O QUE A LÓGICA NÃO É: CRITÉRIO DE VERDADE

Não é muito difícil encontrar quem pense que “lógico” seja sinônimo de verdadeiro, correto, provado, evidente, indubitável, que basta que um conhecimento seja lógico ou derivado da lógica para que seja irrefutável, mas a triste novidade é que as coisas não são bem assim. Infelizmente a lógica, por si só, é inútil se nossa intenção é aumentar nosso conhecimento a cerca do mundo. Excetuando alguns princípios básicos, nada nela é, por si só, capaz de nos fornecer alguma verdade sobre as coisas. Além disso, para o azar dos mais otimistas no poder da lógica, algo pode ser derivado da lógica e ainda ser falso! Então, para que serve mesmo a lógica? Se ela não é capaz de nos fornecer a verdade de nada e ainda pode ser falsa, não seria melhor ignorarmos todos os manuais de lógica? Não é bem assim.

Deveríamos nos livrar da lógica se a função dela fosse fornecer verdades sobre o mundo, mas não é. Sua função é apenas estudar e verificar a validade dos argumentos ou do raciocínio. Um argumento é uma sequência de proposições ou sentenças que têm por objetivo provar uma outra, que chamamos de conclusão. O argumento mais famoso é o exemplo clássico de Aristóteles

A1: “Todos os homens são mortais. Sócrates é homem. Logo, Sócrates é mortal”.

Aqui temos uma sequência de proposições que servem para provar outra proposição, a de que Sócrates é mortal. Como a lógica se relaciona com argumentos, não com proposições ou sentenças, ela nada tem a dizer sobre proposições em particular. A lógica não pode nos dizer se as proposições “Sócrates é mortal” ou “Deus existe” são verdadeiras ou falsas, mas pode nos dizer se os argumentos levantados para sustentar a verdade dessas proposições são válidos ou se são bons argumentos. Se é verdade que todos os homens são mortais, e se é verdade que Sócrates é homem, então é logicamente verdade que Sócrates é mortal. Mas é verdade que todos os homens são mortais ou que Sócrates é homem? Para que seja verdadeiro que Sócrates é mortal, é preciso que essas duas afirmações também sejam verdadeiras, mas a lógica não pode garantir que são. Quem disse que é impossível que existam homens imortais? Será esta a hora de jogar fora todos os manuais de lógica?

Indo mais longe ainda no absurdo lógico, é possível que um argumento seja válido, mas que sua conclusão seja falsa. Como a lógica não garante que as premissas, isto é, as proposições que são usadas para sustentar ou provar a verdade da conclusão, sejam verdadeiras, é possível construir um argumento válido com premissas falsas e conclusão falsa. Por exemplo

A2: “Todos os peixes voam. As baleias são peixes. Logo, as baleias voam”.

Este argumento é logicamente válido, mesmo que todas as afirmações presentes nele sejam falsas e até mesmo absurdas. Todo argumento que tiver a fórmula “Todos os A são B. Algum C é A. Logo, algum C é B” será válido, e o argumento acima segue essa fórmula. Se substituirmos “A” por “Peixes”, “B” por “Voam” e “C” por “baleias”, percebe-se que A2 (argumento 2) é equivalente a A1 (argumento 1). Se lógico é sinônimo de correto e verdadeiro, por que a conclusão desse argumento é falsa? Por que as premissas são falsas, alguém poderia dizer. Sendo assim, se um argumento tem premissas verdadeiras ele será válido? Não! O seguinte argumento tem todas as premissas verdadeiras, mas não é válido.

A3: “Todos os cavalos tem quatro patas. Silver tem quatro patas. Logo, Silver é um cavalo”.

Este argumento tem todas as premissas verdadeiras (supondo se Silver seja mesmo um cavalo) e conclusão verdadeira, mas é logicamente inválido. A2 é um argumento válido, mesmo que tenha premissas e conclusão falsas, mas A3 é inválido, apesar de tudo nele ser verdadeiro. Vejam que A3 não segue a fórmula de A1, por isso ele é inválido. Mais adiante explicarei porque essa fórmula é tão importante. Antes disso, mais uma pergunta: se as premissas de um argumento forem falsas, então sua conclusão será falsa? Não! É possível criar argumentos logicamente válidos com todas as premissas falsas. Por exemplo:

A4: “Todos os insetos têm oito patas. Aranhas são insetos. Logo, aranhas têm oito patas”.

As premissas são falsas. É falso que insetos têm oito patas e é falso que aranhas sejam insetos, mas é verdade que aranhas têm oito patas. Vejam também que o argumento segue a fórmula, portanto é válido. Se, para a lógica, um argumento que tem todas as premissas e conclusão falsa e outra que tem premissas falsas e conclusão verdadeiras são válidos, enquanto outro que tem premissas e conclusões verdadeiras é inválido, para que serve a lógica? Se ela é capaz de validar o que é falso e invalidar o que é verdadeiro, não seria muito diferente das manobras retóricas dos sofistas, seria?

Diante disso poderíamos dizer baseados em A2, que “É lógico que baleias voam” e, em A3, que “Não é lógico que Silver seja um cavalo” – mesmo que ele seja. Poderíamos concluir também, tendo por base A4, que de duas premissas falsas segue-se uma conclusão verdadeira. Porém, existe um tipo de hipótese que ainda não analisamos: é possível uma conclusão falsa de duas premissas verdadeiras? Não! E é exatamente isso que a lógica estuda. Se um argumento é válido e suas premissas são verdadeiras, então a conclusão é necessariamente verdadeira. Ao contrário, se é possível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa, então o argumento não é válido. Vejam que em A2 as premissas são falsas, mas o argumento é lógico, mas a lógica não diz que as premissas são verdadeiras ou falsas, apenas que se elas forem verdadeiras, o argumento é válido (nesse caso). Sendo assim, se for verdade que todos os peixes voam e se for verdade que baleias são peixes, então é impossível que baleias não voem. Mas sabemos que peixes não voam e que baleias não são peixes, mas mesmo assim o argumento continua sendo válido, pois a conclusão não poderia ser falsa se as premissas fossem verdadeiras.

Analisando A3, vemos que o mesmo não ocorre. Mesmo que todas as premissas sejam verdadeiras, ainda seria possível que fossem verdadeiras e a conclusão falsa. Sabemos que Silver é um cavalo, mas se não soubéssemos? Se ele fosse, por exemplo, um cão? Então teríamos um argumento com todas as premissas verdadeiras e conclusão falsa. Seria verdade que todos os cavalos têm quatro patas, e seria verdade que Silver tem quatro patas, mas não seria verdade que Silver é um cavalo, porque ele é um cão. Em A3 é possível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa, mas não em A2. Por conta disso que podemos dizer que A2 é logicamente válido e A3, não. O mesmo ocorre com A4. Dizer que ele é válido não é afirmar que insetos têm oito patas, nem que aranhas são insetos. É apenas dizer que se fosse verdade que insetos têm oito patas e que aranhas são insetos, então seria impossível que aranhas não tivessem oito patas. No entanto, a lógica não pode nos dizer se as premissas são verdadeiras ou falsas, apenas que os argumentos são válidos se for impossível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. A2 e A4 preenchem esse pré-requisito, mas não A3, por mais que, a princípio, pareça um contrassenso.

Agora sabemos que certos argumentos são válidos se for impossível que suas premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa, mas como saber se as premissas são verdadeiras? Isso é algo que está além da lógica. Apenas a experiência (em última análise) pode nos fornecer dados para sabermos se as premissas são verdadeiras. É ela quem nos diz que nem todos os peixes voam, que baleias não são peixes, que cavalos são animais de quatro patas, etc. O erro de muitos leigos é achar que a lógica pode, sozinha, provar alguma coisa, mas não pode. Ela só pode garantir a verdade de uns poucos tipos de proposições moleculares (mais de uma proposição ligadas entre si), e menos ainda de algumas proposições atômicas (uma única proposição isolada). Para poder ir além disso, é preciso formular argumentos válidos com premissas verdadeiras, mas a verdade das premissas têm que ser buscada em outros campos do conhecimento que não seja a lógica. Esta é apenas um instrumento, mas a verdade é a matéria prima. Quem fornece a verdade é, na pior das hipóteses, a experiência. Portanto, não adianta formular um argumento logicamente válido se as premissas são tão duvidosas quanto aquilo que se tenta provar com o argumento.

Como vimos aqui, a lógica não garante que a conclusão é verdadeira, só garante que se as premissas o forem, e se o argumento for válido, a conclusão também o será. O problema é que muitas pessoas tentam defender certas hipóteses tentando utilizar-se apenas da lógica, como se o fato de um argumento ser lógico fosse garantia de ser correto ou de que se conseguiu provar o que se pretendia provar. É necessário antes saber se as premissas são verdadeiras, o que nem sempre fica claro. Um exemplo de argumento logicamente válido, mas que não prova coisa alguma é uma versão popular do argumento cosmológico para a existência de Deus, que diz

A5: “Tudo que existe tem uma causa. O mundo existe, logo tem uma causa. Se o mundo tem causa, então Deus existe. Logo, Deus existe”.

Como se vê, o argumento é logicamente válido, mas não é obvio que tudo que existe tem uma causa, e mesmo que o fosse, nada garantiria que o conjunto de todas as causas, isto é, o mundo, também teria que ter uma causa. Aqui, tenta-se provar a existência de algo duvidoso (Deus) utilizando-se de uma premissa igualmente duvidosa, a saber, de que tudo que existe tem causa. Concluir, da observação de coisas particulares, que todo o resto tem causa é insuficiente, além do fato de que conhecemos fenômenos que não têm causa, como eventos quânticos, o que viola a premissa de que tudo que existe tem causa.

O problema de argumentos que tentam provar a existência de coisas metafísicas ou sobrenaturais é que as premissas geralmente são duvidosas, e seus defensores tentam a todo custo ignorar a verdade das premissas e prender-se apenas à lógica, o que é um grave erro quando o que se quer é descobrir algo sobre o mundo que nos cerca. Um argumento ser logicamente válido não é condição de correção ou de verdade das conclusões. A prova lógica é algo que só pode ser utilizado após ser conhecida a verdade das premissas, caso contrário, nada se conclui.

Igor Roosevelt
Enviado por Igor Roosevelt em 26/02/2011
Reeditado em 26/02/2011
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