente parecia presa no dia da morte de sua mãe, dia triste, poucas pessoas velavam aquele corpo velho e corroído pelo tempo, o caixão estava posto na sala da casa.

Eram poucos moveis todos artesanais o chão era de terra batida, as senhoras em um canto da sala de véu preto na cabeça rezavam um terço, no final da tarde foi o enterro.

Apos o enterro todos se foram, voltei para casa eu e os meus irmãos, éramos doze ao todo, sentamos fizemos um novo bule de café em seguida discutiu sobre a venda do único bem que possuíamos, que era a casa.

O velho barraco de adobro com algumas plantas medicinais em sua volta plantadas dentro de latas e outros recipientes, eram mudas de alecrim, arruda,losna, babosa dentre outras.

A casa não valia muita coisa, mas era tudo o que tínhamos para dividir, e apos algum tempo de conversa resolvemos vende-la, e assim foi feito.

Apos a venda do imóvel cada um pegou sua parte e saiu em uma direção, pois não tínhamos referencial de família, pois minha mãe criou a todos nos sozinha, pois meu pai nos abandonou e seguiu seu caminho independente.

Éramos filhos do mesmo pai e mesma mãe, mas o sentimento era ínfimo, aquela foi a ultima vez que vi meus irmãos reunidos, peguei minha parte e comprei uma passagem de ônibus e sai sem direção.

Como não sabia aonde ir qualquer lugar servia, e assim o fiz, chegando à cidade procurei emprego, mas não consegui, pois não sabia fazer nada, e assim os dias se passaram o dinheiro acabou eu sai vagando em busca de apenas mais um dia.

De repente o homem percebe uma mochila enorme cair ao seu lado, o pensamento fatídico do dia da morte da sua mãe desaparece rapidamente, o homem sai do mundo das idéias e volta ao mundo real.

O homem ouve apenas o barulho de um veiculo acelerar rapidamente, e seguida ouve o cantar de pneus de outro veiculo, de onde o homem esta não da para ver nada, apenas ouve um som que parece ser uma perseguição.

Pois ele esta deitado no meio do mato aos pés de uma arvore, o homem ficou paralisado, pois em seguida houve muitos disparos de arma de fogo, depois tudo silenciou.

O homem ficou perplexo e paralisado ate o final do entardecer, quando a noite caiu o homem pegou a mochila colocou nas costas pegou suas tralhas e saiu andando no meio do mato as margens da rodovia por toda noite.

O passo era lento, a fome era muita, mas o homem não parava nem para descansar, com o raiar do dia ele havia se distanciado muito do local onde as coisas haviam acontecido.

A jornada as margens da rodovia durou ate onze horas da manhã, quando se aproximou de um pequeno povoado, não foi difícil arrumar um pouco de comida e encher as garrafas de água novamente.

E quando o homem ia em direção à saída do povoado um jovem lhe chama.

Hein moço me ajude a descarregar o caminhão que eu lhe pago um dia de serviço.

O homem olha para o rapaz e lhe diz.

Ajudo-te a descarregar o caminhão e você me da uma carona para onde estiver indo.

O rapaz olhou desconfiado, mas vendo a estrutura do viajante percebeu que o homem só queria se adiantar no caminho existencial, pois sua forma humana não oferecia risco a ninguém, pois sua aparência e de alguém sem forças para defender a si próprio quanto mais de atacar alguém.

E assim foi feito, foram quase quatro horas para descarregar o caminhão, mas por fim havia acabado o serviço, o dono do estabelecimento deu um lanche para o motorista do caminhão e para o chapa que ajudou a descarregar.

Àquelas horas de serviço pesado uniram aqueles seres, a desconfiança sobre o caminhante deixou de existir, sem a presença dele o serviço seria bem mais difícil, e seu esforço mostrou que quem tem interesse no serviço faz a diferença.

Apos o lanche o caminhão seguiu viajem, no inicio da noite o caminhoneiro encostou-se a um posto de combustível as margens da rodovia, ali tomaram um banho e se alimentaram.

O caminhoneiro se compadeceu com o viajante e lhe deu uma calça uma camisa e um par de botinas, a noite se passou rapidamente devido ao cansaço, e logo de manhã seguiram viajem.

Não demorou muito e chegou o fim da carona, o caminhante estava limpo vestido e alimentado, desceu do caminhão e agradeceu ao jovem a carona, se despediram e cada um seguiu seu caminho.

A cidade estava parada, pois era tarde de sábado, movimento só nos bares, e locais de diversão, somente ai que o viajante resolve abrir a mochila, senta se em um banco de praça e ao abrir o zíper se espanta.

A mochila esta cheia de dinheiro, os olhos brilham somente notas graúdas, a caminhante pega duas notas põe no bolso e se dirige a um hotel, o lugar e simples, mas arrumado.

O porteiro lhe cobra adiantado, ele paga, e ao chegar ao quarto se espanta, e tudo limpo muito cheiroso e arrumado, e o ambiente mais chique que esteve em toda sua vida.

O homem toma um banho demorado, veste as roupas que tinha ganhado do amigo de viagem e sai pela cidade para dar uma volta, poucos minutos depois avista um shopping.

Caminha feliz em direção ao centro de compras, não demora muito entra em uma loja e compra roupas novas, e um momento de muita felicidade, pois nunca tinha feito isso em sua vida.

Sai da loja e se dirige ate o banheiro do shopping o lugar e lindo parece uma casa, o viajante troca de roupa ali mesmo, causando espanto aos usuários do banheiro, sua alegria contagia a todos, o caminhante vira objeto de admiração.

Ele pega as roupas que tirou e as coloca nas sacolas chiques que vieram suas roupas e sai andando pelo shopping, e um momento único em sua vida, passa em frente a um salão e entra.

Corta seu cabelo e faz uma limpeza de pele, e por ali fica ate parte da noite passeando e aproveitando uma vida nunca antes sonhada, pois antes sua vida era de mendicância, noites aos pés de arvores a beira da estrada.

Fogueiras as margens da rodovia, frio intenso, amanhecer gelado e faminto, o caminhante segue andando e pensando na vida, só que agora com dinheiro no bolso e um destino final, que e o quarto de hotel.

Pois na sua vida de viajante o final do dia não representava ir para uma casa e sim arrumar um lugar para passar a noite.

A caminhada ate o quarto do hotel e lenta e cheia de pensamentos, à noite e fria triste e solitária, o caminhante cruza com um mendigo, para, entrega a sacola com suas roupas e botinas usadas.

O mendigo sente se agradecido, recebe com um sorriso o presente, não agradece com palavras por que e mudo, mas gurguna, o viajante sente a felicidade do outro e isso o deixa mais feliz ainda, pois ele sabe o que e gratidão.

O viajante enfia a mão no bolso retira o que sobrou do dinheiro que levou quando saiu do quarto do hotel e entrega ao homem, o mendigo quase não se contem, quase volta a falar e sai pulando, assim o caminhante segue pensando na vida ate chegar ao hotel.

O moço da portaria e outro, pois os turnos de serviço foram trocados, ele chega e pede a chave o rapaz pergunta o nome e o numero do quarto, o homem pega a chave e sobe já cansado não demora muito e esta no mundo dos sonhos.

À noite e rápida, logo cedo o viajante acorda e se dirige a uma instituição publica para tirar sua carteira de identidade, tudo e muito fácil, a foto e de graça, o viajante teve sempre sua certidão de nascimento.

E agora com o conforto de um lar em um quarto de hotel o viajante segue organizando sua vida, aos poucos retira toda sua documentação, abre uma conta bancaria e deposita parte do dinheiro.

O caminhante e homem muito sábio, pois teve uma vida inteira de luta pela sobrevivência, sempre teve que se virar com o que tinha. O ser humano para o viajante não tem mistério.

Agora com dois meses em um quarto de hotel chegou a hora de dar um novo rumo a sua vida, a documentação esta toda pronta.

O caminhante se despede com lagrimas nos olhos dos funcionários do hotel, todos choram, pois com sua humildade e simplicidade cativou a todos os seres que com ele conviviam.

Mas dali sai um novo homem, seus passos agora são firmes e seguros, o fantasma da miséria moral e financeira não lhe persegue mais, dali sai um homem que pode não ter estudo, mas tem conhecimento para administrar o mundo.

Os dentes são novos, o cabelo agora e macio, as unhas estão limpas, as palavras saem mais devagar, pois não precisa convencer a mais ninguém de suas necessidades.

O perfume exala seu novo caráter, o carro encosta na porta do hotel, seu motorista abre a porta.

O motorista e o antigo camareiro do hotel, que um dia foi motorista particular e que apos ter perdido o emprego teve que se contentar em ser camareiro para não morar mais na rua.

O motorista não tinha família nem vínculos, mas agora tem um patrão que o trata como a um filho, e ali seguem dois amigos em direção à antiga morada do viajante, que agora retorna a sua antiga terra natal vinte e cinco anos depois.

O dinheiro agora não e mais problema.

São dois dias de viajem, o tempo e recoberto de sonhos e fantasias, o caminho e reconhecido por partes, pois foram muitos os desvios, mas ao fim do caminho se encontra a raiz de uma existência.

Ao entrar no povoado a sensação e de nunca ter saído dali, tudo estava do mesmo jeito, quatro ou cinco novas casas, a igrejinha e a mesma, a sensação e de que o tempo por ali continuou tudo estático.

O caminhante para na vendinha para saber dos irmãos, e com poucos minutos de conversa sabe do paradeiro de toda sua família, a lembrança da sua mãe ainda e viva na mente dos moradores da cidade.

Pois a imagem dela e ligada a exemplo de luta e honestidade, o caminhante sai andando a pé pelo povoado, e vagarosamente vai encontrando irmãos e sobrinhos seu coração se enche de alegria.

Aquilo sempre foi sua vida de verdade, seu sonho era um dia morar na antiga casa da mãe e ali constituir sua família, o luxo nunca brilhou em seus sonhos, mas o feijão com pele de porco sempre perturbou seu estomago.

Foi um dia de festa o reencontro mostrou a todos a necessidade de se ter uma família, coisa que o dinheiro não compra.

O caminhante comprou de volta a antiga casa, e com o que tinha foi fácil ajudar a toda sua família e ao motorista e amigo que o levou ate ali.

Este e o real sentido da vida, por mais que se vague pela vida o sonho de todos e um dia retornar ao marco zero, ao principio.

Ser nem hum completa em si mesmo, a felicidade e algo para ser dividido, felicidade egoística só traz tristeza e infortúnio ao seu possuidor, pois se um homem viaja por todo o mundo, conhecendo o que ha de melhor, ao final se sentira solitário, e morador de lugar nem hum.

E acabara por retornar a sua terra natal para conseguir forças suficientes para findar em sua existência,

A terra chora por seu filho querido, terra natal e berço esplêndido que nunca fecha seus braços, e mãe generosa que não dorme enquanto o filho não chega.

jus soli e jus sanguinis são preceitos legais e existenciais, se a terra não tiver força para trazer de volta seu filho o sangue o fará.

Isso e vida, isso e viver, passamos a vida em busca do sonho em terra estranha e quando se consegue vemos que o antes covarde que ficou em sua terra natal enfrentando os infortúnios da vida e as intempéries existenciais foi o vencedor da miséria e do amor.

Pois quando vamos, não nos preocupamos com os que ficam, mas os que ficam se fundem com a terra e o sangue, e quando conquistamos nossos sonhos em terras estranhas surge o novo sonho.

Que será o de retorno à terra natal, nem sempre encontramos todos que deixamos, mas o pouco que tiver de pé será o sentido de uma vida inteira.

Assim somos nos, queremos muito, mas quando temos nos perguntamos se valeu todo o sacrifício, e uma vida inteira de conjecturas.

Não conseguimos chegar ao consenso da felicidade permanente, e se a temos nos causa tédio, a felicidade e o sabor de cada dia vão variar do prato que se come.

O paladar e daquele que saboreia, e não da platéia, somos escravos do nosso destino, onde a existência precede a essência, e ao final a auto-realização e o sonho do coletivo.

E assim termina uma vida comum e sem grandes aventuras, e são essas pessoas comuns que povoam nossas terras, sempre sonhando em construir um futuro para uma geração vindoura que provem de si mesmo no ciclo existencial.

Onde o que você e, e o que você mesmo construiu durante sua jornada.

O livro contos reflexivos do andarilho do pluriverso se encontra pronto, aguardando editora para publicação.

Paulo César de Castro Gomes.

Graduado em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira Goiânia, pós-graduado em docência universitária superior pela Universidade Salgado de Oliveira Goiânia, pós graduando em Criminologia e Segurança Publica pela Universidade Federal de Goiás. (email. paulo44g@hotmail.com)