Primeiro round

Livros são ótimos esconderijos. Às vezes, no ônibus, ela se esconde atrás de livros abertos, evitando encarar possíveis conhecidos.

Ela também gosta do silêncio, gosta de ficar só.

Em si.

Hoje foi um desses dias.

O papel deslizou das suas mãos caindo sobre a mesa, fazendo um barulho estrondoso. Um som de sepultura. Agora ele estava aliviado. Havia se livrado daquilo. Em algum lugar ela notou isso. Talvez na forma como lhe entregara o papel. Rapidamente. Sem encará-la. Ou talvez tenha sido ela. Ela que não foi capaz de olhar em seus olhos. Via apenas o papel em sua frente. O papel e um número riscado em vermelho. Sua garganta estava estéril. Sem nenhuma palavra em quilômetros.

O número.

O número saltou da folha agarrando-se ao seu pescoço. Um soco no estômago. Dezenas de bofetadas na cara. Seus olhos tinham se arroxeado. Cortes se abriram e uma série de ferimentos aflorou à superfície de sua pele. Havia sangue a lhe escorrer do nariz e emplastar-lhe os lábios.

Ela sentiu uma vontade enorme de chorar. Como há muito tempo não sentia. Não chorou. Nesse momento, percebeu o quanto era orgulhosa. Se alguém reparasse, notaria o seu nariz vermelho e as lágrimas aprisionadas em seus olhos, impedidas de rolarem. Ela se lembrou da garota que chorava sempre que queria e sabia que deveria fazer como ela. Mas não conseguiu embora ninguém olhasse.

Sentiu-se só. Irremediavelmente só. Entendeu que em alguns momentos não haveria mesmo ninguém. Esses seriam os piores.

Mais do nunca desejou que um deles estivesse ali. Para sussurrar os soluços dela em seus ouvidos e molhar toda a sua camisa com suas lágrimas. Para desabar cansada em seus braços. Porém nenhum deles estava. (Eles não tinham culpa).

Definitivamente, este não era um bom momento.

Ela começou a imaginar.

1, 2, 3... O árbitro contava. As luzes haviam abaixado. Um holofote a iluminava. Ali. Caída no chão, ensangüentada. Tudo estava cinza agora. Somente o seu calção verde esperança se destacava. O salão cheirava a cigarro e cerveja. A multidão se alvoroçava. Aos poucos ela se ergueu. Não. A luta ainda não havia terminado. Era só o fim do primeiro round. Em breve o gongo soaria de novo.

Naquela manhã, ela foi embora para casa se escondendo atrás de um livro e ao chegar, finalmente chorou. Chorou e adormeceu.

Schmetterling
Enviado por Schmetterling em 04/12/2007
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