Sobre a ciência na nova era

Surgida em tempos antigos, a ciência, uma forma racional e justificada de conhecimento, só se consolidou, de fato, com a obra extraordinária de Isaac Newton, no séc.XVII, tendo seu apogeu, provavelmente, no séc. XIX, ou início do XX. Logo em seguida, a consolidação dos Estados Unidos como grande potência econômica mundial, trouxe não apenas a cultura pop, mas um forte destaque ao conhecimento tecnológico, uma forma bem mais lucrativa de lidar com o mundo, muito mais compatível com o novo capitalismo, eclipsando a maneira científica de tentar compreender o universo. Note como a palavra "ciência" é mais usada hoje para descrever os avanços tecnológicos que propriamente os científicos (o leitor consegue perceber a diferença?)

Embora deslocada, posta em segundo plano, pela visão tecnológica contemporânea, a atividade científica continuou viva durante todo o séc. XX, permanecendo ativa até hoje. Uma característica marcante da ciência do século XX foi a especialização excessiva. Cientistas ultra especializados, conhecedores dos mais ínfimos detalhes da subárea enfocada, mas, normalmente, bastante ignorantes com respeito a tudo o mais, consolidaram uma ciência árida e hostil, frequentemente espinhosa e apresentada sob uma roupagem sectária, como se desenvolvida por alguma sociedade secreta.

Aos olhos do leitor comum, ou mesmo de um cientista de outra área, os textos científicos ganharam, durante o séc. XX, uma roupagem de aparência ocultista, como se os cientistas desejassem camuflar, esconder do público em geral, os conhecimentos proibidos, abertos apenas aos eleitos. Como se fossem textos ocultos de alguma seita secreta, os artigos científicos são apresentados em uma linguagem hermética, exótica, com o intuito, ao menos aparente, de resguardar o conhecimento, de evitar seu transbordamento até os não escolhidos.

O leitor pode conferir as afirmações acima buscando artigos científicos disponibilizados na rede, muitos deles parecerão codificados em alguma estranha forma de comunicação, impenetráveis à mente do homem comum, acessível apenas aos eleitos.

Esse estado de coisas parece ter sido transplantado da visão tecnológica para a científica. Os que se preocupam com o desenvolvimento tecnológico, os engenheiros, estão sempre preocupados com os lucros de seu empreendimento. Por essa razão, desejam, frequentemente, ocultar os conhecimentos obtidos, as inovações técnicas atingidas, resguardando, desse modo, os frutos do empreendimento para si. Tendem a utilizar a divulgação de suas inovações apenas como propaganda de seus produtos, tendo o cuidado de omitir as técnicas conducentes aos resultados alcançados, segredos industriais.

Os cientistas, em contrapartida, costumavam divulgar, compartilhar seus resultados, com o intuito de mostrar as conclusões a que chegavam ao restante da humanidade. Talvez contaminados pelos modos dos que produzem tecnologia, os cientistas acabaram mergulhando em perspectivas absurdamente especializadas, passando a enxergar apenas os aspectos do mundo enfocados por sua estreitíssima maneira de tratar o mundo.

É possível que as causas para a excessiva especialização a que chegaram os cientistas, que os levaram a uma espécie de mundo estranho no qual falam uma língua própria e desconhecida do restante dos homens, tenham sido outras, e várias. O resultado, porém, é inequívoco, e pode ser confirmado por qualquer pessoa que tente penetrar nos estranhos escritos que compõem a produção cientifica contemporânea.

A ultra especialização alimentadora e realimentada por esse estado de coisas, parece agora ter chegado ao extremo, tanto de sua condição, quanto de seu absurdo. Já não parece satisfatória a mais ninguém, constituindo um conhecimento inacessível, "justificado" apenas por uma espécie de inércia profissional. Penso que esse tipo de conhecimento é o resultado da profissionalização dos cientistas, uma espécie de fruto de seu serviço

Para ilustrar o absurdo disso, imaginemos um enorme conjunto de artistas profissionais, assalariados pagos para produzir alguma espécie de arte burocrática, desenvolvida apenas com o propósito de justificar o salário dos participantes. Essas pessoas, provavelmente, criariam uma "arte" sem alma, uns espantalhos vazios, verdadeiro lixo. Por essa razão, talvez tentassem ocultar seus produtos das vistas dos demais, gerando uma espécie de "arte envergonhada”.

Os cientistas profissionais contemporâneos parecem se assemelhar a esses, afetando ainda certos ares de sabedoria com seus textos camuflados para a incompreensão. Assim como os engenheiros, os cientistas abdicaram das discussões sobre os fundamentos de sua ciência, buscando resultados de ponta frequentemente incompreensíveis, desgarrados de qualquer fundamentação, plausíveis apenas à visão microscópica dos ultra especialistas.

A nova era desponta com a promessa de um novo modo de ver o mundo, uma maneira luminosa de enxergar e descrever as coisas, no qual a ciência adquire um relevo especial. Sob essa nova luz, a ciência continua desvendando o mundo, mas agora de um modo muito mais amplo e coletivo, devido à difusão dos fundamentos das ciências, ao transbordamento do modo científico de desvendar tudo o que nos rodeia.

Sob os novos ventos, relega-se a nauseante ciência ultra especializada, feita por profissionais entediados, apenas aos que fazem dela seu ganha-pão, mas permite-se o florescimento de uma nova ciência, muito mais viva, tenra, feita por uma multidão ávida e inteligente, enfocando a ciência, não como atividade exclusivamente profissional e entediante, mas como fonte infinita de conhecimento, de descoberta, de estupefação.

Os novos cientistas inventarão novos modos de ver o mundo, e os descreverão para a multidão inteligente que se formará, evitando a aglomeração em pequenas seitas de iniciados especialistas, mas compartilhando o conhecimento gerado com todos os que descobrirem as delícias das descobertas, os prazeres da iluminação e conhecimento.

As bases para isso são a difusão e o relevo dos fundamentos do conhecimento, e a descentralização dos meios de divulgação científica. Publicações na rede de computadores, rápidas e ágeis, eliminarão a necessidade da triagem de artigos feitas por profissionais, frequentemente conduzidas em acordo com regras burocráticas, caducas e inúteis.

Os temas fundamentais, os que sustentam a estrutura de cada ciência, ganharão relevo especial, sendo difundidos na sociedade em geral, e discutidos por pessoas inteligentes em todos os locais. Proliferarão fundamentos alternativos para as várias ciências, será cultivada a lógica, brilhará o raciocínio. A luz das novas descobertas ofuscará a ciência profissional, que permanecerá cada vez mais tediosa e nauseante.

Note que os fundamentos de cada uma das ciências, suas bases, são os conhecimentos mais importantes em cada área, os que justificam e sustentam crenças sustentadas pelo grupo. Tais conhecimentos, os que realmente importam, são ensinados nos cursos introdutórios de cada área. Perceba que os fundamentos da física, da química, da biologia, são, ou devem ser, ensinados ainda no ensino médio. As bases de outras ciências, como a economia, ou a geologia, são ensinadas logo no primeiro curso introdutório de cada uma dessas disciplinas. Isso permite que qualquer pessoa inteligente e curiosa domine os fundamentos de todas as ciências! Atente para esse fato importantíssimo, mas omitido, mascarado pelo discurso típico de tempos passados que insistia na enormidade de conhecimentos científicos produzidos diariamente, fato irrelevante!

A enorme massa de conhecimentos produzida diariamente pela ciência caduca do século xx importava apenas aos ultra especialistas, aos profissionais entediados, sendo ela, tanto a causa, quanto o produto de seu enorme tédio.

A quantidade de conhecimento realmente significativa em cada área do conhecimento, os fundamentos de cada disciplina, os que devem ser compartilhado e discutido por todas as pessoas inteligentes e cultas, constituem apenas uns poucos capítulos iniciais dos livros introdutórios de cada ciência, incluindo também, normalmente, algumas visões alternativas omitidas pelo ensino oficial.

A difusão de tais conhecimentos levará, naturalmente, à aceitação do compartilhamento da totalidade do saber humano por todas as pessoas, gerando um processo de retro-alimentação que facilitará, cada vez mais, a construção e a difusão de novos conhecimentos.

São os novos tempos, uma nova era de luz e conhecimento.

Uma importantíssima ressalva deve ser feita a essa visão otimista e utópica. Toda essa maravilha luminosa, toda essa capacidade de compreensão, estará disponível a todos os que dominarem os fundamentos da matemática, mas uma parte considerável de tudo isso, apenas a eles.